*Rangel Alves da Costa
Outro dia, enfim a Tv Senado deixou um pouco de lado aqueles enfadonhos discursos senatoriais e aquelas pouco digestas entrevistas parlamentares, para mostrar um documentário deveras interessante: Feminino Cangaço. A película foi produzida pelo Centro de Estudos Euclydes da Cunha, com direção de Lucas Viana e Manoel Neto.
Baseado em imagens, filmes e entrevistas, o documentário procurou mostrar a presença feminina no cangaço e, por consequência, dialogar sobre o papel da mulher em meio àquela aridez de cansaço e luta, de correria e refrega, onde ao próprio homem extasiava em demasia.
A literatura cangaceira já se debruçou em profundidade acerca de tais aspectos, analisando perfis específicos de mulheres cangaceiras, bem como seus cotidianos naquela trágica guerra debaixo do sol. Livros que cuidaram das valentias, dos destemores, das traições, mas principalmente das motivações para que os pés macios da feminilidade enveredassem pelos caminhos de espinhos.
Contudo, há no documentário uma leva de depoimentos de pesquisadores e escritores (Antônio Amaury, Frederico Pernambucano, Luiz Ruben, Vera Ferreira, Germana, dentre outros) e testemunhos femininos daquela saga (Dadá e Sila, principalmente), que permitem a pormenorização de alguns aspectos bastante interessantes, ainda que já devidamente esmiuçados nos livros.
Segundo os depoimentos, foi o encantamento de Lampião por Maria Bonita que acabou permitindo a entrada de mulheres ao cangaço, antes um meio reservado apenas aos homens. Quando o líder cangaceiro deu a mão à bela Maria, então os demais cangaceiros passaram a se arvorar do direito de também ter suas companheiras.
Contrariamente ao que muito se difundiu, as mocinhas sertanejas nem sempre eram obrigadas a seguir a vida das caatingas quando escolhidas pelos cangaceiros. Algumas delas até sonhavam viver ao lado daqueles cabeludos e paramentados homens, numa atração geralmente motivada pelas roupas, pelos ouros, pelos anéis, pelas feições de artistas do meio do mundo.
Os cangaceiros atraíam de tal modo as jovens e mocinhas sertanejas que não raro seus pais tinham que fugir ante o anúncio da aproximação do bando. Era perigoso demais permanecer com sua bela flor mulher às vistas daqueles sedentos de tudo. Mais perigoso ainda se algum resolvesse levar a sertaneja consigo. Em casos tais, os familiares pouco podiam fazer.
No seu testemunho, a cangaceira Adília não mede palavras para ojerizar seu companheiro de cagaço. Demonstrando verdadeiro ódio a Canário, ela diz que nunca deu um sorriso ao seu companheiro, nunca beijou-lhe sequer a face, nunca se sentiu bem ao seu lado. Tudo motivado pela sua desmedida violência e os constantes maus-tratos cometidos. E diz mais que não derramou uma só lágrima quando ele foi assassinado.
Interessante quando os entrevistados passaram a relatar sobre a vida sexual no cangaço. Segundo afirmaram, os relacionamentos se davam nos tufos do mato, próximo aos demais, sem qualquer privacidade para uma entrega maior. Daí os encontros sexuais se darem quase vestidos, baixando apenas as roupas, na pressa exigida perante as situações.
Não podiam se afastar muito e também não podiam manter relações à vista de todos. Uma situação realmente difícil de ser resolvida em meio à caatinga e à aproximação das volantes. Além da pressa, o silêncio nas ações. Ainda assim a história cangaceira registra traições. E também morte pela traição.
Segundo afirmado nos depoimentos e testemunhos, a mulher cangaceira não participativa diretamente dos confrontos com as volantes. Carregavam pequenas armas e punhais, porém muito mais para proteção pessoal do que para atacar. Tais armas também eram utilizadas para informar onde estavam depois que o grupo ficava desapartado. Conhecendo o disparo, logo a cangaceirada seguia naquela direção.
Em situação de confronto, geralmente dois cangaceiros ficavam protegendo as mulheres enquanto os demais homens seguiam para o ataque. Logo se imagina as mulheres aflitas esperando o retorno de seus companheiros. Não o caso de Adília, que tanto fazia que Canário voltasse vivo ou não.
Não se evitava a gravidez, mas uma vez parida a mulher tinha que entregar seu filho para uma família fora do cangaço criar. Assim aconteceu com Maria Bonita, Sila e outras, que tiveram de deixar seus rebentos em mãos de pessoas conhecidas e que fossem compromissadas em criá-los com todo zelo. Mas nunca se arvorando do direito de filho. Os pais eram os cangaceiros.
Eis, assim, em apertada síntese, relances do amplamente mostrado no documentário Feminino Cangaço. Não uma visão feminina no cangaço, mas a compreensão de como se deu a participação feminina naquele mundo de vinditas debaixo do sol e da lua.
Escritor
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