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quarta-feira, 2 de setembro de 2020

SER SOLIDÃO

*Rangel Alves da Costa

Quem não ama a solidão, também não ama a liberdade. A frase é de Arthur Schopenhauer (1788-1860). Com isto quis proclamar o filósofo que a solidão não pode ser vista apenas como um mal que atormenta o ser, eis que somente através dela o homem é livre para expressar todo o seu sentimento, para proclamar-se sem disfarces e demonstrar toda a sua força ou fragilidade. Eis o contexto em que está inserida aquela frase:  
“Cada um só pode ser ele mesmo, inteiramente, apenas pelo tempo em que estiver sozinho. Quem, portanto, não ama a solidão, também não ama a liberdade: apenas quando se está só é que se está livre. A coerção é a companheira inseparável de toda a sociedade, que ainda exige sacrifícios tão mais difíceis quanto mais significativa for a própria individualidade. Dessa forma, cada um fugirá, suportará ou amará a solidão na proporção exata do valor da sua personalidade. Pois, na solidão, o indivíduo mesquinho sente toda a sua mesquinhez, o grande espírito, toda a sua grandeza; numa palavra: cada um sente o que é.”
As palavras acima são de clareza singular. Afirma o filósofo que o homem completo, na sua inteireza do ser, exsurge somente quando está sozinho. Eis que na solidão o indivíduo revela-se completo, liberto, sem qualquer disfarce. Sozinho não há imposição alguma da sociedade, não há força social que manipule o ser, e por isso mesmo o homem se mostra apenas o que verdadeiramente é. Ademais, a liberdade trazida pela solidão, colocando o homem sem amarras, proporciona a este mostrar sua fraqueza, se fraco for; impor sua força, se forte for. Quer dizer, somente a solidão para proporcionar ao homem a sua verdadeira liberdade, pois momento único para se mostrar sem disfarces.


Daí a grande lição da solidão: Sozinho, o homem não é mais nem menos do que verdadeiramente é. Até mesmo fingir ser aquilo que não é, acaba comprovando o ser dissimulado que o homem é. Daí que a solidão é instante único para espelhar sem retoques, para mostrar a face sem qualquer máscara, para dizer que o homem sozinho assim se comporta porque desse modo ele realmente é. Daí que chora porque não finge sentimentos; enfurece porque propício ao enraivecimento; sofre porque propenso à angústia, à dor, ao entristecimento.
Quando Schopenhauer afirma que solidão é liberdade, certamente o faz para mostrar a nudez que com ela é revelada. E nudez no sentido de verdade, de não fingimento de sua realidade. Assim, a solidão se apresenta como momento único de liberdade do ser. Como afirmado, dessa liberdade o agir sem a vigilância de outrem, o pensar sem se sentir observado, o fazer o que quiser sem temer repressão de quem quer que seja. Ora, está sozinho, liberto, encontrando apenas consigo mesmo. E o indescritível instante para fazer o que seria impensável diante de outros.
Daí que não é tão ruim assim fechar a porta atrás de si e aproveitar ao máximo a solidão que silenciosamente se apresenta. Talvez os outros, aqueles que apenas avistaram a pessoa se recolhendo, fiquem falando ou imaginando a tristeza que deva estar sendo suportado naquele quarto fechado, naquela insuportável solidão. Não imaginam, contudo, que aquele recolhimento representa um caminho de liberdade. Jamais supõem que a pessoa ali trancada, ao invés de estar inventando coisas para dar cabo à vida, está feliz e reencontrando consigo mesma.
E não é à toa que a solidão serve como fundamento ao conhecimento do ser pelo ser. A meditação exige solidão, a reflexão filosófica implica em solidão, o percurso mental em busca de conhecimento pressupõe uma boa dose de solidão. E assim porque somente na solidão o homem é capaz de elevar o pensamento e encontrar respostas para suas mais inquietantes indagações. Do mesmo modo no homem comum, cuja solidão o faz tão verdadeiro como nem ele mesmo se imagina. O fato de estar sozinho o faz liberto para ser outro, mas acaba sendo apenas sua própria feição.

Escritor
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