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sábado, 20 de janeiro de 2018

OS RASTEJADORES

Por Geraldo Maia do Nascimento

Eram homens simples do velho sertão nordestino, com habilidades de acompanhar a caça pelos seus vestígios. Perspicazes observadores, nada lhes escapavam ao olhar. Uma pequena pedra revirada, uma imperceptível depressão no solo ou um graveto partido, tudo eram indícios da passagem da caça. E quando o chão não lhes oferecia indícios, apelavam para os matos, observando os pontos de atrito dos ramos que, com a passagem de animais, mudavam o contato. Era uma técnica comum aos povos caçadores, ligada ao sentido de orientação. Muitos faziam disso profissão. Alguns se destacaram muito em suas regiões, passando para a história pela perícia com que desempenhavam suas funções. Em Serra Negra havia Antônio Coco que era contratado para rastejar cobras. 

Tinha também naquela região Guilherme do Trapiá, fazendeiro rijo, sempre de bom humor, que era um rastejador de primeira qualidade, pois nunca um animal lhe escapou. Quando saia no seu encalço, sondando as pegadas, olhando as marcas que os cascos deixavam no chão, não raro atravessando riachos de barreira a barreira, passando por cima de lajedos, cortando moitas de mofumbo[GM1]  ou quebrando espinhos de juazeiros, sempre trazia o bicho pela corda de volta a fazenda. Na chapada do Apodi tinha o negro João Jacó, famoso tangedor de gado de toda aquela ribeira, que tanto andava com boiada, como farejava pelo rasto os animais desaparecidos. Havia ainda Chico Pensão que foi o mais espiritado dos vaqueiros de toda região de Patu e Caraúbas.


Tinha também naquela região Guilherme do Trapiá, fazendeiro rijo, sempre de bom humor, que era um rastejador de primeira qualidade, pois nunca um animal lhe escapou. Quando saia no seu encalço, sondando as pegadas, olhando as marcas que os cascos deixavam no chão, não raro atravessando riachos de barreira a barreira, passando por cima de lajedos, cortando moitas de mofumbo[GM1]  ou quebrando espinhos de juazeiros, sempre trazia o bicho pela corda de volta a fazenda. Na chapada do Apodi tinha o negro João Jacó, famoso tangedor de gado de toda aquela ribeira, que tanto andava com boiada, como farejava pelo rasto os animais desaparecidos. Havia ainda Chico Pensão que foi o mais espiritado dos vaqueiros de toda região de Patu e Caraúbas. Na Serra de Martins, tinha Pedro Balisa e muitos outros, cujas famas ainda hoje são conhecidas. Caso havia, em que os serviços dos rastejadores eram aproveitados para a elucidação de crimes e de assaltos. A polícia, na perseguição de criminosos, sempre que podia, apelava para a experiência dos rastejadores. E os malfeitores, por conhecerem as habilidades dos rastejadores, tratavam de dificultar o máximo possível o trabalho daqueles profissionais, saltando de pedra em pedra pelos lajedos, escolhendo chão mais duro onde pisar, andando sobre trechos de cercas e até chegavam a utilizar alpercatas cujos saltos estavam pregados na frente, para dar ideia de caminharem em sentido contrário. Mas nada disso adiantava. Os rastejadores sempre encontravam a sua “caça”. Nas crônicas de Mossoró encontramos um relato do uso de rastejadores para solucionar um crime, contada pelo escritor Raimundo Nonato, no seu “Visões e Abusões Nordestinas”: “Joaquim Teodorico Barbosa foi autor da morte do Coronel Inácio Silva, fazendeiro, homem de grandes haveres. Viajavam juntos, vindos pela estrada do Açu. Quando a certa altura, Joaquim Teodorico Barbosa, que caminhava um pouco atrasado, gritou: “Corra meu padrinho, que aí vem os cangaceiros”. E atirou no fazendeiro pelas costas. Praticando o homicídio, roubou o dinheiro da vítima e foi apresentar-se na cidade de Mossoró contando o fato, daquela forma, e afirmando que fugira para não ser trucidado pelo bando. A conversa não convenceu a todos, apesar de bem arranjada. E tomando medidas, e procurando investigar o caso, por outros meios, “seu Rosado” (farmacêutico Jerônimo Rosado) mandou pessoa de sua confiança examinar o local e verificar os rastos que tinham ficado na estrada depois do atentado. O resultado não podia ser outro: o rastejador descobriu o fio da meada. Só havia no chão, pelas imediações, pisadas de dois animais: um que estacionara ali, por perto, e outro que saíra em disparada, em direção a cidade. Apertado pelas provas, Joaquim Teodorico Barbosa contou tudo. Foi levado ao Tribunal do Júri, e fez ele próprio a sua defesa, no dia do julgamento. Quem presidiu a sessão e lavrou a sentença condenatória foi o então Juiz de Direito da Comarca, Dr. Silvino Bezerra Neto. ” A literatura é vasta sobre esse assunto. Oswaldo Lamartine de Faria, em seu no livro “A Caça nos Sertões do Seridó”, narra muitos outros exemplos da perícia dos rastejadores. Luís da Câmara Cascudo relata, em uma das suas “Acta Diurna”, conta o caso de um fazendeiro que guardava as patas do seu antigo cavalo de campo e, um dia, para confundir seu velho vaqueiro e maior rastejador, mandou calçá-los no chão do roçado, e pediu ao compadre para identificar o animal que estava estragando a sua lavoura. O vaqueiro, depois de estudar cuidadosamente o rasto, lamentou-se junto ao patrão, da idade e caduquice que o fazia acreditar serem marcas feitas pelos cascos da alma do cavalo fulano...  [GM1]

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