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quarta-feira, 19 de agosto de 2020

A IMPONENTE BORDA DA MATA E SEU COMANDANTE, ANTÔNIO CAIXEIRO

Por Manoel Severo
Fazenda Borda da Mata em Canhoba, Sergipe

Todas as andanças por entre os territórios pisados e vividos pelos reis das caatingas são preciosos. Cada cenário e; uns mais que outros; dependendo de seu peso e sua memória e o quanto contribuiu para o momento histórico se tornam emblemáticos. Chegamos em Sergipe, uma das "capitanias hereditárias" do rei do cangaço, Virgulino Ferreira da Silva em seu segundo reinado.

Era o dia 20 de janeiro de 2018, um sábado ensolarado e quente, partimos de Aracaju ainda pela manha, ao lado dos pesquisadores Archimedes e Elane Marques rumo ao município de Canhoba, a 125 km da capital sergipana, terra do enigmático e poderoso coronel Antônio Ferreira de Carvalho, ou: Antônio Caixeiro.

 Sob as bençãos do Cruzeiro da Borda da Mata, a imensidão das terras que um dia foram o feudo de Antônio Caixeiro
Manoel Severo e Archimedes Marques na Borda da Mata

Quem estuda cangaço e se debruça sobre a historiografia desse fenômeno no estado de Sergipe, terá em Antônio Caixeiro e seu filho Eronildes Carvalho, dois de seus mais destacados personagens. A partir de 1929 quando Lampião atravessou o rio São Francisco iniciando um novo ciclo em sua vida fora da lei, os contatos com a família e o poder dos Carvalho, de Canhoba, tendo a frente o patriarca Antônio Caixeiro vieram a ser determinantes para os novos rumos tomados pelo rei cego.

Não raramente vamos encontrar episódios marcantes acontecidos em terras abençoadas pelo potentado sergipano de Canhoba. Suas propriedades, notadamente as famosas fazendas, “Borda da Mata” e "Jaramataia" eram pouso comum dos vários grupos cangaceiros comandados por Virgulino Ferreira da Silva. Eram perto das 10 da manha quando enfim chegamos ao centro do município de Canhoba, dali mais quinze minutos em estrada de terra batida, aportaríamos na lendária e imponente fazenda Borda da Mata.

Coronel sergipano Antônio Caixeiro em foto do acervo de Lauro Rocha
No vilarejo defronte a fazenda Borda da Mata, a praia fluvial no São Francisco
 Ingrid Rebouças e a vista do rio São Francisco a partir de um dos cômodos da fazenda Borda da Mata

Vamos recorrer ao Mestre Alcino Alves Costa para entender a ligação de Virgulino Ferreira com Sergipe e seus coronéis: " Foi em Sergipe que Lampião alcançou o maior apogeu de sua vida bandoleira. Foi o coronel dos coronéis; foi soberano, temido, respeitado por todas as autoridades; amigo dos homens mais influentes do Estado. Poderosos senhores, tais como os coronéis Hercílio Britto; Antônio Caixeiro, que era o pai de governador de Sergipe, Eronildes de Carvalho; era amigo dos famosos fazendeiros da Serra Negra, Pinduca e João Maria, ambos eram irmãos do temido tenente Liberato de Carvalho, famoso militar do exército brasileiro que caçava tenazmente os grupos bandoleiros e fez parte do histórico “Fogo da Maranduba”, em janeiro de 1932; e muitos outros homens de enorme importância e influência na terra sergipana."

E continua Alcino:"O poder de Lampião era tão grande que ele teve a ousadia de dividir partes do Estado de Sergipe nos moldes das antigas sesmarias, colocando seus principais homens, como se fossem sesmeiros, à frente de vastas glebas de terras, por exemplo: na região que compreende os municípios de Frei Paulo, Carira, em Sergipe, e Paripiranga, na Bahia, o domínio de Zé Baiano; em Porto da Folha, Gararu e N. S. da Glória, o senhor daquelas terras era o cangaceiro Mariano, em Poço Redondo e Monte Alegre de Sergipe, o domínio era de Zé Sereno e em Canindé, o poder estava nas mãos de Juriti."

A imensidão das terras da Borda da Mata em Canhoba
 Nos detalhe da Borda da Mata o registro de uma época e sua gente...

Logo que se chega ao vilarejo do distrito, sendo acompanhado pelas margens do São Francisco se avista de longe a imponente "Borda da Mata" que se agiganta sobre uma pequena e estratégica elevação, de onde certamente seu mandatário mantinha as terras e os homens sob sua vigilância inconteste. A atmosfera do lugar é simplesmente espetacular, sob o testemunho do grande rio e a brisa forte típica da caatinga, estávamos pisando um solo sagrado da historia nordestina.

A edificação hoje em ruínas ainda mantém seu glamour e sua força. A Casa Grande reflete o poderio econômico dos Carvalho, os cômodos se sucedem cheios de detalhes de decoração nas antigas paredes, arcos e fachadas principais, permitindo-nos viajar no tempo e voltar aos idos dos anos 20 e 30 quando de Canhoba a dinastia Carvalho, de Antônio Caixeiro e seu filho, Capitão de Exercito, médico e depois interventor do estado, Eronildes de Carvalho, mandavam em Sergipe.  

Eronildes Ferreira de Carvalho é um dos filhos mais de ilustres de Canhoba.Nasceu na Borda da Mata em abril de 1897. Formou-se pela Faculdade de Medicina da Bahia em 20 de dezembro de 1917, filho de Antônio Caixeiro e interventor de Sergipe.


De pé: Ezequiel, irmão de Lampião, Calais, Fortaleza, Mourão e o menino Volta Seca. Sentados : Lampião, Moderno, Zé Baiano e Arvoredo.

O pesquisador Kiko Monteiro nos auxilia e traz o escritor cearense Nertan Macedo que entrevistou o interventor Eronildes de Carvalho justamente quando da primeira passagem de Virgulino ainda em 1929 na Borda da Mata ao lado de 20 homens e foram "anfitrionados" pelo poderoso coronel. "Lampião conhecia “os Carvalho” desde a sua juventude. Quando percorreu a maioria dos caminhos que viria a fazer mais tarde como bandoleiro. Revendendo nas fronteiras de Alagoas e Sergipe, como simples almocreve conheceu a família. E agora já como poderoso chefe cangaceiro, aproveitou para visitar o Coronel. Sabendo do poder do grande comerciante Lampião pediu abrigo e comida, sendo prontamente atendido, onde lhe foi autorizado o abate de rezes etc, mas que seus moradores e contratados não fossem molestados por seus homens."
E continua Kiko Monteiro "Eronildes foi apresentado a Lampião em agosto de 1929, durante os dias em que se restabelecia de uma enfermidade na fazenda Jaramataia propriedade de seu pai no município de Gararu. Algumas biografias dão conta de que esse encontro se deu “antes” de ele estar com Caixeiro. Outras que foi numa visita do interventor até a Borda da Mata. A ordem dos fatores… Em ambas há um mesmo parágrafo: Trocam cumprimentos e o Dr. faz a Lampião uma indagação que entrou para galeria das “máximas cangaceiras: – “Então, como devo chamá-lo, capitão ou coronel? Porque eu também sou capitão e deve haver aqui uma hierarquia – como oficial do exército não posso ser comandado pelo senhor”. Lampião compreendeu a malícia e replicou– “Pois desde já o senhor está promovido a coronel”.
Uma das fotos clássica do Rei dos Cangaceiros, usada muitas vezes como "salvo conduto" foi feita na fazenda Jaramataia pelas lentes de Eronildes Carvalho.
 Neste chão pisaram os poderosos de Sergipe e suas sombras...cangaceiros 
Imagens de uma das partes internas da Casa
A visita à fazenda Borda da Mata ciceronizado por uma das maiores autoridades sobre a historiografia do cangaço em Sergipe; o pesquisador e escritor Archimedes Marques; foi um grande presente para mim, havia muito tempo que desejava conhecer as famosas terras de Antônio Caixeiro e seu filho Capitão Eronildes, fato me proporcionado pelo querido casal Archimedes e Elane. 
Sem dúvidas quando somos privilegiados com momentos como esse não se pode negar o tamanho da emoção e de todas as sensações que nos invadem. Sergipe o menor estados do Brasil em território foi sem dúvidas um dos territórios onde o Rei do Cangaço mais se sentia em casa, perpetuando a partir dali mais 9 anos de vida cangaceira. Para entender melhor a presença do cangaço em Sergipe, teremos no próximo Cariri Cangaço a se realizar em Fortaleza no mês de abril, o lançamento do segundo volume da obra de Archimedes Marques, o magistral "Lampião e o Cangaço na Historiografia de Sergipe". 

Manoel Severo, 20 de Janeiro de 2018 Canhoba-SE
http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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