Por Honório de Medeiros
Quem foi o idealizador da invasão de Mossoró, em 13 junho de 1927? Não o planejador ou o executor, mas o idealizador?
Sabemos que o planejamento coube ao Coronel Isaías Arruda, a Massilon, e a Lampião. A execução, a Massilon e Lampião.
Mas quem foi seu idealizador?
O ponto de partida para respondermos essa pergunta é a análise da participação, no episódio, desses três personagens principais: Lampião, o Coronel Isaías Arruda, e Massilon.
A importância deles é tal, que sem qualquer um dos três, não teria havido a invasão. Todos os outros participantes são secundários, embora possam ser importantes.
Entretanto, Lampião pode ser retirado, com alguma segurança, dentre os possíveis idealizadores, por uma razão muito simples: Jararaca, testemunha da conversa entre o cangaceiro e o Coronel Isaías Arruda, acerca do projeto de ida a Mossoró, foi muito claro quando afirmou que nunca houve a intenção, do bando, de penetrar no Rio Grande do Norte.
Manoel Francisco de Lucena Filho, o “Ferrugem”, Manoel Ferreira, o “Bronzeado”, assim como Francisco Ramos de Almeida, o “Mormaço”, disseram o mesmo.
E é praticamente consenso na literatura do cangaceirismo, a resistência inicial de Lampião de levar a frente tal aventura.
Sobram o Coronel Isaías Arruda e Massilon.
O Coronel Isaías Arruda também poderia ser retirado, levando-se em consideração o seguinte: ele não chamou Lampião a Aurora, pois vinha sendo pressionado insistentemente pelo Governador do Estado, José Moreira da Rocha, o “Moreirinha”, seu aliado, para se afastar de cangaceiros e jagunços. “Moreirinha”, por sua vez, sofria intensa pressão do Governo Federal nesse sentido.
Mas é notória a participação do Coronel no ataque a Apodi, em 10 de maio de 1927. Como é notório o viés político desse ataque: Coronéis cearenses, paraibanos e potiguares agiram em conjunto, nas sombras, contra a liderança do Coronel Chico Pinto, em crime executado por Massilon.
Então, é de se supor que o Coronel Isaías Arruda não chamou Lampião, mas aproveitou a oportunidade de sua chegada repentina.
Dizemos que aproveitou a oportunidade porque, aparentemente, o projeto de invadir Mossoró já existia há algum tempo e, para tanto, Massilon já recrutava cangaceiros pelo Sertão paraibano, provavelmente em comum acordo com o Coronel.
Existem dois fatos que asseguram a forte ligação entre o Coronel Isaías Arruda e Massilon, fundada em interesses mútuos:
a) em junho de 1926, Massilon e José Gonçalves de Figueiredo mataram João Vieira, em uma emboscada cujo objetivo era eliminarem integrantes da família Paulino, inimigos figadais do Coronel Isaías Arruda. Isso significa que Massilon era da mais estrita confiança do Coronel[1];
b) em maio de 1927, Massilon atacou Apodi, executando projeto do Coronel Isaías Arruda e seu sobrinho José Cardoso, a pedido de Décio Holanda, genro de Tylon Gurgel, chefe da oposição ao Coronel Chico Pinto naquela cidade.
O recrutamento de cangaceiros por Massilon, no intuito de invadir Mossoró, pode ser indiretamente comprovado: antes de Lampião chegar inesperadamente a Aurora, ele não sabia, mas o projeto de invadir Mossoró já existia. É o que se lê às folhas 30, da quarta edição de A Marcha de Lampião[2], Raul Fernandes, no item 2, do 1º Capítulo:
"Em dezembro de 1926, Joaquim Felício de Moura, sócio da firma Monte & Primo, em Mossoró, viajava pelo interior da Paraíba. Na cidade de Misericórdia, encontrou-se com o destacado comerciante e fazendeiro Antônio Pereira de Lima, que lhe falou da acirrada perseguição do bandido Virgulino Ferreira a sua família. Sem maiores rodeios, contou-lhe o plano de Jararaca, Sabino, Massilon e Lampião de assaltarem Mossoró com quatrocentos homens. Adiantou ser impossível reunirem tanta gente. Advertiu-o, porém, sobre o costume de mandarem espiões disfarçados de feirantes, mendigos e cantadores, aos lugares previamente escolhidos. Conversou sobre a possibilidade de defesa da cidade e pediu-lhe levar esses fatos ao conhecimento do Prefeito Rodolpho Fernandes.
Daí por diante os boatos se sucederam. Na última quinzena de abril, 27, a notícia veio à luz de modo concreto. Argemiro Liberato, de Pombal, escreveu ao compadre Rodolpho Fernandes sobre a pretensão do chefe dos bandidos. Dos remotos sertões de Pernambuco, da Paraíba e do Ceará surgiam indícios dos agenciadores da vergonhosa empreitada".
Em “Notas” (p. 40) ao 1º Capítulo, Raul Fernandes observou:
"Afonso
Freire de Andrade e inúmeras outras pessoas conheceram a carta. Mossoró (RN),
23.12.1971. - Informações prestadas ao autor.
Obs.: Ouvi de meu pai referências à missiva"[3].
Quanto a Argemiro Liberato, no meu Histórias de Cangaceiros e Coronéis[4] (p. 119), transcrevo artigo de Kydelmir Dantas, Cofundador e ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC), intitulado Cartas e Bilhetes Antes de Lampião, no qual se lê o que segue:
“Esta carta[5] foi levada ao conhecimento dos amigos de confiança do prefeito, por este, que estavam preparando a estratégia para a formação das trincheiras nos pontos principais da resistência. Dentre estes, Joaquim Felício de Moura, Afonso Freire de Andrade e outras pessoas mais chegadas confirmaram tê-la visto nas mãos do ‘coronel Rodolpho’.
Para a família, dias após o ataque, Rodolpho Fernandes fez referências sobre esta missiva do amigo paraibano de Pombal.
Outra confirmação do envio desta carta está no artigo “Major Argemiro Liberato de Alencar: o amigo de Rodolpho Fernandes”, escrito pelo seu neto Geraldo Alves de Alencar, hoje residente em São Luiz do Maranhão, que cita o seguinte sobre o avô: ‘Era fazendeiro, proprietário da Fazenda Estrelo, situada em sua cidade natal. Exercia também a profissão de comerciante, trazendo da Paraíba algodão transportado em costas de burros e vendido em Mossoró, estado do Rio Grande do Norte. O principal comprador era a firma cujo maior acionista era seu amigo e compadre o Cel. Rodolfo Fernandes. Em suas viagens como almocreve retornava a Pombal com sal e outros gêneros. Mesmo tendo um sobrinho nas hostes do cangaço, o qual atendia pelo nome de Ulisses Liberato de Alencar, Argemiro era profundamente contra o banditismo rural, chegando inclusive a avisar ao Cel. Rodolfo Fernandes, quando este era prefeito de Mossoró em 1927, que o cangaceiro tencionava atacar a cidade considerada capital do oeste potiguar. Declaradamente anti-Lampiônico, Argemiro Liberato de Alencar nunca chegou a ser perseguido pelo “rei do cangaço” porque Lampião sabia da amizade existente entre ele e o Padre Cícero.’
Evidentemente o aviso não era acerca de um futuro ataque de Lampião, mas, sim, de um futuro ataque de cangaceiros”.
Provavelmente Joaquim Felício estivesse errado quanto a José Leite de Santana, o Jararaca. Como nos assevera Frederico Pernambucano de Mello[6], a área de atuação do cangaceiro a área de atuação do cangaceiro eram as ribeiras do Moxotó e Pajeú, em Pernambuco. E o próprio Jararaca, declarou, quando preso em Mossoró, além de outros cangaceiros, que Lampião nunca pensara em atacar a cidade[7].
Já Sabino Gomes de Góis, embora atuasse nos arredores do município de Cajazeiras, Paraíba, estava, naquele momento, integrado ao bando de Lampião, desde o ataque à Souza, no mesmo Estado, em 27 de julho de 1924, do qual não se separará até sua morte (dele), em fevereiro de 1928, após o conhecido tiroteio de Piçarra, em Porteiras, Ceará.
Ora, se Sabino
tinha intenção de aventurar-se até Mossoró, é evidente que Lampião seria o
primeiro a sabê-lo. Repita-se, entretanto: Lampião nunca teve a intenção de
invadir o Rio Grande do Norte. Sequer sabia da existência desse projeto. Os
escritos acerca da história da invasão de Mossoró são consensuais quanto a
isso, a partir dos depoimentos de vários cangaceiros, dentre eles, Jararaca.
Ainda a favor dessa hipótese, a de que o ataque foi idealizado bem antes de sua realização há, também, além da correspondência de Argemiro Liberato e do recado de Joaquim Felício, a notícia veiculada pelo “O Mossoroense” de 15 de maio de 1927, de que na invasão de Apodi, por Massilon, o projeto de invadir Mossoró já existia, insinuando, sem rodeios, que essa pretensão, a ocorrer em dias vindouros, integrava empreitada de grande vulto, e dele dera conhecimento, ao Coronel Rodolpho Fernandes, a carta de Argemiro Liberato.
Observe-se que essa edição de “O Mossoroense”, jornal dirigido por Rafael Fernandes, primo e correligionário do Coronel Rodolpho Fernandes, veio a lume cinco dias após a invasão de Apodi por Massilon. Basta, então, darmos a devida importância à ligação entre essa matéria do jornal e a anterior correspondência de Argemiro Liberato encaminhada ao Prefeito, bem como ao recado de Joaquim Felício.
Se assim o é, se de fato o Coronel Isaías Arruda e Massilon trabalharam juntos nessa empreitada antes da chegada de Lampião, desde, pelo menos, meados de 1926, se a ambos podemos atribuir todo o planejamento do projeto, a pergunta, agora passa a ser outra: foram eles que idealizaram (arquitetaram) o projeto da invasão a Mossoró?
É muito difícil acreditar que Massilon recrutasse cangaceiros e jagunços pelo Sertão, sem que disso soubesse o Coronel Isaías Arruda.
Outra questão: por que Mossoró? Por que não Cajazeiras, Souza, Patos ou Pombal, na Paraíba? Caicó, Currais Novos, São Miguel, Pau dos Ferros ou Martins, no Rio Grande do Norte, ou as cidades do Vale do Jaguaribe, no Ceará, se o objetivo fosse meramente arrancar dinheiro?
E se o objetivo era meramente arrancar dinheiro, por que o alvo do ataque foi a residência do Coronel Rodolpho Fernandes, e, não, a agência do Banco do Brasil ou o comércio da cidade?
Então, cabe perguntar: quem, na verdade, idealizou (arquitetou) o ataque a Mossoró?
Qualquer que seja a resposta, de tudo quanto se disse algo fica claro: o Coronel Isaías Arruda e Massilon foram os grandes responsáveis pela invasão de Mossoró. Principalmente Massilon, que planejou com o Coronel, e executou com Lampião.
Ele é o personagem principal desse drama épico, e somente é possível uma história de tudo quanto aconteceu, uma história que tenha causas e efeitos, e não apenas a descrição horizontal do acontecimento em si, se o investigarmos, bem como suas conexões com os coronéis da Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, para os quais “jagunçou”, mas sempre como chefe de bando.
[1] Conforme Vida e Morte de Isaías Arruda; TAVARES CALIXTO JÚNIOR, João. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora; 2019.
[2] Natal: Editora Universitária, 1982.
[3] Raul Fernandes era filho do Coronel Rodolpho Fernandes.
[4] MEDEIROS, Honório de. Natal: Sebo Vermelho, 2015.
[5] A de Argemiro Liberato para o Coronel Rodolpho Fernandes.
[6] “GUERREIROS DO SOL”; 2a. edição; A Girafa; 2004; São Paulo, SP.
[7] No
“Auto de Perguntas” feitas a Jararaca consta, também, a seguinte declaração
sua: “que saíram em dias do mês de maio findo, do Pajeú, estado de Pernambuco,
e que acompanhava Lampião há pouco mais de um ano”. Antes de Lampião, Jararaca,
ainda segundo seu depoimento, estava no Primeiro Regimento de Cavalaria
Divisionária, tomando parte na revolta de São Paulo a favor da legalidade, com
a Coluna Potiguara (“LAMPIÃO EM MOSSORÓ”; NONATO, Raimundo; sexta edição;
Coleção Mossoroense; 2005; Mossoró).
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