*Rangel Alves da Costa
“Faça o negócio bem feito. Num quero saber que ficou nem um tiquinho de veneno naquela jararaca. Deixe o coisa ruim estirado pra comida de urubu. E vá logo. Vou cuspir e antes do cuspe secar quero que me chegue com a notícia”. Sentença dada pelo coronel Queró da Biribeira. Sentença dada, a pena seria a morte do coronel desafeto, inimigo escolhido para não mais viver.
Tocaia feita. A mata silenciava amedrontada, talvez tremesse ante a presença do jagunço escondido por dentro do tudo de mato. Cigarro de palha descendo num canto da boca, saliva de cachaça e olhos cegos de brutalidade, ou de covardia. Chapéu seboso descendo na testa, já na altura dos olhos, uma sisudez de velório. Na mão arma faminta e sedenta de sangue. Com a arma levantada, fazia mira pra curva da estrada. Por ali o coronel Jerome Limoeiro logo passaria.
Arma em mira. Dedo no gatilho e ávido por açoitar. Aquela mão e aqueles dedos já haviam derrubado mais de vinte, ou mais. Matar mais um tanto fazia. Jagunço cujo único serviço na vida era servir à maldade, ceifando vidas a mando do coronelismo. E certamente não pensaria duas vezes pra matar seu atual patrão, o coronel Queró, bastando que se bandeasse pro outro lado e sua morte fosse igualmente encomendada. Basta matar, e pronto. Assim os dias nas entranhas do impiedoso sertão.
Ouviu o barulhar das patas de um cavalo. O coronel chegava, o tiro seria certeiro, a morte certa. Apertou o olho para divisar melhor, aprumou o bacamarte na exta direção, e esperou só um instante. Assim que divisou o cavaleiro, disse a si mesmo: É agora! Esperou o cavalo se aproximar mais, passar bem em frente aonde se mantinha escondido, para o tiro ser mais certeiro, a morte e o baque do corpo caindo ao chão. O cavalo foi se aproximando, mais e mais, mas quando já quase na sua mira, o jagunço quase grita de espanto.
Ouviu um tiro e viu o coronel, aquele mesmo que seria sua vítima, soltando um urro medonho e tombando do cavalo, já acertado por um disparo. Sem acreditar no que via, até espantado com o acontecido, o jagunço não entendia o que tinha acontecido. O disparo não havia sido feito por ele, aquele tiro não havia saído de sua arma, como poderia ter acontecido aquilo? Indagou dentro de si. Mas do outro lado viu quando um tufo de mato se mexeu e as sombras de alguém fugindo em disparada. Então compreendeu: outro jagunço já havia se adiantado e matado o coronel Jerome.
Mas quem havia mandado matar o homem, foi que também se perguntou. Mas nem precisava saber. Nada disso adiantava saber. Naqueles sertões a vida valia nada mais que uma bala, que uma munição, que um apertar gatilho, que uma mira e um açoite de bala. Naqueles sertões, a vida e a morte viviam traiçoeiramente de braços dados. Naquele mesma estrada, e coisa que não era de muita distância, nada mais dez pessoas já haviam sido vítimas de tocaias, emboscadas, de morte medonha. E tudo a mando. Coronel mandando matar coronel, coronel mandando derrubar qualquer que se fizesse mal visto.
Um mundo de bacamartes e estampidos, de espingardas e balas de fogo, de clavinote e chumbos vorazes, de jagunços sanguinários e feições embrutecidas pelo ódio. As folhagens sendo cortadas pelo açoite das balas, os troncos marcados pelos chumbos perdidos, um eterno fumaceiro pela cuspida de fogo dos canos das armas. Estradas marcadas pelo sangue jorrado, chão endurecido pelo sangue repisado. Cruzes, marcas de medo, epitáfios sem nada a dizer, apenas que morreu de morte matada, de tocaia, de emboscada.
No breve instante do silenciar dos bacamartes, os ecos fantasmagóricos dos estampidos. Nos horizontes, a festa das carnicentas, das agourentas, dos bicos querendo sugar a vermelhidão da morte. Terra de homens, de homens valentes. Mas também de covardes, de assassinos, de carcarás e urubus.
Escritor
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