Por Sálvio
Siqueira
As notícias de
um fato, criminoso ou não, ao propagar-se, sempre aparecem ‘arestas ou
rebarbas’ distorcendo sua veracidade. Infelizmente é próprio do ser humano
tentar chamar a atenção para se e, nesse pensamento vaidoso, não liga em
aumentar e/ou diminuir, a sua maneira, a narração que se dispõe a fazer.
Além desse
fato sobre os humanos, na época do cangaço a imprensa, tanto nordestina quanto
sudeste, flamava suas páginas com manchetes e reportagens sensacionalistas
sobre os ‘atos dos cangaceiros x volantes x população. Analisando
minuciosamente as notícias dos vespertinos sempre nos deparamos com esse tipo
de controvérsia. Imaginem que, depois de todo esse tempo, tempo hoje a
possibilidade de pesquisarmos todos em um local único, ainda passamos horas a fio
nessa pesquisa, no tempo em que ocorreram as ações. Sabiamente os editores
tinham a certeza que não teria como negar-se uma determinada matéria do
interior do país em pouco tempo. Onde ocorriam s fatos, talvez um ou dois
cidadão tivesse como receber os jornais, mesmo assim, com um atraso bastante
grande em relação à data do caso e/ ou da edição.
Citaremos um fato, pelos estudiosos bastante conhecido, que ocorreu na cidade de São José do Belmonte, ou simplesmente Belmonte, no interior sertanejo do Estado pernambucano: o assassinato do comerciante e político major Gonzaga.
O PRINCÍPIO
O saudoso
ex-volante nazareno João Gomes de Lira, em seu livro “Lampião – Memórias de um
soldado de Volante”, 1ª edição, pg 77, Recife, 1990, refere: “Em 1922, vindo do
Ceará, o tenente Montenegro, oficial da polícia daquele Estado, chegou à
fazenda Queimada Grande, fronteira do Ceará com Pernambuco. Na residência do
Sr. Crispim Pereira de Araújo (conhecido por Yoyô Marato), membro da família
Pereira, o tenente Peregrino Montenegro submeteu-o com toda a família, a
torturas num grande aperto, inclusive espancou todo mundo pertencente à
referida família. Na saída, o tenente Montenegro disse para Yoyô, que não se
queixasse dele e sim do Sr. Gonzaga, em Belmonte.”
Sérgio Augusto de Souza Dantas refere sobre o mesmo fato em seu livro “Lampião – Entre a Espada e a Lei” - 1ª edição, pg 32, Natal, 2008: “Gonzaga era inimigo de Sinhô pereira, em virtude de uma desavença daquele com Crispim Pereira de Araújo, o ‘Ioiô Maroto’, parente do ex-chefe de Lampião.”
“Para vingar a humilhação sofrida por Ioiô Maroto, nas mãos do tenente
Montenegro, que havia agido a mando de Luiz Gonzaga, junto suas forças às da
família Pereira.” (AA, pg 100, 2009)
Vejam que
nenhum dos escritores cita a causa da ‘visita’ do tenente cearense a residência
do Crispim. Um cita que o comandante da volante ao ir-se, citou o coronel
Gonzaga como responsável por tudo que ele ordenou ser feito a família agredido.
O escritor Sérgio Dantas ainda ressalva que Ioiô Maroto tinha uma desavença com
o coronel de Belmonte.
“Gonzaga há muito vinha atendendo às exigências dos cangaceiros, fornecendo-lhe dinheiro, tecidos e objetos, para ser deixado em paz, até que sobreveio o incidente que o levou a cair no desagrado dos bandoleiros. Estava ausente de casa quando chegou um mensageiro com uma relação de pedido a serem atendidos; sua esposa, indignada, negou-se a atender às solicitações, com um comentário final que irritou: “Que fossem trabalhar como meu marido sempre o fizera”. (MF, pg 171, 2012)
A narração
dessa autora sobre o ocorrido já nos diz alguns pormenores, sem, no entanto
referir a qual bando e chefe cangaceiro o coronel Gonzaga fazia ‘doações’
constantes. Porém, também não citou o princípio da questão tão quanto como o
coronel era visto na região. Ela frisa que o mesmo foi um doador monetário para
a construção da Igreja de Nazaré do Pico.
“Ioiô Maroto,
fazendeiro em Belmonte, Pernambuco, parente de Sinhô Pereira, havia tido um
problema com o coronel Luiz Gonzaga Gomes Ferraz (coronel Gonzaga), prefeito
(intendente) daquela cidade, ligado a família Carvalho, porque, apesar de serem
compadres e amigos, Ioiô votara contra sua chapa na eleição para prefeito.
Aborrecido com o fato, Luiz Gonzaga aproveitou o ensejo da passagem de uma força
policial do Estado do Ceará que tinha andado por Pernambuco à procura de
jagunços de Zé Inácio do Barro e fez um conchavo com o comandante, o tenente
Peregrino Montenegro, para que a volante fosse à fazenda São Cristóvão, de Ioiô
Maroto, e desse uma surra nele. Os soldados fizeram mais que isso: saquearam a
casa, maltrataram o fazendeiro e fizeram propostas obscenas às mulheres da
família. Ioiô, profundamente desgostoso, sentindo-se desmoralizado, deixou de
ir a cidade, não tirava a barba nem cortava o cabelo.” (LI, pg122, 2014).
Esse último
autor nos ‘mostra’ mais do que os outros citados. Apesar de que narrou um fato
fútil e meio desmantelado de um voto contra em uma eleição ter sido o estopim
da pendenga. Porém, já vem uma afirmação de que o próprio comerciante de
Belmonte solicita ao comandante da volante cearense um cacete no lombo de Ioiô
Maroto em sua própria casa, na fazenda São Cristóvão. Vinício Feitosa Neves em
seu livro “O Patriarca – Crispim Pereira de Araújo – “Ioiô Maroto””, 1ª edição,
Cajazeiras, 2016, obra literária inteiramente sobre a biografia de Ioiô Maroto,
na página 637, refere sobre o fato político: “Existe uma versão pouco aceitável
que os laços de amizade entre Ioiô Maroto e Gonzaga, tiveram uma ruptura
inicial por motivos ligados a desentendimentos políticos, incompatibilidade
partidária entre o riquíssimo comerciante e o próspero fazendeiro, essa
afirmativa não procede (...).”
O
pesquisador/historiador Rostand Medeiros referindo sobre a surra que Ioiô
Maroto levou, diz: “Segundo comenta a tradição oral da região, e que
conseguimos apurar em nossa visita a Belmonte em 2008, o mínimo que posso dizer
em relação à visita da volante cearense ao pobre do Ioiô Maroto foi que “o
cacete comeu”. Sobrou até para sua já vetusta mulher e suas filhas. Consta que
um policial negro, conhecido como “Uberaba”, teria praticado contra as mulheres
“toda sorte de misérias e imoralidades, entre a risadaria de todos, inclusive
do tenente que achava em tudo muito espirito”.
A expansão da
colonização nos sertões nordestinos, referindo nesse assunto o sertão do Pajeú
das Flores, foi a custo de suor, sangue e lágrimas. Patriarcas migram para
territórios selvagens e aos poucos tomam conta de tudo que ali criam, fazem ou
aparecem. Os povoados, vilas e pequenas cidades começam a surgirem, meio
desmanteladas, mas, começam a florescerem e tornarem habitado uma área até
então inóspita. Surge então, como em todo recanto do planeta a cobiça humana
por bens, status e poderes. Esse desejo faz com que famílias inteiras passem a
ter a vida de entes queridos ceifadas pela boca do bacamarte ou o gume cortador
de uma faca peixeira pajeuzeira.
Havia, nos
primeiros anos do sec. XX, vindo dos anos derradeiros do anterior, pendengas,
mortes e crimes de vingança entre os componentes de duas grandes famílias
residentes nas brenhas do estorricado sertão: Carvalhos e Pereiras. Não podemos
detalhar desde o princípio devido haver pormenores que se fazem necessário
serem citados e alongaria em demasia nossa matéria. Pegamos carona no tempo, já
nos idos de 1907, ano em que a vingança tinha se aliada a foice côncava da
morte e ceifado várias vidas das famílias Pereira e Carvalho. A briga era
infinda naquele tempo entre famílias, e uma das maiores que já se viu foi à
guerra particular entre Pereira e Carvalhos onde o sangue das vítimas das duas
famílias regaram o seco chão do sertão, torrão calcinado do sertanejo.
Em 1907 Padre
Pereira, Manuel Pereira da Silva Jacobina, sogro do Sr. Crispim Pereira de
Araújo alcunhado de Ioiô Maroto, e pai de Luiz Padre, Luiz Pereira da Silva
Jacobina, é assassinado, na Fazenda Poço da Cerca, cerca de 6km para as
Umburanas, por membros da família Carvalho. Em seguida, por vingança, são
assassinados Joaquim Nogueira e Eustáquio de Carvalho por um membro da família
Pereira, Manuel Pereira da Silva, conhecido na região pela alcunha de Né Dadú
ou Né Pereira. Né Dadú era irmão de Sebastião Pereira da Silva, que passa mais
tarde a ser conhecido pelo apelido de Sinhô Pereira, o famoso chefe cangaceiro
que foi chefe dos Ferreira e passou seu bando para chefia de Virgolino
Ferreira, o cangaceiro Lampião. “Após o assassinato do tio, Padre Pereira, ele
tomou pra si o intuito de realizar as vinganças contra a família Carvalho.
Nisso, formou um bando de cangaceiros que ocasionalmente atacavam as fazendas
Umburana, Piranhas e Várzea do Ú... Em 16 de outubro de 1916, na fazenda
Serrinha, município de Vila Bela, PE, Né Dadú foi assassinado enquanto dormia
por um membro do seu bando chamado Zé Grande” a mando da família adversária, tanto
que levou como prova do que havia feito o chapéu e o punhal da sua vítima para
pessoas da família Carvalho. A partir desse momento, seu irmão mais novo,
Sebastião Pereira da Silva, se junta ao primo Luiz Pereira da Silva, vão até a
fazenda Barros do Major José Inácio de Souza e contratam vários “cabras”, o
coronel Zé Inácio vivia disso: fornecer pistoleiros, jagunços e cangaceiros
para quem pagasse. Descem para o Leão do Norte causando danos e matando gente,
além de destruírem propriedades inteiras de seus inimigos. (Vila Bela, os
Pereiras e Outras Histórias, pag. 307, Luis Wilson).
“(...) Zé
Grande (natural de Palmeira dos Índios - AL), que segundo os Pereiras, era
ex-jagunço dos Carvalhos e havia fugido da cadeia para em sigilo incorpora-se
ao bando de Né Pereira com a intenção de assassina-lo traiçoeiramente (...).”
(Luiz Ferraz Filho).
Luiz Gonzaga
(Lopes) Gomes Ferraz era um forasteiro na cidade de Belmonte, PE. A história
conta que ele é natural da cidade de Floresta, PE. Ao casar-se com dona Martina
Carvalho, Gonzaga passa a fazer parte do clã dos Carvalhos automaticamente, já
que a senhora fazia parte da família. Ele chegou a Belmonte por volta de 1902.
Como o pai, era almocreve, depois resolveu partir para outro modo de comércio,
o qual deu certo. O pai com ele e outro irmão chamado João, haviam iniciado
suas vidas almocreveando ainda na pequena Vila de São Francisco. Lá pelos anos
vinte, 18 anos após radicalizar-se em Belmonte, Gonzaga é considerado um dos
cidadãos mais ricos e influentes daquela ribeira. Ele ascendeu tanto que o
próprio clã ao qual passou a fazer parte, já não o via com bons olhos. Pelo
simples motivo dele não seguir encabrestado por onde os familiares da sua
esposa seguiam, principalmente, referentes à situação político partidária.
Naquela época,
Gonzaga passa a fazer parte de uma terceira via de opção para os eleitores. Os
componentes das outras duas linhas partidárias, erradicados e a longos anos
comandando a região, não acharam boa coisa e isso abriu uma brecha de
‘desconforto’: “Sua ascensão política era prestigiada por uma terceira via, a
família Pessoa de Queiroz, que nutria amizades com ele e objetivava fazê-lo
prefeito da valente Belmonte, uma dissidência paralela aos dois clãs
mandatários, no caso específico Carvalhos e Pereiras”. Luiz, na época, andava
rodeado de gente que sabia trabalhar com a espingarda, era vaidoso e investia
para se destacar socialmente. “... Dispunha de muito prestígio e elevados
recursos financeiros, era vaidoso, gostava de proteção e gente armada ao seu
lado, não tardou em ajudar financeiramente a Polícia nas perseguições contra
Sinhô Pereira.” (VF. Pg 633. 2016)
A rede de
informantes de Sinhô Pereira o deixa ciente de que várias volantes que estavam
em seus calcanhares eram financiadas pelo grande comerciante de Belmonte.
Resolve então tentar dar um basta naquilo. Ele seria perseguido pelos homens
pagos pelo governo, pela polícia legal, porém, não aceitava ser perseguido por
‘contratados’ pagos por uma pessoa que nada tinha haver com suas questões. Envia
uma recomendação para que Gonzaga parasse de financiar seus perseguidores no
que não é atendido.
Tendo tentado
largar o cangaço junto com o primo Luiz Padre, pois já haviam feito aquilo para
que entraram, vingar a morte do irmão Né Pereira, Sinhô é obrigado a retornar
para seu rincão devido no Piauí ter sofrido vários ataques a bala. Seu primo,
que havia tomado caminho diferente, consegue seguir em frente e vai alojar-se
em terras goianas. Ao retornar, o caçula dos ‘Pereira’, junto com seu bando de
cangaceiros, recomeça a aterrorizar o sertão do Pajeú das Flores e a região de
Belmonte. Sebastião Pereira, depois de ser atacado no Estado do Piauí pela
volante do tenente Zeca Rubens, essa volante era composta por vinte homens
sendo três militares e o restante eram jagunços contratados. Diante desse
primeiro ataque, pois ocorreram outros, estando acompanhado com os cangaceiros
Gato, Coqueiro, Cacheado e Raimundo Morais, Sinhô Pereira sofre a baixa do
‘cabra’ Cacheado, com alvo determinado em seus inimigos, retorna varrendo tudo
que encontra pelo caminho pertencentes aos inimigos. Entre eles, os inimigos,
estava justamente o comerciante Luiz Gonzaga (Lopes) Gomes Ferraz de Belmonte.
Em maio de
1922, frente a um bom número de cangaceiros, Pereira procura variar os sinais
para que sua pista se torne dificultosa de ser seguida. Essa tática era
empregada para que o bando tivesse tempo de agir em determinado local matando
gente, gato, criações e botando fogo em casas, currais e roçados dos inimigos e
dar no pé. Naquela data o alvo do chefe cangaceiro da família Pereira era algo
diferente. Sabedor das tropas de burros que traziam as mercadorias de Luiz
Gonzaga de Rio Branco para Belmonte, Sebastião Pereira resolve começar a punir
seu ‘inimigo’ no bolso, armando uma emboscada, encurrala os animais e rende os
almocreves. As cangalhas vinham com diversas mercadorias para a loja do
comerciante em Belmonte. Elas são todas colocadas abaixo e, retirando parte
para seus homens, taca fogo no restante. Chamando um dos tropeiros, Sinhô
Pereira envia um recado para o dono da mercadoria: “Diga a Gonzaga que isto é
apenas uma advertência, se continuar a me perseguir sem razão irei pessoalmente
à Belmonte para acertar contas com ele”. (VF. Pg 635. 2016)
Depois de
destruir a mercadoria que vinha nos lombos da burrarada, Pereira se dirige
exatamente para a casa de seu primo Ioiô Maroto na fazenda São Cristóvão. Não
que suas visitas e estadias naquela casa fossem raros, pelo contrário, além de
amigo era primo do dono daquelas terras. Nada mais comum do que usar sua
guarida para matar a fome, a sede e o cansaço dos seus cangaceiros. Antes desse
ocorrido, Sinhô havia mando um portador a Belmonte procurar o coronel Gonzaga
com a incumbência de extorquir uma quantia em dinheiro. Acredita-se que esse
ato já tenha ocorrido outras vezes, porém, daquela vez, Gonzaga não está na
loja comercial “Rosa do Monte”, e sim sua esposa dona Martina Carvalho. A
senhora do comerciante não vendo o perigo que estavam passando não quis enviar
dinheiro algum e ainda por cima manda um recado para o maior e mais temido
chefe cangaceiro daquela época, Sinhô Pereira: “-Diga aos cangaceiros que vão
trabalhar assim como sempre fizera meu marido”. “(...) com o retorno do
portador de mãos abanando (e) com o recado pouco amigável de Dona Martina
Carvalho, Sinhô Pereira sentiu-se profundamente aborrecido, tendo em vista
(que) o desencontro ocorreu por meio de um subordinado com palavras pouco
aceitáveis naquelas circunstâncias.” (VF. Pg 635, 2016)
O coronel Luiz
Gonzaga era padrinho de um dos filhos de Ioiô Maroto, assim como Ioiô Maroto
era, também, padrinho de um dos filhos do coronel. Ou seja, eram amigos e
compadres duas vezes. Devido a essa ligação entre o coronel e o primo de
Sebastião, Ioiô Maroto é chamado e solicitado pelo compadre para que falasse
com o primo para que as coisas fossem acalmadas. Crispim vai até o comércio do
compadre e recebe a incumbência. Retornando a sua fazenda, dias depois recebe a
visita do primo e seu bando, transmitindo o recado. Naquela altura dos
acontecimentos e por falta de um pouco de bom senso, Sinhô Pereira não acata a
solicitação de ‘trégua’ e paz do coronel: “Ioiô me faça um favor, diga a
Gonzaga que a paz entre nós agora é tarde, diante as circunstâncias só
aceitarei paz com ele mediante pagamento de dois contos e quinhentos mil réis
para cobrir os prejuízos que ele já me deu com as perseguições injustas que
venho sofrendo.” (VF. Pg 636, 2016)
Alguns dias
depois, Ioiô retorna a Belmonte e transmite o recado do primo ao compadre. Em
vez de pensar numa outra saída, a desconfiança toma conta do coronel e ele
passa a acreditar piamente que, devido à quantia ser elevada, parte dela
ficaria com seu compadre. A partir daquele instante o coronel Gonzaga rompeu
com a amizade do compadre. O pobre fazendeiro que nada tinha com a questão, a
não ser ter servido de leva e trás de pedidos, nota a encrenca em que se
metera. As duas famílias agora eram o contrário do fora antes.
No caminho da
fazenda São Cristóvão para Belmonte havia uma cacimba onde os cavaleiros,
boiadeiros e tropeiros sempre que passavam, davam de beber aos animais. Pois
bem, dias após o ocorrido, Crispim necessitou fazer uma viagem a Belmonte. Ao
chegar à cacimba, desmonta e tira as rédeas da montaria para saciar sua sede.
Nesse momento, ao apear-se da montaria, chegava um pequeno rebanho de garrotes,
bezerros, que vinham beber água na cacimba e se assustam com o movimento do
cavaleiro se dispersando no mato. O tangerino do pequeno rebanho é um rapazola
conhecido de Ioiô Maroto, era um dos filhos do coronel Gonzaga. O fazendeiro
explica ao rapaz que assim que sua montaria beber e ele ir-se o gado retornaria
e beberia, pois só havia aquele local com água nas redondezas. Chegando a
cidade, logo cuidou em fazer o que tinha que fazer e depois foi até a casa do
compadre Gonzaga, afrouxou a cia da sela e retirou-a para se alojar na casa
como sempre fazia. O rapazola já havia chegado e tinha contado ao pai, a sua
maneira, o ocorrido na beira da cacimba com o gado. Os ânimos que já estavam
abalados, com a conversa do rapaz a coisa fica mais triste e Gonzaga não trata
bem seu compadre. Crispim Pereira, recoloca o forro no lombo da montaria,
coloca os arreios e toma o rumo da casa de um parente que morava na cidade.
A vida
continua na fazenda São Cristóvão e seu dono rotineiramente cuida da labuta
diária. Já em Belmonte, o coronel Gonzaga contrata mais gente armada para
dar-lhe proteção. Aqueles que viviam da espingarda sempre eram mal vistos pela
população, devido sempre estar armados até os dentes nas idas e voltas por
dentro da povoação. Crente de que o amigo e compadre havia feito uso de malícia
com ele quanto à quantia solicitada por Sinhô Pereira, Gonzaga começa a bater
com a língua nos dentes referindo sobre o assunto, a sua maneira, mesmo sem ter
nenhuma prova.
Os fuxico são o combustível para grandes intrigas, separações e mortes. E eles começaram a circular naquela pequena cidade do interior pernambucano. “A partir daqueles incidentes as coisas tomaram outros rumos, corriam boatos de todos os lados, algumas vezes comentava-se que foi presenciado Gonzaga falando mal de Ioiô Maroto. Por ser uma cidade pequena tudo que acontecia chegava ao conhecimento das partes, não existia mais cordialidade, o tempo tinha transformado amizade em rancor.” (VF. Pg638, 2016)
O caso da
surra que Ioiô Maroto levou e a desonra da sua família pelos volantes
comandados pelo tenente Peregrino Cavalcante Montenegro resulta no assassinato
do coronel Luiz Gonzaga comerciante em Belmonte. O tenente vinha das terras
paraibanas na pista de alguns jagunços do major José Inácio de Souza da fazenda
Barro, no cariri cearense, pelo motivo dos mesmos terem assassinado um irmão do
tenente. Chegando a Belmonte, fica sabendo de que na fazenda São Cristóvão
acoitava-se vários cangaceiros.
Naquele tempo,
quem dava guarida, forçada ou não, a qualquer cangaceiro era tido como
colaborador, podendo assim qualquer Força Pública punir como bem entendesse que
estava acobertada pela Lei. Segundo alguns autores, o coronel Gonzaga ver aí
uma saída para dar uma lição no, agora, desafeto Ioiô Maroto e, indicando a
localidade da fazenda, passa as coordenadas ao comandante da volante do Ceará
através de uma carta quando o manda chamar a Belmonte carta essa mostrada no
seguinte ao próprio Crispim Pereira. “Os filhos de Ioiô Maroto, e outras
pessoas da família que entrevistei afirmam categoricamente que houve a carta
nos moldes descritos, dando maior credibilidade a essa afirmação, tornando-se
inconteste. Neste ato insensato d Peregrino Montenegro estava plantado o
estopim de terrível chacina que abalou profundamente Belmonte.” (VF. Pg 643.
2016)
Segundo a
bibliografia de Crispim Pereira de Araújo, o Ioiô Maroto, o mesmo não chegou a
levar uma surra dos homens da volante, e si duas coronhadas na altura do tórax.
Porém, algumas pessoas do convívio diário e direto com ele levaram a pior: “No
final da tarde o famigerado tenente e sua horda chegaram ao local, a partir
daquele momento cometeram uma série de arbitrariedades, surraram brutalmente a
chicotadas alguns moradores, entre os quais Zé Manissoba (Zé Maniçoba) e
Totonho (Zé Preto), esse último criado por ioiô Maroto, mesmo sofrendo castigos
os dois foram obrigados a passar a noite assando milho, na friagem do inverno
para alimentar a horrenda e indisciplinada soldadesca, houve provocações e
insinuações dirigidas às mulheres da casa, Dona Antônia Pereira mãe do famoso
cangaceiro José Terto Cajueiro que também era moradora de Ioiô Maroto passou
por sério interrogatório. A família do feitor José maniçoba (Maniçoba) agregado
da fazenda Cristóvão foi surrada e brutalmente torturada, entre outros
desmandos praticados pelo comandante da volante e seus subordinado, numa
atitude insana. Esse fato ocorreu no final do inverno. Ioiô Maroto chegou a ser
ameaçado de morte, foi mutualmente provocado e injuriado pela soldadesca.
Dona Otacília
Neves de Araújo filha de Ioiô Maroto, possivelmente única testemunha ocular do
incidente que ainda vive (isso no tempo da entrevista) (...) narrou que no
momento da investida contra seu pai por parte do tenente Peregrino Montenegro
na casa do Cristóvão, a maioria dos filhos pequenos foi segregado em um quarto
da casa a mando de Dona Generosa esposa de Ioiô Maroto a fim de protegê-los dos
horrores daquela investida (...) Durante a sessão de torturas Peregrino de
Albuquerque Montenegro mediu as consequências e não chegou a bater em Ioiô
Maroto como fizera com outros fazendeiros, notícia muito divagada por
historiadores do cangaço. Ioiô Maroto por ser um homem de fibra anteviu e
disse: “-Se me bater um de nós dois vai morrer aqui mesmo!” Sabe-se que duas
coronhadas de rifle foram disferidas contra Ioiô Maroto na região do tórax
(...). Ao amanhecer do dia seguinte antes de retirar-se da fazenda São
Cristóvão, o tenente Peregrino Montenegro mostrou uma “carta” a Ioiô Maroto,
dizendo: “agradeça os ultrajes que sofreu ao seu amigo e compadre Luiz
Gonzaga”, que foi quem lhe propusera daquele serviço, exibiu uma carta anônima
pedindo que a polícia apertasse Ioiô Maroto, na carta podia ser observado o
talhe de letra de Gonzaga.” (VF, pgs 642 a 643, 2016)
Não sabemos
onde se encontra a verdadeira verdade sobre esse intricado caso. Podemos ficar
com tendências de crermos na historiografia no livro O Patriarca. Porém, ele
mesmo, o livro, nos deixa dúvidas quanto ao que realmente aconteceu para gerar
uma intriga tão profunda que resultou no assassinato do grande comerciante de
Belmonte naquele tempo.
F O N T E
Lampião – Memórias de um Soldado de Volante – LIRA, João Gomes de. 1ª Edição. Recife, 1990
O Canto do Acauã – FERRAZ, Marilourdes. 4ª Edição Revista e Atualizada. Recife, 2012
Lampião - Entre a Espada e a Lei – DANTAS, Sérgio Augusto de Souza. 1ª Edição. Natal, 2008
De Virgolino a Lampião – FERREIRA, Vera e AMAURY, Antônio. 2ª Edição Revisada. Aracajú, 2009
Lampião – A Raposa das Caatingas – IRMÃO, José Bezerra Lima. 2ª Edição. Salvador, 2014
O Patriarca – Crispim Pereira de Araújo (“Ioiô Maroto”) – NEVES, Venício Feitosa. 1ª Edição. Cajazeiras, 2016
Blog Tokdehistória.com
Blog Lampiãoaceso.com
Blog Cangaceiroscariri.com
Lampião – Memórias de um Soldado de Volante – LIRA, João Gomes de. 1ª Edição. Recife, 1990
O Canto do Acauã – FERRAZ, Marilourdes. 4ª Edição Revista e Atualizada. Recife, 2012
Lampião - Entre a Espada e a Lei – DANTAS, Sérgio Augusto de Souza. 1ª Edição. Natal, 2008
De Virgolino a Lampião – FERREIRA, Vera e AMAURY, Antônio. 2ª Edição Revisada. Aracajú, 2009
Lampião – A Raposa das Caatingas – IRMÃO, José Bezerra Lima. 2ª Edição. Salvador, 2014
O Patriarca – Crispim Pereira de Araújo (“Ioiô Maroto”) – NEVES, Venício Feitosa. 1ª Edição. Cajazeiras, 2016
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