*Rangel Alves da Costa
Eu tenho um amigo monstro. Acreditem, pois monstro mesmo. Ele tem feição indefinida, às vezes aparece peludo, mais alto ou mais baixo, todo feio e desengonçado, coisa de espantar qualquer um que não fosse eu. Mas já estou acostumado com ele, tanto que se tornou meu amigo.
Tudo nasceu há muito tempo, durante a minha criancice e infância, quando diziam que se eu não dormisse o bicho-papão iria me pegar. Cantavam música falando do bicho-papão, a todo instante ameaçavam com a presença do tal bicho se eu deixasse de fazer isso ou aquilo.
Mas nunca tive medo daquele bicho-papão que tanto me lançavam como verdade. Muitas vezes, eu ficava acordado a noite inteira esperando sua aparição. E nada. Então fui criando um bicho-papão na minha imaginação. Com ele eu toda noite conversava, sorria e chorava, compartilhava minhas dúvidas da idade.
Fui crescendo e nunca mais me desapartei do bicho-papão. Eu sempre sentia a necessidade de sua presença, pois confiando nele muito mais que nas pessoas ao meu redor. E depois, já adulto, o bicho-papão foi se transformando noutro bicho, que achei por bem chamá-lo de monstro.
Então ainda hoje o monstro é meu cordial e sincero amigo. Entro no quarto, fecho a porta e logo o procuro. Ele me aconselha por que diz que me acompanha aonde eu vou e vê o que faço certo ou errado. Acho interessante essa preocupação, pois sei que muitos humanos e que se dizem amigos não estão nem aí. Mas com o monstro é diferente.
Outro dia, encontrei-o de olhos entristecidos, chorosos. Perguntei o que tinha acontecido e ele, cabisbaixo, respondeu: “Um dia já não estarei com você. E temo pelos outros monstros que estejam ao seu redor!”. Algo como um presságio, como uma despedida, mas a verdade é que no dia seguinte não o encontrei mais. Nunca mais retornou. Até que sonhei com ele me dando adeus e dizendo que tivesse muito cuidado.
Passei a ter mais cuidado sim, e por isso mesmo jamais o esquecerei. Sei que na vida existem muitos outros monstros. E monstros humanos de verdade. Mas ainda assim nem os detesto nem os temo. Aprendi com o meu amigo que nada deve ser acreditado apenas pela aparência ou pelo que dizem.
Meu amigo monstro era tão feio e desengonçado, tão amedrontador e temeroso, mas tão singelo e afetivo. Com ele aprendi que o monstro é aquilo que criamos em nossas mentes e aspirações. E que monstros realmente não existem na forma e no jeito que os demais apregoam, mas simplesmente na ideal de mal que tanto desejam que acreditemos.
Então criamos monstros e temos monstros por todo lugar. E a realidade não é bem assim. Existe outro lado que precisamos conhecer antes que espalhemos suas existências. Como num jardim não existem somente espinhos, bem assim na vida humana e seus labirintos.
Escritor
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