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sexta-feira, 3 de novembro de 2017

TOCAIA, MODO DE FAZER

*Rangel Alves da Costa

Houve um tempo – e ainda há – onde a vida valia menos que a menor raiva de um coronel nordestino, de um latifundiário, de um poderoso sertões adentro. Bastava que a ira tomasse feição e logo a ordem era dada para que o seu matador desse comida aos urubus, aos carnicentos espreitando as estradas e caminhos da morte.
E nas páginas sangrentas de qualquer livro: “O cavalo seguia mansamente cortando estradão. Seu dono, cavaleiro despreocupado, pensava somente em chegar ao destino. Olhava de lado a outro e apenas o som da mata. Não sabia, contudo, que na curva adiante o inimigo lhe esperava...”.
E prosseguindo: “Detrás de uma moita, nos escondidos da mataria, o jagunço se mantinha de rifle apontando na direção da estrada, na mira de onde o cavaleiro em instantes passaria. O animal avança. Seu trote é ouvido. O cavalo espera mais a sua anca. Tem pressa. Não sabe que vai morrer em menos de um minuto...”.
Por fim: “O jagunço divisa cavalo e cavaleiro. Aperta os olhos. Mira com mais esmero. Suas mãos estão ávidas para apertar o gatilho. É chegado o instante de à morte sair pelo cano em direção ao passante. Aperta o gatilho. Um tiro certeiro. O grito, o tombo. A morte. E o sangue vermelhando a estrada”.
Como avistado acima, assim os instantes que antecedem à morte perpetrada em tocaia. Assim a terrível ação do matador perante sua vítima. Morte covarde, de espreitada, sem tempo de revide, sem qualquer oportunidade de defesa.
E assim neste tipo de violência que tanto sangue já fez jorrar. Tocaia, emboscada, arapuca, armadilha, tudo quase a mesma coisa. Só que na tocaia e na emboscada há a caracterização maior dos crimes de mando nos tempos idos e também recentes.
A tocaia exige astúcia, ardil, coragem e preparo acima de tudo. Nenhum jagunço, pistoleiro ou matador, prepara uma tocaia se não tiver amplo conhecimento de seu vil proceder. Significa dizer que há também inteligência para matar.


Como se faz uma tocaia? Quase sempre da mesma forma, desde os tempos de antanho. O matador recebe a ordem para matar e daí em diante passa a executar todo o plano. Pensa no dia, no local, na hora mais apropriada, na ambientação para que o crime seja consumado sem qualquer surpresa.
Logicamente que a ordem recebida já chega com o nome ou a precisa indicação daquele que será tocaiado e morto. Geralmente um desafeto, um inimigo de sangue, um vizinho que dificulta a vida do outro, ou simplesmente alguém que, por um motivo ou outro, passa a ser marcado para morrer.
Com a ordem recebida, e esta sempre acompanhada de prazo de cumprimento, o matador escolhe a arma mais eficaz na empreitada e depois segue ao local onde a futura vítima será emboscada, surpreendida e sem chances de revidar. Não significa que seja no mesmo dia da ordem recebida, mas sempre nesse passo.
O local da tocaia deve ser sempre bem escolhido. O matador não pode ser avistado de jeito nenhum. Daí a escolha sempre recair detrás de um tronco grosso de árvore, nos escuros de mata fechada e rente à estrada ou em meio a tufo grande de mato.
Mesmo já se aproximando ou defronte ao local do disparo, ainda assim o cabra marcado para morrer sequer percebe qualquer estranheza. Tudo silencioso, quieto demais. Só não sabe que sequer ouvirá bem o estampido que logo sairá de mais adiante. Não há tempo de nada. Apenas o açoite, a dor, a morte.
Depois de caída, tantas vezes o matador se aproxima para se certificar do acerto, da morte certa. Mas ainda assim, para que não haja qualquer dúvida, aponta novamente a arma rente à cabeça e aperta o gatilho. E depois some no meio do mundo.
De vez em quando arranca uma orelha, um dedo ou mesmo a cabeça para levar perante o mandante. Assim a tocaia de sangue e sua terrível realidade pelos sertões de outrora e por todo lugar de agora. E logo os urubus vão rondando. Logo os urubus por todo lugar, e que continuam a rondar.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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