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quarta-feira, 20 de março de 2019

A PEDRA ESQUECIDA DO RIO IPANEMA

Clerisvaldo B. Chagas, 20 de março de 2019
Escritor Símbolo de Santana do Ipanema
Crônica: 2.076

Não é somente o saudosismo, mas parte da história da cidade que vai formando um todo nas narrações do mundo. E os segredos, pequenos episódios, as peculiaridades encantam a alma de poetas, artesãos... Escritores. O simples se agiganta aos olhos do escolhido que avalia a grandeza na pequenez das coisas. Desse modo revolve-se jardim adormecido, invisível, machucado, onde os soberbos não enxergam. Apenas os simples, mesmo dentro da grandeza, são os escolhidos para divulgação das coisas do Criador. E se Deus “enxerga a formiga preta, na pedra negra, na noite escura”, os seus artistas do povo, não enxergam a formiga, mas aprenderam a enxergar a pedra negra na noite preta. Só eles, só os convidados pelo mestre maior podem.
RIO  IPANEMA. (FOTO: B.  CHAGAS).

No trecho urbano de Santana do Ipanema, uma pedra em forma de cururu, marcava a intensidade das cheias do rio. À margem direita da corrente, a rocha denominada por nós de “pedra do sapo”, anunciava cheia grande quando ficava totalmente coberta pela água. A graduação distribuía-se com o líquido chegando perto, lambendo a base, subindo até a metade, perto do cocuruto ou distante da pedra. Claro que torcíamos pela cheia total que nos causava espanto, medo e êxtase. Ah... Nunca mais o rio Ipanema botou cheia de respeito. Mas a pedra do sapo saiu de cena duas vezes para ser apenas um marco esquecido, um monumento ao rio sem espectador. E se as grandes cheias são apenas lembranças, a pedra não encontra motivo para ser admirada.
Mas naquele cimo, entre três e quatro metros de altura, foi construído pequeno oratório com escadaria de concreto. Imaginação do “manganheiro” Zé Preto, promessa cristã baseada na fé. Não demorou muito o oratório a ser profanado e destruído pelos vândalos. E o homem que vendia “mangaio” (bugingangas) no chão das feiras, nada pode fazer em defesa do seu pequeno monte santo. O rio Ipanema com raiva não botou mais cheias. Finalmente, passando por ali com alguns companheiros, subimos a rocha, registramos a cena e tivemos trabalho para não tocar à pedra com lágrimas santanenses.
É duro vê...
Vê a pedra esquecida do rio Ipanema.


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