*Rangel Alves da Costa
Panela vazia, dia após dia, ainda há um mundo assim...
Governantes gostam de enriquecer a pobreza forçadamente. Dizem que tiraram milhões da miséria e que não há mais panela vazia, barriga roncando faminta, aquela tristeza danada quando chega a hora do de comer e nada tem. E o mundo revira mesmo quando há menino, quando o filhote apenas espera qualquer alimento. O nada ter dói demais. Num pai e numa mãe, o choro do filho faminto é dor na carne mesmo, é punhalada no peito, é brasa quente nas vistas, por todo lugar.
Muitos ainda imaginam que as esmolas governamentais são suficientes para afastar a miséria da pobreza ou a pobreza da miséria, tudo no mesmo. Mas não. Não adianta colocar esmola numa mão e tirar na outra. Ou será que a esmola é suficiente para comprar remédio, para comprar o botijão de gás, para calçar e vestir, para a feira, para a vida com dignidade? Logicamente que não. Ajuda sim, pois todo pão ao faminto se torna em dádiva sagrada, mas a pobreza continua na mesma feiura de antigamente e de sempre.
Acreditem, mas a panela continua vazia, o prato continua guardado, o menininho cada vez mais magro, por todo lugar. Por todo lugar ainda há um pai em tempo de se acabar por não saber o que fazer para alimentar os seus. E todo dia assim. Por todo lugar há uma mãe escondendo lágrimas dentro dos próprios olhos, por não suportar mais olhar para o fogão sem nada, para a dispensa sem nada, para tudo sem nada. E bem ao lado, ou no cantinho na fraqueza do mundo, aquele pequenino que só quer um pedacinho de qualquer coisa. Meu Deus: como dizer a um filho que ele não vai comer?
Já imaginaram que situação. O menino chorando com fome e os pais sem ter, de forma alguma, o que fazer. Vai dizer à criança que não tem comida pra ela, vai dizer ao pequenino que ele tem de suportar a fome até a chegada de alimento, vai dizer a menininha que ela tome um pouco d’água que a fome vai passar? Que situação, meu Deus. Que situação mais terrivelmente lastimável, meu Deus. Mas fato é que isso acontece ali. Sim, acontece ali, bem ali mesmo, mais perto de você e de sua casa do que você imagina. Querem saber? Querem ter a certeza do que afirmo agora? Então vão, vão até ali, peça licença para entrar num barraco, num casebre, e perguntem se houve janta. Janta? Que nome mais estranho em muito lugar.
Que não se enganem, a pobreza pobre, a pobreza faminta, a pobreza feia e desdentada, a pobre miserável e repugnante, a pobreza ameaçadora e perigosa, a pobreza acintosa e humilhante, a pobreza vesga e troncha, a pobreza ossuda e descalça, a pobreza terrível, existe e bem ali. A pobreza não é feia, a pobreza não é repugnante, mas a sua condição é. Nada mais feio que o ser humano ser humilhado, se judiado, ser aviltado, ser submetido por sua condição econômica. Nada mais repugnante que olhar para uma pessoa carente e nela avistar não um ser humano que necessita de apoio, mas um eleitor ou um escravo que deve ser mantido amarrado na esmola política. Dói, minha gente, dói demais.
Acreditem no que vou dizer e citarei apenas um exemplo dos muitos e tantos que eu poderia citar em Poço Redondo. Olhem para o relógio ou avistem a escuridão. Já é noite. Para os que tiveram alguma coisa para colocar sobre a mesa, o sino do alimento já tocou. Mas bem ali, num mundo para muitos desconhecido e muito mais incompreendido chamado Bairro São José, o sino já tocou e continua tocando sem que nenhum tiquinho de nada pudesse chegar à mesa. Acreditem. Muitas famílias não têm sequer um pedaço de pão. Mas quase todas as famílias com filhos de todos os tamanhos. Então, o que aconteceu por lá quando o sino tocou?
Choros na alma, lágrimas por dentro, soluços velados, rios de dor escorrendo na face e nas entranhas de cada um. No Bairro São José há um povo que sofre, há um povo que necessita de pedaço de pão, há um povo que chora. Sabem quantos pais e quantas mães continuam, agora, chorando no Bairro São José? Batam à porta e vejam as lágrimas. Não estão nas faces, pois correndo por dentro, mas nas panelas vazias. E feito um mar de dor nos olhos dos pequeninos.
Escritor
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