*Rangel Alves da Costa
Dona Beatriz e Seu Bernardo. Família Soares e Caldeira numa contínua união difícil de imaginar nos tempos de agora.
Não sei a idade dos dois no momento, mas certamente já nas porteiras dos oitenta. Também não sei quantos anos de união, mas certamente já depois da cancela dos cinquenta.
Dois troncos, duas raízes brotadas de famílias das mais tradicionais e respeitadas de Poço Redondo e além-sertões, pois os Soares e os Caldeira são como da terra primeira que fecundou o lugar.
E que bom reencontrá-los assim ainda unidos e tão enamorados como nos tempos idos. E que exemplo de comunhão espelhada nas faces trigueiras, nos rostos de luta e de fé.
Seu Bernardo então me disse: “É aqui que eu me escondo”. Voltando o olhar para a singela e humilde moradia.
E acrescentou: “Na casinha de minha roça também é assim, desse mesmo jeito”. Estava se referindo ao grande número de imagens de santos espalhadas pelas paredes.
Desenhos, retratos, molduras, santos e mais santos, fitas, terços e rosários, como num céu sertanejo. Não só nas paredes mas por todo lugar.
Numa mesinha coberta em pano rendado, de brancura e limpeza, outras representações sagradas. Nosso Senhor Jesus Cristo, Nossa Senhora, Padre Cícero, Frei Damião...
A vela acesa, a luz chamejando e tremulando na imagem que diz: Estou aqui! Ali a exemplificação maior da fé e da religiosidade sertaneja, nordestina, poço-redondense.
Somente em fotografias eu já havia visto tamanha representatividade devocional. Retratos de vez em quando são avistados de paredes rústicas, no barro, tomadas de imagens de santos.
Mas meus passos foram até lá, até Dona Beatriz e Seu Bernardo, e meus olhos e meu coração testemunharam o significado maior da crença e da devoção de um povo.
E é na casa humilde do casal, no Conjunto Augusto Franco, logo após o centro de Poço Redondo, que a Semana Santa é vivenciada com rezas, orações, ladainhas e incelenças.
Todas as quartas e sextas, após as sete da noite, Reginaldo, filho do casal, comanda os cantos de fé. Senta-se ao lado da mesinha dos santos e começa a soltar o fôlego em belas e entristecidas melodias cristãs.
E na última semana da quaresma, nos dias maiores da religiosidade, os ofícios são diários, indo até após a meia-noite. De vez em quando um copo d’água, uma caneca de chá, um biscoito, mas nada mais forte que a força da própria fé.
Nada mais dizer, Dona Beatriz e Seu Bernardo, apenas rogar que Deus os proteja sempre, e que continuem na fé e na união, que permaneçam exemplificando o que de melhor ainda temos nos corações sertanejos: a crença e a devoção!
Escritor
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