Texto: Sidney Ribeiro
"...meu
flamboyant na primavera que bonito que ele era dando sombra no quintal..."
ou "...o meu bom jenipapeiro bem no centro do terreiro dando sombra no
quintal..."?
Composta em
1962, por Raul Sampaio Cocco, autor de mais de duzentas canções, capixaba de
Cachoeiro de Itapemirim, integrante do famoso conjunto Trio de Ouro da década
de 1950 (Raul Sampaio, Lourdinha Bittencourt e Herivelto Martins); a canção
"Meu Cachoeiro", passou a ser hino oficial da cidade de Cachoeiro de
Itapemirim, em 1966. Mesmo tendo sido composta por este grande compositor e
integrante de um conjunto famoso e, quatro anos depois ter sido declarada hino
oficial da cidade, ela não teve muita repercussão. Não, não teve, até que
cachoeirenses influentes e alguns artistas tivessem a brilhante idéia de
sugerir que um outro cachoeirense viesse a grava-la. Esse cachoeirense,
conterrâneo de Raul, que assim como ele, também tinha começado a cantar na
mesma rádio, ZYL-9, e estudado na mesma escola, com uma diferença de quatorze
anos, era nada mais nada menos que Roberto Carlos. Sim, ele começou, aos nove
anos de idade, em 1950, a cantar na mesma rádio que Raul tinha iniciado, mas
Raul, quando Roberto começou ainda menino, já estava no Rio de Janeiro, com
alguma fama e, já sentia saudades da pequena Cachoeiro, que alguns anos depois
lhe serviu de inspiração para a canção.
Desta vez a
canção tinha tudo para ser sucesso. Ela era bonita, o cantor era famoso, o mais
famoso do país, e a letra tinha tudo a ver com ele, pois assim como Raul,
também tinha saido de sua terra natal para ir ao Rio de Janeiro tentar vencer
como cantor profissional. O primeiro venceu, mas a canção não. Seria muito
pouco provável alguém se interessar por uma canção que falava de uma
cidadezinha quase desconhecida para a maioria dos brasileiros (estamos falando
de um Brasil da década de 1960 quando não havia internet e outras mídias
interativas). Mas desta vez, tinha tudo para ser diferente, o cantor em
questão, era conhecido no Brasil, em toda a América Latina e ainda em alguns
outros países europeus. Roberto conheceu a canção em 1967, quando já era hino
oficial da cidade de Cachoeiro e ele estava no auge da Jovem Guarda. Durante
alguns anos, Raul lhe entregou fitas gravadas com a canção, no intuito dele
grava-la, mas Roberto não se mostrava interessado. Dizia que queria ele mesmo
compor uma canção falando de Cachoeiro. Depois de muita insistência, passados
três anos, em 1970, ele decidiu colocá-la no seu disco anual, justificando que
tudo que ele queria dizer de Cachoeiro, Raul já tinha dito naquela letra. No
entanto, pediu para que fossem feitas algumas alterações: O rítmo, porque
originalmente ela era uma toada à moda de viola e ele queria algo mais moderno.
O título "Meu Cachoeiro" para" Meu Pequeno Cachoeiro" e uma
parte da letra.
Quanto às duas
primeiras alterações não houve problema e o autor, Raul, concordou. Foi difícil
para Roberto aceitar na letra, a parte que dizia: ...o meu bom jenipapeiro bem
no centro do terreiro...
Para Roberto,
aquela coisa de terreiro soava estranho e ele também não conhecia o pé de
jenipapo, o jenipapeiro. Conta-se que Raul comprou alguns jenipapos e levou até
a gravadora, para o Roberto conhecer e, mesmo assim ele não queria gravar.
Roberto pediu para o Raul alterar a letra, ao que ele desconversou dizendo que
ela tinha sido feita com muita emoção e, retratava o que realmente tinha
acontecido. Na casa dele tinha um jenipapeiro e tudo que estava na letra era o
que ele externou num momento de saudade, longe de sua terra natal e, por esse
motivo achava que não deveria alterar nada. Somente depois da insistência de
muitos colaboradores, inclusive da direção da gravadora CBS, alegando que todos
iriam ganhar se Roberto colocasse aquela canção no seu disco, que a música
seria conhecida nacionalmente, é que Raul resolveu introduzir na letra, o
flamboyant. De nome francês, flamboyant, traduzido significa flamejante, devido
a coloração de suas flores. Por ser uma árvore muito comum na cidade de
Cachoeiro, talvez não tenha sido muito difícil para o Raul alterar a letra,
mesmo a contragosto. De fato, flamboyant soa muito mais poético que
jenipapeiro, mesmo que o coração de quem sente o que fez, num momento de
tristeza e saudade de sua terra, não concorde.
Alterações
feitas, Roberto introduziu alguns versos declamados que estão só na gravação do
disco, mas não fazem parte do hino, e finalmente, depois de quatro anos após
ter sido declarada hino da cidade, o Rei, a maior personalidade de sua terra,
empresta sua voz numa letra tão saudosa. O sucesso foi imediato e Cachoeiro de
Itapemirim ficou conhecida no Brasil inteiro.
Hoje, alguns
historiadores ainda se confundem e, de forma equivocada, atribuem ao Roberto a
alteração da letra, com a inclusão do flamboyant no lugar do jenipapeiro.
Através do filho do Raul Sampaio Cocco; José Cocco Neto, pude esclarecer a
dúvida, que sempre permeou a minha e a cabeça de fãs dos dois grandes
cantores/compositores, sobre a canção que num ineditismo até protocolar, faz de
Cachoeiro, a única cidade brasileira a ter um hino com duas versões. Assim,
cinquenta anos após ter sido declarada hino oficial da cidade de Cachoeiro de
Itapemirim, através do decreto municipal 1072/66 de 1966; em 2016, pelo decreto
municipal 7395/2016, a versão com os versos enaltecendo o flamboyant, passou a
ser também o hino da cidade.
Registre-se
também, que no ano de 2016, mais precisamente em Abril, Roberto foi fazer um
show em Cachoeiro, dia 19, data de seu aniversário. José Cocco Neto, filho do
Raul, quis fazer uma surpresa para seu pai e, junto com seu filho Rhodes, se
dirigiram ao hotel San Karlo, no centro da Cidade, onde Roberto estava
hospedado. Não é comum ele receber alguém em hotel, mas desta vez foi
diferente.Tratava-se de Raul, seu conterrâneo ilustre compositor. Assim; pai,
filho e neto puderam representar as gerações na companhia do mais ilustre filho
da cidade.
Naquele 18 de
Abril de 2016 foi a última vez que Roberto e Raul se encontraram. Raul partiu
em 26/01/2022.
Um dia, ainda
jovem, sentiu saudade de sua terra e fez uma canção, sem imaginar que ela se
transformaria em hino e, o que dizer então de hino com duas versões. Será
lembrado por gerações e gerações que cantarão sua música à sombra de um
flamboyant ou de um jenipapeiro, muitos sem saber, que a fruta e a flor que
continua nascendo em sua terra, dificilmente servirão novamente para dar tão
bela inspiração e, não haverá nenhum outro cantor mais famoso que Roberto, para
com a voz, trazer as reminiscências que farão com que os filhos de Cachoeiro
ausentes e saudosos, em todo pranto dessas mágoas, junte nas águas do seu
Itapemirim.
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