Por Geraldo Maia
Peço permissão
ao confrade Elder Heronildes, Presidente da Academia Mossoroense de Letras,
para em seu nome saudar os demais membros da mesa. Confreiras e Confrades,
Autoridades presentes e representadas, Minhas Senhoras, Meus Senhores.
“Escreve, portanto, o que viste, o que é e o que deve acontecer depois.”
Apocalipse 1-19 Meus caros Irmãos, Disse Santo Ambrósio que “não
dever haver urgência maior que a de agradecer”. E é isso que faço agora.
Agradeço ao presidente desta Academia, Elder Heronildes, pela oportunidade de
discorrer sobre um tema de tão alta relevância para mim, numa noite de gala
para esta Academia, pois se trata da cerimônia de posse da sua nova diretoria.
Agradeço também pela presença de todos vocês, que abrilhantam esta noite.
Não nasci em Mossoró, mas tenho por essa terra um respeito e um carinho muito
grande. Quando aqui cheguei, há vinte anos, desejoso de conhecer a cidade onde
ia morar, comecei a pesquisar sua história, a verdadeira alma da cidade. O que
encontrei me fascinou. E seguindo a sentença bíblica, passei a escrever sobre
todos e sobre tudo o que diz respeito a Mossoró. Venho descrevendo-a em prosas
e versos. Devo alertar, no entanto, que na verdade sou apenas um
apaixonado pela História de Mossoró, sendo esse o motivo das minhas pesquisas.
Não tenho qualificação nem títulos que credenciem as minhas observações, mas o
que registro são baseados em fontes documentais. Não seria leviano para agir de
outra forma. Nesses anos de pesquisas, tenho encontrado algumas incorreções na
história local e embora sabendo que isso incomoda algumas pessoas, tenho
tentado resgatar a verdade, mesmo que esta não seja tão bonita quanto à
fantasia dada como oficial, mas claro, sempre baseado em vasta documentação. E
nenhum tema abordado gerou tanta polêmica quanto à data da Emancipação Política
de Mossoró. E como me envolvi nessa história?... Em 15 de março de 2003, numa
manhã de sábado, eu estava na livraria A.S. Livros, que na época funcionava em
Mossoró, lançando o meu livro “Fatos e Vultos de Mossoró – Acontecimentos e
Personalidades, quando recebi uma ligação de Marcos Bezerra, que era repórter
da Intertv Cabugi, dizendo que tinha lido uma matéria minha falando da
Emancipação Política de Mossoró naquele dia 15 de março, mas que estava nas ruas,
consultado às pessoas e que ninguém sabia desse acontecimento. E perguntou se
eu podia dá uma entrevista para esclarecer o caso. Eu falei pra ele que minha
fonte de pesquisa tinha sido o livro “Notas e documentos para a história de
Mossoró, de Luís da Câmara Cascudo, que era o livro oficial da história de
Mossoró”. Mas que todos os outros autores, que tratavam desse assunto,
aceitavam o 15 de março como sendo a data da Emancipação Política de Mossoró.
Que eu, naquele momento, estava em pleno lançamento do meu livro, mas logo que
acabasse eu podia sim falar sobre o assunto. Ele acabou se dirigindo para a
livraria onde fez a matéria sobre a Emancipação Política de Mossoró e também
sobre o lançamento do livro, o que me deixou muito lisonjeado. O programa foi
ao ar e alguns dias depois o Marcos Bezerra me ligou e novamente questionou
sobre a veracidade da data, pois uma jornalista aqui de Mossoró, que na época
era assessora da Prefeitura, tinha ligado pra ele pra dizer que ele tinha se
deixado levar por minha história, mas que a data correta era 9 de novembro. O
que eu respondi foi que bastava ele abrir qualquer livro de história de Mossoró
para confirmar o fato. E ficou por isso. No ano seguinte, em 9 de novembro de
2004, foi aprovada a Lei nº 2009, cujo projeto era do então Presidente da
Câmara Municipal, instituindo aquela data como ponto facultativo nas
repartições públicas municipais da cidade “por se tratar de data alusiva a
Emancipação Política da bravia Mossoró”. A partir desse ato a polêmica ganhou
força. E nos oito anos seguintes, em 9 de novembro, o tema era discutido em
matérias de jornais, rádio e televisão. E sempre que era convidado a me
manifestar sobre o assunto, eu explicava que a emancipação política de uma
região acontecia quando ela se desmembrada de outra e passava a ter os seus
próprios dirigentes. E que isso aqui em Mossoró tinha acontecido no dia 15 de
março de 1852, conforme consta nos livros de histórias, e que essa data está
estampada no Selo e na Bandeira do Município. Mas logo surgiram os adeptos de
outra corrente, que mesmo sem apresentar nenhuma outra fonte, “achavam” que a
data era 9 de novembro e que não se devia mexer na Lei para não comprometer
algumas pessoas. Ou seja, o tema tinha assumido ares políticos e algumas
tentativas surgidas de corrigir o erro não eram aprovadas pela Câmara e quando
a Câmara aprovava não tinha o respaldo do Executivo. Tive, em todo esse tempo,
o apoio de dois grandes pesquisadores: Raimundo Soares de Brito e Antônio
Nonato de Oliveira. No entanto, Raibrito, como era carinhosamente conhecido
pelos amigos, já com oitenta e cinco anos de idade e doente, não se encontrava
com força para participar do movimento. E Nonato, o nosso querido Nonatinho,
que chegou a publicar um trabalho com o título “Emancipação Política e
Predicamento de Cidade (Mossoró e Areia Branca)”, foi acometido de um AVC e
também não pode mais participar da discussão. Mas felizmente a lógica
predominou e em 2013, no dia 23 de maio, por coincidência dia do meu
aniversário natalício, era aprovada a Lei nº 3.028, de autoria do Vereador
Genivan Vale, corrigindo o erro e reconhecendo o 15 de março de 1952, como data
da criação do Município de Mossoró. Vamos aos fatos: A 26 de setembro de 1701 o
governador e capitão general de Pernambuco, dom Fernando Martins Mascerenhas de
Lancastro doava ao Convento de Nossa Senhora do Carmo de Recife/PE, terras que
nunca tinhas sido povoadas no rio Paneminha ou Upaneminha. Dava-se assim o
início da povoação na ribeira do Mossoró. E muitas outras foram doadas, de modo
que em determinado momento a ribeira já contava com mais de cinquenta
moradores, gados, residências, interesses, um juiz de vintena e seu escrivão.
Faltava apenas a autoridade executiva, policial, preventiva e repressora,
desinteressada e prestigiada pela propriedade, família e tradição local. Em 04
de outubro de 1755 o Capitão-mor do Rio Grande do Norte, Pedro de Albuquerque
Melo, nomeou José de Oliveira Leite para as funções de Sargento-mor da Ribeira
do Mossoró. Dentre as propriedades ali existentes, estava a Fazenda Santa
Luzia, que a partir de 1770 passou a pertencer ao Português Antônio de Souza
Machado. Em 1772 foi construída nessa Fazenda uma capelinha dedicada a Santa
Luzia, em pagamento de promessa feita por dona Rosa Fernandes, esposa de Souza
Machado. E ao redor dessa capelinha nasceu o arraial de Santa Luzia do Mossoró.
A partir de meados de 1838, os moradores da ribeira começaram a sonhar com a
criação da paróquia. Elevar a pequena capela ao predicamento de Matriz era o
desejo de todos. Não significaria apenas a autonomia religiosa, mas seria esse
o primeiro passo para a emancipação política. Foi grande a luta, mas finalmente
a Resolução nº 87, de 27 de outubro de 1842 criava a Freguesia, desmembrando-a
da Freguesia do Apodi, elevando à categoria de Matriz a capela de Santa Luzia
do Mossoró e incorporando-a ao Termo e Comarca do Assú. A resolução também
determinava os limites da nova Freguesia, limites esses que foram preservados
quando da criação do município. Trinta dias depois, a Lei nº 93, de 5 de
novembro de 1842 criava a Mesa de Rendas Provinciais na sede da nova unidade de
administração religiosa, o que demonstrava o valimento econômico da região que
Mossoró centralizava. Em 1852 Mossoró possuía uma população de cerca de 6.000
pessoas morando ao longo das margens do rio Mossoró e com dois centros: um em
Santa Luzia e o outro em São Sebastião. Já era tempo de pensar em emancipação
política. E assim aconteceu: No dia 15 de março de 1852 o povoado de
Santa Luzia do Mossoró passou a categoria de Vila, através do Decreto
Provincial de nº 246, sancionado pelo Dr. José Joaquim da Cunha, Presidente da
Província do Rio Grande do Norte. A medida estabeleceu a criação da Câmara,
desvinculando-se politicamente do Município do Assu, a quem pertencera até
então, formando um novo Município, sendo elevada a respectiva Povoação à
categoria de Vila de Mossoró. A ideia da criação do Município partiu dos
habitantes da ribeira do rio Mossoró. Entre os principais incentivadores,
destacavam-se o Vigário Antônio Joaquim e o Padre Antônio Freire de Carvalho,
que organizaram em Mossoró o núcleo Saquarema que era o Partido Conservador.
Foram eles os responsáveis pela organização de um abaixo assinado que seria
dirigido à Assembleia Provincial, pleiteando a criação da Vila e Município de
Mossoró e do Tribunal de Jurados. Esse abaixo assinado chegou a Assembleia
Estadual na sessão do dia 13 de janeiro de 1852, com 350 assinaturas. Como
justificativas para a pretensão alegavam: 1 – existência de mais de dois mil
fogos (na classificação tradicional, 3 pessoas por casa residencial); 2 –
população estimada em mais de seis mil almas; 3 – arruamentos bem organizados,
de boa perspectiva e não pequeno; 4 – um comércio “bastante opulento”; 5 –
terras ótimas para criação; 6 – praias que enviavam peixe seco para lugares em
derredor; e 7 – salinas assazmente abundantes que constituem um grande ramo de
comércio. Foi o bacharel Jerônimo Cabral Raposo da Câmara, Secretário da
Assembleia, quem leu o abaixo assinado. O projeto veio ao plenário na sessão de
8 de março de 1852, para a primeira discussão. Aprovado sem emendas. Na Segunda
sessão, com a mesma aprovação. E na terceira, realizado no dia 11, aprovado,
seguindo para a Comissão de Redação Final. O Presidente da Assembleia, o Bacharel
Otalino Cabral Raposo da Câmara, o Vice-Presidente, o 1º e 2º secretários
assinaram o projeto em sua redação final. O Presidente da Província fez a
sanção a 15 de março de 1852. Mossoró passava a ser o décimo nono município da
Província. Com essa Lei nº 246, nascia o Município de Mossoró. Criado o
Município, procedeu-se em Mossoró a eleição para Vereadores e Juiz de Paz.
Nelas figurava o Vigário Antônio Joaquim como representante do Partido
Conservador e o Capitão João Batista de Souza como representante do Partido
Liberal. Os Conservadores procederam à votação no interior da Igreja de Santa
Luzia enquanto os Liberais permaneceram numa casa da Rua Domingos da Costa.
Houve uma tentativa, por parte dos Liberais, de tomar o Livro de Atas. Por não
conseguirem, passaram a disparar armas de fogo para o lado da Capela, onde
permaneciam os Conservadores. A eleição foi vencida pelos Conservadores, que
era comandada pelo Vigário Antônio Joaquim e encabeçada pelo Padre Antônio
Freire de Carvalho. Este, como Presidente eleito, juramentou-se perante a
Câmara do Assu, tomando posse e no mesmo dia, 24 de janeiro de 1853, na Vila de
Mossoró, tomou juramento aos demais Vereadores, declarava instalada a nova
Câmara que ficou assim composta: Padre Antônio Freire de Carvalho, Presidente;
Tenente Coronel Miguel Archanjo Guilherme de Melo, Vereador; Capitão Francisco
de Medeiros Costa, Vereador; Capitão João Batista de Souza, Vereador;
Francisco Besoldo das Virgens, Vereador; Sebastião de Freitas Costa, Vereador.
Apesar da lamentável ocorrência quando da eleição, os Conservadores assumiram o
poder e num período de tranquilidade, fizeram um governo de paz, sem ódio e sem
vingança. Muito pouco pode ser feito pelo primeiro governante de Mossoró. Na
opinião do historiador Raimundo Soares de Brito, de saudosa memória, “arrumou a
casa. O resto deixou a cargo dos seus sucessores”. A Vila de Mossoró tinha na
pecuária, a sua principal fonte de renda. Isso era muito pouco, pois as
constantes secas castigavam e até dizimavam o rebanho constantemente.
Esse foi o motivo da sede administrativa do Município não ter sido elevada, a
princípio, a condição de cidade. Aí vem a pergunta que todos querem fazer: mas
se era assim, porque houve o desmembramento? Segundo Câmara Cascudo “a razão da
vitória do projeto elevando Santa Luzia à Vila e fazendo surgir o novo
município norte-rio-grandense deve ser procurado no plano político e não
econômico. Foi um ato do Partido Conservador contra a região sabiamente
pertencente ao Partido Liberal. Os eleitores, indo para Assú ou Apodi, iam
votar no candidato “luzias”, como outrora eram fiéis ao Partido Sulista, nome
do Liberal velho. Não havia em Santa Luzia do Mossoró eleitores do Partido
Conservador e sim simpatizantes sem pronunciamento por falta de chefia coordenadora.
Mossoró município havia de constituir base de força conservadora.” Com o passar
dos anos, o perfil econômico da vila começou a mudar, vindo a se tornar um
centro comercial, ou como se dizia na época, um “Empório Comercial”. E o marco
para essa mudança do perfil econômico foi à chegada dos navios da Companhia
Pernambucana de Navegação Costeira ao porto de Mossoró em 1857, através de uma
subvenção concedida pelo governo provincial. Com essa medida, o município se
tornou o centro de comercialização de uma área que atinge, além dos municípios
vizinhos, uma parte do Ceará e também da Paraíba. A chegada dos navios
fez com que comerciantes de outras praças, principalmente de Aracati/CE,
viessem a se estabelecer aqui, atraídos pelas oportunidades comerciais que
Mossoró passava a oferecer. E foi esse atrativo que fez com que em 16 de
novembro de 1868, o industrial suíço Johan Ulrich Graff se estabelecesse em
Mossoró com a famosa “Casa Graff”, alavancando o seu desenvolvimento econômico
com ideias mercantilistas, associadas ao capital aqui investido. E foi
dessa forma, como centro comercial de referência, que em 9 de novembro de 1870,
a Vila de Mossoró passava a categoria de Cidade, através da Lei Provincial nº
260, de autoria do vigário Antônio Joaquim Rodrigues, que era Deputado
Provincial, com assento pela sexta vez na Assembleia. Essa Lei tinha um único
parágrafo que dizia: “Fica elevada ao predicamento de cidade a então vila de
Mossoró”. E nada mais. A aprovação da Lei encheu de júbilo o peito do
velho vigário. Quando retornou de Natal, comunicou aos seus amigos e
correligionários a alvissareira notícia com as seguintes palavras: “Fiz disto
uma cidade”! Portanto, senhoras e senhores, foi isso que aconteceu em 9 de
novembro de 1870. Como vimos, desde 24 de janeiro de 1853, quando foi instalada
a Câmara Municipal de Mossoró, passamos a ter os nossos próprios governantes.
Em 1870 Mossoró era administrada por Luiz Manuel Filgueira, Tenente-Coronel da
Guarda Nacional, que foi escolhido para dirigir os destinos administrativos do
município durante o triênio 1869 a 1872, cumprindo o seu papel sem nenhuma
interferência. Essa Lei de 9 de novembro passou praticamente despercebida pela
maioria da população, já que não causou nenhuma mudança administrativa. Finda
essa explicação, gostaria de encerrar as minhas palavras com um texto publicado
por Câmara Cascudo intitulado “O tonel das Danaides”.
Segundo ele, “As Danaides eram cinquenta filhas de Danao, rei de Argos. Seu
irmão, Egito, tinha cinquenta filhos. Mandou a filharada masculina casar com as
primas. Danao não queria o casamento. Combinou com as filhas um plano.
Os cinquenta recém-casados tiveram a mais estranha
noite de núpcias de que há notícias no mundo. Foram
todos assassinados pelas esposas. Só escapou um, Linceu, poupado por sua mulher
Hipernestra. Júpiter condenou as Danaides às
penas do Tártaro, que era o Inferno daquele tempo. As
Danaides enchiam um tonel sem fundo. Séculos e séculos, sem pausa, sem
descanso, interrupção, as moças carregavam água, despejando-a no barril furado.
Teodoro de Banville contou o fim dessas Danaides, na
Lanterna mágica. Os Titãs venceram os Deuses. O
Tártaro ficou sem chefe, despovoado de sofredores, todos perdoados.
Astepério anuncia a terminação da sentença:
- Acabou vosso suplício. Largai essa penitência. O
tonel está cheio. As Danaides pararam, pela primeira
vez, há milênios. Enxugaram a fronte, descendo as bilhas infatigáveis. E dizem
confusas e desapontadas : - Está cheio o tonel? Pois
bem! Que havemos de fazer? Já estamos habituadas com o trabalho contínuo, mesmo
inútil. Não perguntem, pois amigos, confrades e
convidados, por que escrevo sempre, com ou sem leitores, com ou sem compreensão,
estímulo ou tolerância. Deixem-me com o meu barril sem
fundos. A tarefa finda significaria o repouso incômodo, a displicência, a
preguiça mortal. Por isso, mesmo sem ter ofendido
Apolo, encho, obstinado e tranquilo, a talha imperfeita, escondido num recanto
da minha cidade. Quando não mais ouvirem o rumor da
água agitada, não se dirá que Júpiter sucumbiu. “Será
que, para sempre, desfaleceu na morte, o braço humilde do trabalhador...”
Muito obrigado!
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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