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sexta-feira, 19 de julho de 2019

A VOLANTE DE BALTAZAR

Por Robério Santos

São raros os livros que se atrevem a escrever inteiramente à visão dos Volantes. Luitgar de Oliveira Cavalcanti Barros deu seu ponto de vista histórico no raro “A Derradeira Gesta: Lampião e Nazarenos Guerreando no Sertão”; João Bezerra narrou em primeira pessoa no seu “Como Dei Cabo de Lampião” uma narrativa intimista dos acontecimentos que precederam a morte de Virgulino, o durante e o depois. Marilourdes Ferraz nos mostra as memórias do Coronel Manoel Flor no sensacional “Canto do Acauã” e André Carneiro de Albuquerque faz seu cerco às tropas volantes pernambucanas no “Capitães do fim do Mundo”. Estes são os livros que tenho em minha humilde coleção, não que eu não quisesse mais saber da vida dura dos perseguidores de cangaceiros, fossem eles contratados ou efetivos da polícia, mas vejo uma grande falta de conteúdo do gênero, dada a magnitude do tema e a quantidade exacerbada de livros unicamente sobre cangaceiros. 

O nome “Volante” vem do arcaísmo “volar” que na língua galega remete a “voar” ou “sair do lugar em busca de algo” e era esse o perfil deste personagem intrigante onde tão poucos guardaram seus nomes na história, estes que ao lado dos padres, rastejadores, civis, coiteiros, cangaceiros e coronéis (estes que nem sempre eram coiteiros) merecem uma atenção maior nas pesquisas. O termo “macaco” era um xingamento depreciativo para definir de forma pejorativa e racista, uma associação a “bicho da cara feia como um macaco”, às vezes utilizada nos dias atuais, levando muita gente até os estrados judiciais por injúria racial. Chamar alguém de "macaco", em virtude de sua cor, na verdade configura o crime de injúria racial (injúria qualificada), prevista no §3º do art. 140 do Código penal, e não racismo. 

Nomes como Odilon Flor, Zé de Rufina e João Bezerra ficaram encravados nos livros de história como “matadores de cangaceiros” e “cortadores de cabeças”, mas muitas vezes esquecemos dos leais soldados que marchavam meses e meses com fome e sede, atiravam da mesma forma e sequer são citados. Este exército anônimo muitas vezes tinha uma importância bem maior que seus líderes, mas mesmo assim a história sempre valorizou o vencedor, o que sai na foto, o que a mídia impõe como o superior, muitas vezes dando a impressão que ele agiu sozinho. Quantas vezes ouvimos frases como “Corisco foi morto por Zé Rufino” e “Lampião foi morto por João Bezerra” e sabemos que, sozinhos, nada poderia ter sido feito. 

Em Sergipe, mesmo sendo o menor estado da nação, eu me inclino a dizer que foi o estado mais recheado de fatos interessantes sobre o cangaço. De castrações absurdas como o caso do Pedro Batatinha em Dores à Lampião sendo enganado pelo povo de Frei Paulo que simulou um velório na igreja, fazendo Lampião desistir da entrada; ou do bando ter andado de carro, telefonado e até mesmo ido ao cinema, até sua morte em 1938. 

Neste mesmo estado, o povo ainda em 1928, dez anos antes de sua morte, começava a viver dias de terror, com a possível entrada do Rei Vesgo em nosso pequeno espaço de terra, mas que poucos sabiam que aqui Lampião tinha um grande amigo que já o conhecia desde terras alagoanas, era Antônio Caixeiro, pai do médico Eronides de Carvalho, este que anos depois passaria a ser Governador de Sergipe e as coisas iriam melhorar para os cangaceiros. 

Dia 1o de março de 1929, Lampião, Volta Seca, Luís Pedro, Virgínio, Ezequiel, Mariano, Corisco e Arvoredo (todos montados a cavalo) entram no pequeno estado pelo município de Carira e atravessam até 27 de novembro quase todo estado, indo fazer uma visita a Eronides em sua fazenda Jaramataia, à norte, perto da cidade de Gararu. Alguns meses antes, dia 20 e 21 de março do mesmo ano, o bando atravessa Maniçoba (atual Nossa Senhora Aparecida) e entra em Saco do Ribeiro (atual Ribeirópolis) ambos povoados de Itabaiana-SE na época. Durante esta passagem, alguns membros do bando tiveram ciência da presença de um comerciante no povoado chamado Cruz do Cavalcante, algumas léguas do Saco do Ribeiro, a Noroeste de onde estavam e no ano de 1930, para ser mais exato, início deste ano, Corisco, Mariano e mais três cangaceiros invadem à noite a casa de meu tio tetravô, José Felipe dos Santos, irmão de meu tetravô Antônio Felipe dos Santos, filhos de Chico Ceará, chegados em 1877 desde o distrito de Cuncas, no Ceará, fugindo da seca. 



Zezé morava um pouco afastado do perímetro urbano de Cruz do Cavalcante, onde estava sendo instalado um vapor para descaroçar algodão. O velho Zezé foi aprisionado, roubado e levado com o grupo pelas estradas desconhecidas. Outro rapaz, de prenome Meliano, já vinha preso com o grupo. Os estranhos seres que mais pareciam vindos de outro mundo, à visão popular, exigia pagamento para a libertação de ambos, ou era isso ou a morte deles. A população do vilarejo os viu passar caminhando com armas apontadas para suas cabeças. Efetuaram pequeno saque e partiram para o desconhecido. Maria das Graças Barreto, esposa de Zezé, agoniada despachou o jovem José Mesquita até o Saco do Ribeiro para levantar a quantia. O grupo foi alcançado nas proximidades do Alagadiço, devidamente pago e libertado. Por pedido desesperado de Zezé, o jovem que estava preso também foi libertado. 

Passado o susto, Zezé foi até a sede do município, Itabaiana, ter uma conversa com o chefe de polícia, Othoniel Dórea, o famoso “Dorinha”, este mesmo que recebera um ano antes, ligação de Lampião desde o Saco do Ribeiro. Foi enfim pedido um contingente policial para proteção local. Conseguindo isto e passando três meses no povoado, retornaram para Itabaiana, levando a população temer novo ataque de cangaceiros. Com isso, temendo nova represália de Corisco, se mudara em definitivo para o Saco do Ribeiro, povoado este que se separaria de Itabaiana pouco tempo depois, virando enfim cidade no ano de 1933. 

Em 1934 o cangaceiro Zé Baiano se instala na Região de Alagadiço, perto de Cruz do Cavalcante, voltando a aterrorizar as populações de São Paulo (Frei Paulo), Itabaiana, Ribeirópolis, Maniçoba e Pinhão. 

O ano decisivo para a criação da volante de Baltazar e seu irmão Perciliano foi 1935. Como estava acontecendo em várias partes do estado, forças paramilitares de contratados foram sendo criadas para o combate do cangaceirismo, deixando Lampião acuado e outros subgrupos passaram a agir menos em nosso Estado. 

Logo após a morte de Zé Baiano, seu primo Zé Sereno começou a fazer incursões pelo estado, principalmente pelo agreste e boca do sertão. Numa dessas passagens na proximidade de Ribeirópolis, o grupo tático de Baltazar foi acionado e se dirigiram para lugar chamado Lagoa da Mata, mais a norte do município. Alega-se que haviam mais de vinte cangaceiros, inclusive Sila, que em seu livro autobiográfico “Sila, memórias de Guerra e Paz (1995)” comenta:

“Quando nos aproximamos da casa por um lado e íamos chegando ao terreiro do outro lado, estava cheio de macacos. Eram os macacos de Baltazar. Começou então o tiroteio”.

Seguiram os cangaceiros mata adentro e foram parar em Nossa Senhora das Dores, nas redondezas, onde cercando uma casa num lugarejo de nome Salobro, mataram o negro cangaceiro de alcunha Zumbi, onde cortaram a cabeça e expuseram em várias cidades. Era um prêmio conquistado e a volante ganhara fama sutil após este episódio. 

Na data de 23 de junho de 1937, Baltazar e seu grupo entraria em definitivo para a história ao se agrupar à famosa volante dos nazarenos, comandada por Odilon Flor em busca do bando do cangaceiro Mané Moreno, que estava agindo no Sertão sergipano. As duas volantes se encontraram em Monte Alegre e Cansanção, rastejador de Baltazar, foi o responsável por levantar as pistas deixado pelo bando. Pergunta ali e aqui, perceberam que o grupo seguia para nordeste do ponto onde estavam, iam em direção ao Rio São Francisco. Odilon percebe Cansanção parado olhando uma clareira e rapidamente dá um passo á frente, saca o revólver, olha nos olhos do jovem rastejador e diz:

- Tá cum medo?

- Não, saugento.

- Intonce, pru que ta aí parado... feito istauta?

- Daqui pru diante num vai. 

- Num vai o que, macho frouxo? Odilon foi avançando.

Baltazar vendo a discussão, se intromete e pergunta ao rastejador.
-Tem o quê?

- O rastro si acabô, parece qui eles subiro num carro di boi a gente segue o rastro do carro. 

- Eu acho que o carro já tava isperano, aqui fizero a curva.

Caminharam até noitinha a uma região chamada Poço da Volta, atual Palestina na cidade Gararu-SE e chegaram até o fim do rastro das rodas de madeira, numa casa onde tinha um homem com um pequeno acordeão tocando. Odilon avança com toda fúria para cima do homem.

- O que é que há? Diga logo, se não tu morre!

O homem estremecido de medo, aponta uma casa adiante onde saía um som de um baile, os cangaceiros estavam se divertindo e bebendo. Odilon se une a Baltazar, separa o grupo e faz o cerco. Não se demorou e Mané Moreno recebe tiro e cai junto à sua esposa Áurea (esta que estava grávida) e também desaba morto o cangaceiro Cravo Roxo. Gorgulho, mesmo ferido, escapa do tiroteio. Um pandemônio. Baltazar entra na casa primeiro, pega um candeeiro, vê sangue para todo lado, seis moradores escondidos em um quarto e os três corpos já imóveis. Odilon chega em seguida, toma o candeeiro de Baltazar, se aproxima dos mortos e diz.

- É Mané Morenu, primo de Zé Baiano, mais um qui vai pru quinto dus inferno. Cortem as cabeças, vamos leva pra tirá retrato e mostra pru povo qui num se dá abrigo a bandido.

E assim foi feito, diversas fotografias se espalharam pelo sertão daquelas três cabeças sinistras que eram comercializadas nas feiras livres, elevando cada vez mais a fama de Baltazar e Odilon Flor. 

Ainda no segundo semestre deste mesmo ano de 37, o governador pelo PST, Eronides de Carvalho envia um comunicado a Baltazar para um debate particular sobre as ações das volantes no interior do estado. Sabendo previamente das relações diplomáticas dos Carvalhos com Lampião, era de se esperar a dissolução da Volante, pois suas ações estavam chamando muita atenção, até mesmo do próprio Virgulino. Eronides, ao receber o amigo diz logo.

- Então, Ceará, como vão as coisas no sertão? 

- Vão bem, Dr.

- Tô informado que lá perto de seu município tem um vaqueiro de nome Dorinha, vaqueiro de Antônio Franco que vem dando coito a Lampião, quero que o prenda. Estamos conversados?

- Sim sinhô, vô cumpri as orde.

Baltazar percebeu que nada se relacionava a cangaço, mas intrigas políticas entre os Francos e os Carvalhos, mas mesmo assim foi à busca do vaqueiro, mas também subiu até Borda da Mata e prendeu todos os vaqueiros do pai de Eronides, estes sim tinham ligação clara com Lampião. O ato aborreceu o governador, levando Baltazar a libertar os presos, contradizendo novamente a autoridade máxima sergipana. Nada podia fazer a não ser voltar à Ribeirópolis e esperar a notícia trágica que viria em poucos dias. Após receber o telegrama das mãos de seu irmão Fenelon, chamou todos os seus cabras, também seu irmão e se dirigiram com todo armamento e munição até o povoado Lagoa da Mata e, ao lado da igreja, dispararam todos os tiros possíveis, gastando a munição.

- Meus amigos, vamos gastar as balas antes que vão parar nas mãos dos cangaceiros através de Antônio Teixeira, Fonsequinha e Etelvino Mendonça, o Governador não quer mais a gente sangrando esses miseráveis aqui nas terras dele.

O escrivão Jardim de Brito providenciou o recolhimento das armas, após tumulto gerado pelos tiros de desagrado no povoado no dia anterior. O agreste estava com medo, os cangaceiros voltariam a agir por conta deste ato dos poderosos. Baltazar Francisco dos Santos, nascido em 9 de julho de 1914 e falecido a 9 de julho de 1999, estava incomodando muitos políticos e cangaceiros. 

Após a morte de Lampião, Baltazar e seu irmão entram definitivamente para a política e lá ficam até o final de suas vidas, revertendo à máxima “se não pode com eles, junte-se a eles” e assim foi um pouco a saga deste personagem pouco conhecido na história do cangaço, que quem sabe, mereça um livro futuramente.

Do acervo do Fabio Costa


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