Por Luiz da Câmara Cascudo
Luiz da Câmara
Cascudo
“Aqui no
Nordeste brasileiro nós sabemos que o cangaceiro não é uma formação espontânea
do ambiente. Nem sobre ele influi a força decantadamente irresistível do fato
econômico. Nas épocas de seca a fauna terrível prolifera, mas nenhum componente
é criminoso primário. Os bandos têm sua gênese em reincidentes, trânsfugas ou
evadidos. Nunca a sugestão criminosa levou um sertanejo ao cangaço. É
cangaceiro o já criminoso. E criminoso de morte.
Depois de
tanta discussão explicativa fica-se sem saber de que elementos estranhos sai o
tipo hediondo, que outrora inda conservava o tradicional “panache” do heroísmo
pessoal, do respeito às mulheres e aos velhos e da solidariedade instintiva à
bravura. Nunca um cangaceiro digno desse nome matou um homem reconhecidamente
bravo. Quase sempre ficavam amigos ou mutuamente se distanciavam.
Mas qual seria
o fator psicológico na formação do cangaceiro? Para mim é a falta de Justiça,
que no Brasil é corolário político. A vindita pessoal assume as formas
sedutoras dum direito inalienável e sagrado. Impossível fazer crer a um
sertanejo que o tiro com que ele abateu o assassino de seu pai deve levá-lo à
cadeia e ao júri subsequente. Julga inicialmente um desrespeito a um movimento
instintivamente lógico e que a Lei só deveria amparar e defender. Daí em diante
surgirá o cangaceiro vítima de sua mentalidade. Ele descende em linha reta das
“vendettas” e da pena do Talião.
Arte de
Carybé...
Este é o
aspecto raro. O comum é o sertanejo matar o assassino que ficou impune e
bazofiador. Neste particular a ideia de prisão é para ele insuportável e
inadmissível. Surge, fatalmente, o cangaceiro. A desafronta constitui a
característica inicial do “bravi”. Numa alta proporção de oitenta por cento o
cangaceiro do Nordeste brasileiro apareceu num ato de vingança. E são estes justamente
os grandes nomes que o sertão celebra num indisfarçado orgulho que não dista da
possível imitação.
Adolfo Rosa
quis uma prima e o tio mandou prendê-lo num tronco. Dois dias depois o tio
estava morto e surgia Adolfo Velho Rosa Meia Noite, chefe de bando, invencível
e afoito. É uma das figuras mais representativas do velho cangaceiro típico,
generoso e cavalheiresco. Jesuíno Brilhante tornou-se cangaceiro defendendo os
irmãos contra a Família Limão. Baixo, loiro, afável, risonho, Jesuíno é uma lembrança
cada vez mais simpática para o sertão. E sua morte é guardada como a dum
guerreiro:
Jesuíno já
morreu
Acabou-se o
valentão.
Morreu no
campo da honra
Sem se
entregar à prisão.
Antônio
Silvino matou o que lhe matara o pai. Jesuíno, no ódio que tinha da Família
Limão, declarou guerra a todos os limoeiros que encontrava. Destruía-os
totalmente, mastigando os limões entre caretas vitoriosas. Antônio Silvino
“acabou a raça” dos assassinos do pai.
Jesuíno Brilhante
O horrendo Rio
Preto, hercúleo e feroz, não seria abatido se não fosse vingança doméstica. Os
Leites, ajudados por meu tio Antônio Justino, fizeram guerra de morte ao
moleque demoníaco. Se a Justiça chamasse Leite ou o negro Romão (escravo
alforriado por meu tio, e que matou Benedito, o herdeiro de Rio Preto) às
contas, estes se tornariam infalivelmente cangaceiros.
Não é fenômeno
peculiar à zona nordestina do Brasil. Em São Paulo há o caso do jovem Aníbal
Vieira. Quatro empregados duma fazenda violentaram lhe uma irmã. Aníbal não
“foi à Justiça”, que por retarda e tardonha desanima. Armou-se com seu pai e
matou dois dos violentadores. Os dois restantes fugiram para Mato Grosso.
Aníbal viajou para Mato Grosso e matou-os. Julgou-se de contas saldadas. Fora um
justiceiro. Mas a Justiça não entendeu desta forma. Mandou prender Aníbal. A
tropa de polícia que o perseguia encontrou-se com ele em Três Lagoas. Aníbal
fez frente à força militar. Feriu dois soldados e fugiu. Aí estará o movimento
inicial dum Dioguinho.”
Fonte: Diário
Nacional, São Paulo, 03 de junho de 1930.
http://cariricangaco.blogspot.com/2019/02/cangaceiro-vitima-da-justica-porluiz-da.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário