*Rangel Alves da Costa
As senhoras sertanejas possuem vida dura e de sacrifícios por todo lugar, desde a cidade aos afastados da estrada e adiante das porteiras e das cancelas, ou mesmo onde o olhar sequer imagina existir moradia. Há um singelo universo nestas mulheres, sempre carentes, humildes, na simplicidade da existência.
Não é fácil ser mulher sertaneja, e mais difícil ainda quando tem de superar as perdas e as carências para que a dignidade familiar continue existindo. O marido, quando tem, ganha pouco, está desempregado ou vive de costurar afazeres para o ganha-pão. E cabe à mulher se virar como pode para que seu barraco ou sua tosca moradia continue na feição de um lar.
Luxo, que luxo? O luxo maior é o da panela no fogo com alguma coisa como alimento no dia a dia. Luxo é ter cuscuz, ter tripa de porco, ter ovos, ter farofa, ter um pedaço de carne, ter um toucinho de porco para o mexido com ovos. Luxo é ter a casa limpa, é ter um jarro de flores de plástico sobre a velha mesa, é ter uma imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo pendurado na parede. Luxo é ter varal no quintal e pia de lavar roupa, é ter uma cadeira de estender na calçada e um diadema para enfeitar os cabelos.
Luxo é ter uma xícara de café e um pedaço de pão, é ter uma folha de mato no quintal para fazer um remédio certeiro. Luxo é poder fugir das preocupações materialistas, das dívidas desnecessárias, e poder deitar e sonhar até com a cabeça por cima da pedra dura. Luxo é ter a cabeça erguida na dignidade e jamais se envergonhar ao dar um bom dia ou um boa tarde. Luxo é não ter vergonha de ter o singelo nome de Maria, de Joana, de Sebastiana, de Leocádia, de Lurdes ou Sinésia.
Varrer a calçada e saber que a vizinha não lhe vem com fofocas, chegar numa venda e não lhe ser negada uma compra no caderninho, vestir roupa de pano florido de feira e ainda assim ser a mais bem vestida. Tudo isso é um luxo, é uma indescritível riqueza. Uma bonança alcançada naquilo que outra serventia não tem senão à própria existência, à dignidade da sobrevivência. E por isto uma luta sem fim.
Enquanto os casarios e as mansões prezam somente pela aparência, nas casas simples e nos casebres há o encantamento maior da nobreza no jeito de ser e viver. Verdade no que se diz: sou pobre, mas sou limpinha. E aquelas mulheres, de muito além da cidade, que não se envergonham nem se negam a colocar enxada e enxadecos no ombro, faca ou facão amarrado na cintura, cantil de água pouca atravessado no peito, e depois arribar para as labutas debaixo do sol em fornalha?
E aquelas mulheres que levantam ainda na madrugada escurecida para inventar a comida do dia, deixar tudo preparado, por que daí em diante vai ser de correria pela sobrevivência e nos afastados de casa? Conheço mulheres assim, conheço sertanejas vestidas de sol e de sonhos, de luta e de perseveranças. Conheço mulheres que saem de suas casas para a luta do dia no meio do mato, no roçado, junto ao bicho, em meio às pedras e carrascais catingueirentos.
Conheço mulheres assim, com lenço na cabeça, com roupa grande para proteção, como roló revestindo os pés, com calça costurada de espinhos e ramagens de mato seco. Conheço uma senhora do mato que é a dignidade em pessoa. Muitas, e muitas mulheres assim. A pele trigueira tingida de sol, as mãos endurecidas do cabo da enxada, os cabelos desgrenhados pela voracidade do tempo e pelo suor e calor. Senhora do mato que vai buscar lenha, que vai com cordame amarrar feixe de pau, que vai com vara futucar loca de pedra em busca de preá, que vai catar araçá e umbu, que vai dialogar com a natureza a sua necessidade de sobrevivência.
E depois de tudo, depois de retornar das labutas no mundo lá fora, e parecendo jamais se cansar, ter ainda o prazer de ligar o radinho de pilha para ouvir: “Tens a beleza da rosa, uma das flores mais formosas. Tu és a flor do meu lindo jardim e eu a quero só para mim. O teu suave perfume às vezes causa-me ciúme. Ao te beijar sinto no coração o pulsar da mais pura paixão. Porém, tenho medo que tua beleza de rosa se transforme num espinho. Quase morro só em pensar em perder teu carinho. Tenho medo que esta paixão seja uma ilusão sem fim, tenho medo que não sejas a flor do meu triste jardim”.
Não só ouvir como cantar, e um canto tão belo e reconfortante como som de chuva esperançosa de cair no seu mundo-sertão. E eu, sertanejo que também sou, digo-te apenas, senhora do mato: Beijo-te as mãos endurecidas da luta e sinto estar beijando pétalas da mais linda flor!
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário