Rangel Alves da Costa
Vixe, Maria, é problema demais! Arre égua, é desacerto de num acabar mais! Lascou tudo, do jeito que a coisa tá feia nem reza forte dá jeito! E assim os lamentos, os queixumes e as lamentações. Cada um com um problema a resolver, e algumas situações tão difíceis que muitos já não acreditam mais sequer em milagre.
Mas como diz o vendeirim ervas e pomadas de mercado, o folheto da mãe-de-santo, a propaganda da vidente e o boca-a-boca do falso milagreiro, há jeito pra tudo. Tem gente que só acredita em reza, em oração, em auxílio do alto, mas outros até se deixam levar pelas tentações milagreiras.
E tem gente com todo tipo de problema: espinhela caída, dor de veado, quebranto, mau olhado, coisa feita, enfeitiçamento, dívida impagável, má sorte no amor, traição, falta de apetite, apetite demais, bebedeira, sofrência, desgosto, quebradeira, reumatismo, inchaço das pernas, falta de apetite sexual, falta de vergonha na cara. E tem mais.
E tem mais: erisipela, junta doendo, dor nas costas, ciúmes, paixão doentia, solteirice, donzelice, dor de cabeça crônica, olho caído, síndrome de riqueza, fofoquice aguda, preguiça constante, bolso sempre vazio, desilusão amorosa, fogo de viuvez, boca porca, gravidez escondida, pulação de cerca, sibiteza.
E outros males tão conhecidos: puxa-saquismo, bajulice, baba-ovismo, dor de cotovelo, puxação de escada, falsidade, dupla personalidade, safadeza, entreguismo, mentira, arrogância, esnobismo, síndrome de maria-vai-com-as-outras, cinismo, babaquismo, pedantismo, síndrome da vitimização, valentia de poder.
E além logicamente daqueles males que afetam quase todo mundo: restrição de crédito, dívida de não acabar mais, nome sujo, conta negativa, cheque no vermelho, total pindaíba. Mas também aqueles que sofrem de síndrome de endeusamento, do riquismo, do tudo ter sem ter nada, da ostentação com dívida até o pescoço, do esbanjamento com tudo financiado e sem pagar.
Como visto, são males demais. Algumas coisas não são nem males, pois com aparência de disfunção pessoal, de desacerto comportamental ou falta de vergonha mesmo. Claro que muitas doenças existem e precisam ser curadas, e para tal existem os meios normais da medicina e da farmácia. Para outros, apenas uma consulta ao fundo de quintal pelas mãos de uma boa benzedeira. Outras coisas, porém, só no cacete mesmo.
Segundo o velho Janjão Catingueira, pra muita coisa só mesmo uma surra bem danada com um feixe de urtiga com cansanção. Não há remédio de mais efeito que uma surra bem dada em puxa-saco, em bajulador, em baba-ovo. E dizia ainda que tem gente que só se apruma quando o quarto é esquentado com uma boa vara de cipó verde. Cabra que não tem o que fazer e quer ser rico sem poder, brilhando com ouro falso, mas sem poder dormir de preocupação com o que deve, é um desses que merece uma boa sova. Tudo na lição do velho Catingueira.
Contudo, por outro lado a velha Fedegosa, rezadeira sem igual nas bandas do Quelemente, sempre diz que muita coisa pode ser reparado naqueles de mau olhado, de fraquejamento espiritual, de olho caído, de espinhela caída, de sofrimento sem motivo algum. Tudo fraqueza do corpo e da inveja do outro, assevera a velha. E afirma ainda que nada melhor que um benzimento do corpo com folha ou ramo de mato. Escolhendo a oração certa para cada caso, logo a murcheza da planta mostrará que o mal também esturricou, perdeu sua força, e vai ser jogado nas lonjuras do mundo.
Para outras coisas, males que são criados pela própria pessoa, como assuntos passionais, de desamores, de paixões não retribuídas, de chutes na bunda e até cornice, somente com Tição do Caboclo Sete-Estacas. Segundo dizem, no terreiro dele tanto o amor é trazido como levado embora, tanto o nó é apertado mais como é desfeito sem volta. Homem apaixonado e que quer mulher a todo custo, é só ir lá botar nota na mão do Tição. Mulher que quer homem casado, basta chegar com um maço de notas e um retrato, que o Caboclo faz ele deixar a esposa e a família e pular de vez a janela da também casada. E safada.
Ajuda sagrada, clamor ao divino, aos santos e anjos, pela cura dos males, somente para quem tem fé, para quem sabe o sentido da crença, da religiosidade, da força dos ensinamentos bíblicos. Estes, até que podem procurar uma benzedeira, um rezador, um médico, uma farmácia, mas primeiro pede ajuda aos céus na cura de seus males. Na fé, a cura, muitas vezes. Mas outros nem adiantam mil promessas nem milhões de velas acesa. Quando mal é moral, é mundano mesmo, só mesmo com uma boa surra de urtiga e cansanção.
Escritor
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