Material do acervo do pesquisador Antônio Corrêa Sobrinho
Aos 63 anos de
idade, morreu tranquilo num apartamento da Tijuca e foi sepultado no cemitério
de São João Batista o general Teodureto Camargo do Nascimento, o homem que
comandou a luta contra o cangaço no Nordeste e perseguiu até o fim o bando de
Lampião. Em seu arquivo particular, que a reportagem de O GLOBO folheou em
Teresópolis, onde ele residiu desde que passou à reserva, existem documentos
inéditos sobre Lampião, inclusive o seu lenço de seda azul com rosas vermelhas
e um vestido lilás de Maria Bonita.
O general
Teodureto, antigo chefe de polícia de Alagoas, foi quem mandou comprar
metralhadoras para combater os cangaceiros e equipou os seus homens para a
guerrilha no sertão, transformando-os de “macacos”, que o povo desprezava, em
homens eficientes na luta contra o crime. No entanto, era inimigo da violência,
e nunca se conformou com a atitude dos homens que cortaram a cabeça de Lampião,
Maria Bonita e outros companheiros, para exibir como troféu.
UMA VIDA
INTENSA
A luta do
então coronel Teodureto contra o bando de Lampião durou quase 10 anos, e não
acabou no dia 28 de julho de 1938. A morte do “rei do cangaço” não significou o
fim do império de violências que se espalhava por todo o Nordeste, porque
vários bandidos conseguiram fugir e outros surgiram no sertão, implantando o
terror.
O general
Teodureto possuía em sua casa uma coleção de punhais. A maioria foi recolhida
no leito seco do rio Angicos, onde se travou a última batalha contra Lampião.
Por uma estranha coincidência, eram 48 soldados contra igual número de
cangaceiros. Onze bandidos foram mortos, inclusive o capitão Virgulino Ferreira
e sua mulher, Maria Bonita. Um punhal, sujo de sangue, jazia por terra. Tem
quase meio metro e lembra uma espada. O cabo está incrustado das alianças de
suas vítimas. Mais de 30 pessoas tombaram sob o punhal do lugar-tenente de
Lampião.
- O facínora
Luiz Pedro – conta Germano Nascimento, filho do coronel Teodureto – tinha o seu
método de matar. Amarrava a vítima num poste e enterrava o punhal na fossa
clavicular.
LEMBRA TUDO
Germano e sua
mãe, dona Alfierina, viveram horas difíceis quando o general Teodureto
comandava a polícia de Alagoas. O menino viu o pai ser aclamado como herói pela
população e lembra-se também de alguns cangaceiros que foram procurá-lo para se
entregar.
- Meu pai era
acima de tudo um homem bom, não nutria ódios nem mesmo contra os cangaceiros.
Em sua opinião, a violência que se cometer a era inevitável, mas nunca admitiu
a ideia de que fossem decapitados. Esse fato o deixou amargurado por muito tempo.
Às vezes, em nossa casa, aqui em Teresópolis, recordava com tristeza aquela
fase difícil de sua vida. Abria o álbum, e começava a desfilar as lembranças de
sua mocidade.
OUTRAS
RECORDAÇÕES
O capitão João
Bezerra, que chefiou a luta em Angicos, ofereceu sua Winchester ao general
Teodureto. A arma, guardada com carinho, era um reconhecimento ao antigo
comandante da PM, que soube dignificar os seus soldados. Antes eram conhecidos
apenas por “macacos”, não possuíam fardamento regular e muitas vezes apresentavam-se
descalços.
- Meu pai –
continua Germano – adquiriu 50 metralhadoras alemãs, Bergman, e seis caminhões
Ford e quatro estações de rádio, reequipando assim a polícia de Alagoas para a
luta contra os cangaceiros. A maior novidade que introduziu, foi o destacamento
móvel da PM. Era de opinião que um quartel apenas, na capital, não bastava para
exterminar o cangaço. Surgiram as volantes, que se deslocavam pelo sertão a fim
de lutar contra os bandoleiros.
ESTRATÉGIA E
GUERRILHA
O general
Teodureto tinha grande respeito por Lampião. Não o considerava um simples
cangaceiro. Achava-o inteligente e, acima de tudo, um grande estrategista,
precursor da luta de guerrilhas. A força volante, criada no interior e com
capacidade para mobilizar-se em todo o sertão, foi a única fórmula encontrada
para dar combate a ele. Seu bando deslocava-se em várias frentes e atingia os
estados de Sergipe, Alagoas, Bahia, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e
Ceará.
O Nordeste
vivia traumatizado por suas façanhas, que ganhavam as manchetes no Brasil e no
mundo.
Para vencer a
luta, o general Teodureto foi obrigado a pôr em prática a mesma estratégia de
Lampião. Preparou seus soldados com igual espírito de luta, e deu-lhes fardas
apropriadas, quase semelhantes às usadas pelos cangaceiros, que serviam também
para iludir.
UMA CARREIRA
O general
Teodureto, que faleceu aos 63 anos, formou-se na Escola Militar do Realengo,
mas antes de preparar a luta contra os cangaceiros já perseguira a Coluna
Prestes, no interior da Bahia e Piaui. Aos 24 anos, comandara um batalhão, e
alguns anos depois participava da Revolução de 30, na Paraíba, ao lado de
Juraci Magalhães e Juarez Távora. Tomou a cidade de Natal, onde foi chefe de
polícia durante o governo revolucionário. Ainda em 1930 era nomeado comandante
da Policia Militar de Sergipe.
Mais tarde,
esteve ao lado do general Daltro, durante o Movimento Constitucionalista, em
São Paulo, assumindo finalmente o comando da Policia Militar de Alagoas. Tinha
início a fase mais intensa de sua vida, marcada por constantes viagens pelo
sertão. Serviu, anos depois, no Rio Grande do Sul e no 11º RI, de São João Del
Rei. Promovido a coronel em 1953, passou para a reserva como general de divisão
e foi residir em Teresópolis, onde era visitado por numerosos companheiros de
farda, inclusive pelo marechal Lott. Somente aos amigos recordava a luta contra
o cangaço e exibia os documentos sobre Lampião. O que mais chamava a atenção
era o vestido lilás de Maria Bonita e o lenço de seda do “rei do cangaço”.
ÚLTIMOS DIAS
Há alguns
dias, o general Teodureto comprou um Volkswagen, e se lembrou do seu Ford-28,
com o qual percorria o sertão. Para chegar a Angicos, onde se travou a
derradeira luta contra Lampião , em 1938, fez parte do percurso em seu
automóvel, depois numa canoa, e caminhou ainda muitas léguas a pé até o local
onde o soldado Honorato abatera Lampião com um tiro. O corpo estava também
varado pelas balas de metralhadora, desferidas pelo soldado Bertoldo.
- O horrendo
desfile das cabeças cortadas sempre foi um pesadelo para meu pai – conta
Germano. Quando chegou ao local, nada mais podia fazer. O gesto extremo já se
consumara e o cortejo tinha início. Era, na verdade, o único troféu que os
soldados levavam. Muitos tinha sido assassinados, e a cabeça de Lampião era o
símbolo de uma vitória e de uma terrível e inominável vingança que o meu pai
nunca mais esqueceria.
MARIA BONITA
No arquivo do
general Teodureto existem fotos inéditas de Lampião. Numa delas, o “rei do
cangaço” aparece costurando, e outra ao lado de Abraão, o fotógrafo cuja
máquina de magneto documentou momentos felizes de Maria Bonita afagando seus
cães, ou sentada. Tranquila no sertão agreste. Abraão morreu assassinado. Sua
intimidade com os cangaceiros nunca foi vista com bons olhos pelos policiais. Quando
se supunha que Lampião estava morto, os jornais do Rio publicavam uma foto do
cangaceiro-chefe lendo a “Noite Ilustrada”.
Existem ainda
no arquivo do general Teodureto fotos até agora desconhecidas de membros
famosos do bando, entre eles Corisco, Luiz Pedro e Velocidade. Este foi o
último a se entregar, e só o fez perante o comandante Teodureto do Nascimento.
PASSAPORTE NO
SERTÃO
O documento
mais pitoresco é a reprodução de um passaporte visado pelo temível capitão
Virgulino Ferreira. É endereçado ao prefeito da cidade de Pão de Açúcar, e nele
o bandoleiro escreve com letra firme: “Ao Sr. Antônio Joaquim Rezendis, como
prova de amizade e garantia perante os cangaceiros, oferece C. Lampião”.
Com o
documento, a população de Pão de Açúcar e o seu prefeito ficaram a salvo dos
bandoleiros; bastava exibi-lo nas estradas. Mas só era válido desde que
trouxesse como timbre a fotografia do emitente, ou seja, um retrato de três por
quatro de Lampião.
IMAGENS: 1. O
então coronel Teodureto Camargo abraçando o aspirante Ferreira de Melo (foto
extraída do livro "Lampião Entre a Espada e a Lei", de Sérgio Augusto
de Souza Dantas"); 2. Do arquivo particular do general Teodureto, armas e
objetos de Lampião, como o seu lenço de seda com rosas brancas; 3. O soldado
Honoratinho exibindo ao repórter Mechiades da Rocha a arma com que liquidou
Lampião; 4. Lampião e Maria Bonita, em foto de Abraão Boto.
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