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sexta-feira, 4 de outubro de 2019

NENÉM, UMA RECORDAÇÃO

*Rangel Alves da Costa

Eu ainda era meninote quando avistei Neném pela primeira vez. Avistei e achei estranho, pois uma moça pequenina e com aspecto já de mais idade do que realmente tinha, com rugas pela face e voz um tanto grossa e arrastada. Havia nascido assim, com problema genético que lhe fazia parecer já envelhecida ainda jovem. Como ela não saia muito, sempre recolhida em algum canto da casa, então resolvi me aproximar um pouco mais, conhecê-la melhor. E desde então firmei uma amizade que se mostrou duradoura até sua despedida terrena.
Neném nasceu em prole distinta na cidade sergipana e sertaneja de Poço Redondo. Sua mãe Clotilde vinda da raiz dos Feitosa, uma das famílias fundadoras da povoação. Igualmente seu pai, do tronco dos Lucas, originária do Poço de Cima, primeiro arruado que deu origem à atual cidade. Contudo, casal humilde, sobrevivendo dos esforços cotidianos, num tempo onde os sertões eram somente da planta, do bicho e da terra. Quando seu esposo faleceu ainda moço, então Clotilde tomou as rédeas da família e criou sua prole no sacrifício e na luta.
Tempos após, Dona Clotilde deixou a residência na região central da cidade e se mudou para uma casinha um pouco mais distante, num canto de rua. Pela sua condição física e de saúde, Neném seguiu a mãe como uma criança que de um braço não pode desapartar. Assim, sempre sentadinha na sala da frente, num sofá rente à janela lateral, acompanhava a maestria de sua genitora na renda de bilros. Sim, Dona Clotilde até hoje (embora não se entregue mias ao ofício) é conhecida como uma das maiores rendeiras do sertão sergipano. Foi com a renda que, muitas vezes, conseguiu fazer a feira para o sustento familiar.


Neném continuava sempre ao lado da mãe. Ora, não podia sair de seu lado de jeito nenhum, pois somente ali o conforto e o amor que tanto necessitava. Com o calendário avançando, sua feição envelhecida foi deixando ainda mais marcas. E também o corpo se fragilizando ainda mais, pois degenerando pela própria disfunção genética. Fraquejava, mas continuava insistindo em existir. A família e os amigos, contudo, temiam que não suportasse muito tempo aquela fragilidade. E foi definhando, esmorecendo, até não mais suportar. Recebi a notícia de seu falecimento enquanto estava na capital, e muito lamentei não poder estar presente na sua despedida.
O tempo passou. E ela já deu adeus e partiu. Lembro-me ainda do chocolate, que ela primeiro fez cara feia e depois gostou. Recordo-me ainda de sua voz grossa, compassada, e de seu sorriso que despontava ante qualquer palavra. Lembro-me desse cantinho de sofá que é também cantinho da casa, bem juntinho à janela de Dona Clotilde, sua mãe. Neném sempre estava aí. Certa feita, quando levei esse mesmo retrato num quadro de parede, então senti seus olhos brilhando. Estava emocionada, tomada de comoção, quase sem acreditar no que via. O retrato está lá, continua na parede.
O retrato continua na parede, mas Neném apenas na memória e na recordação, no amor deixado e no amor sentido. O tempo passou e ela já deu adeus e partiu.

Escritor
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