Em
16 de julho de 1645, quando começavam as primeiras lutas contra os holandeses
no Nordeste ocorreu um massacre de luso-brasileiros no Engenho Cunhaú, no Rio
Grande (como, então, era chamado o Rio Grande do Norte). A região estava, desde
1630, sob domínio holandês, assim como boa parte do Nordeste concentrando-se na
área de produção açucareira. A dominação holandesa sofreu grande revés
com a queda dos preços do açúcar na década de 1640. A Companhia das Índias
Ocidentais, que administrava a produção açucareira brasileira, passou a cobrar
as dívidas contraídas pelos comerciantes, senhores de engenho e lavradores
originadas de empréstimos oferecidos durante o governo de Maurício de Nassau
(1637-44). Engenho de Cunhaú, Rio Grande do Norte, detalhe, Frans Post, 1645. A
cobrança das dívidas e o endurecimento da política holandesa no Nordeste
motivaram a revolta dos luso-brasileiros. A partir de 1644 teve início o
movimento para expulsão dos holandeses, tradicionalmente chamado de Insurreição
Pernambucana (a historiografia recente propõe o termo Restauração).
Foi nesse
contexto que ocorreu o massacre de Cunhaú, em 16 de julho de 1645, no município
de Canguaretama. Cerca de 70 fiéis católicos participavam da missa dominical na
Capela de Nossa Senhora das Candeias, no Engenho Cunhaú, quando soldados
holandeses liderados por Jacob Rabbi, junto com índios Janduis e Potiguares,
invadiram o local, fecharam as portas e investiram contra os colonos matando a
todos inclusive o pároco, padre André de Soveral.
Jacob Rabbi era um judeu
alemão, originário de Waldeck, que veio para o Brasil com o conde Maurício de
Nassau, em 23 de janeiro 1637. Casado com uma indígena Janduí, de nome
Domingas, tinha boas relações com esses nativos com quem viveu durante quatro
anos. Serviu de intérprete junto aos índios aliados dos holandeses. Morou
depois em um sítio de sua propriedade chamado “Ceará” em local hoje denominado
Araça, entre Massagana e Estivas, no Rio Grande do Norte.
Rabbi deixou um
importante relato de sua viagem contendo informações sobre a geografia da
capitania e descrições sobre os Janduís . Escrito em latim, tem o título De
Tapuiyorum moribus et consuetudinibus ex relatione Jacobi Rabbi, qui per
aliquot annos inter illos vixerat (“A moral e os costumes dos Tapuias com Jacob
Rabbi, que viveu vários anos entre eles”)
Câmara Cascudo fez um retrato bem
negativo afirmando que Jacob Rabii era […] um judeu de lenda, clássico, sem
escrúpulos, malvado, ladrão, saqueador, intrigante, covarde. É o mentor dos
Janduís […]. De um lado espalha o pavor, impossibilitando uma coligação dos
colonos em ajuda ao levante que estalara em Pernambuco. Doutro lado, o
comerciante judeu auferiria lucros, seguros e vastos, comprando a baixo preço
ou arrematando de graça os bens confiscados aos portugueses. As matanças
inúteis traziam lucros. Rabbi nunca perdeu ocasião de negociar bem. (CASCUDO:
1941, p.91).
No comando de guerreiros Janduís e Potiguares, Rabbi realizou
vários saques e chacinas em engenhos nas capitanias do Rio Grande, Paraíba e
Pernambuco. Os assaltos lhe renderam gado, roupas, joias e outros bens levando-o
a acumular uma pequena fortuna.
Três meses depois de atacar Cunhaú, outro
morticínio ocorreu em Uruaçu onde foram mortas 80 pessoas a mando de Jacob
Rabii, em 3 de outubro de 1645.
As atrocidades cometidas por Jacob Rabii
tiveram fim em menos de um ano. Ele foi assassinado a tiros e golpes de espada
na noite de 4 de abril de 1646.
Beatificação dos mártires
Os mortos de Cunhaú e
Uruaçu foram reconhecidos como mártires por decreto assinado em 21 de dezembro
de 1998 pelo papa João II. O processo de beatificação baseou-se na obra Os
holandeses no Rio Grande, do padre Paulo Herôncio de Melo.
Apesar de terem sido
cerca de 150 vítimas, apenas 30 foram identificadas sendo estes os mártires
beatificados (28 leigos e os padres André de Soveral e Ambrósio Francisco
Ferro).
A cerimônia de beatificação aconteceu na Praça de São Pedro, no
Vaticano, no dia 5 de março de 2000, presidida pelo papa João Paulo II.
Em São
Gonçalo do Amarante, no local do massacre, foi erguido o Monumento aos Mártires
e a Capela dos Mártires de Cunhaú e Uruaçú. São locais de romarias e
peregrinações assim como a capela de Nossa Senhora das Candeias, no antigo
engenho de Cunhaú.
Os mártires são lembrados em duas datas, no dia 16 de julho,
em Canguaretama, e dia 3 de outubro, em São Gonçalo do Amarante. Esta última
data foi declarada feriado estadual pela lei Nº 8.913/2006.
Fonte
MELO, Padre
Paulo Herôncio de. Os holandeses no Rio Grande. Rio de Janeiro: editora ABC,
1937. PEIXOTO, Renato Amado. “Duas palavras”: Os holandeses no Rio Grande e a invenção
da identidade católica norte-rio-grandense na década de 1930. Revista de
História Regional, Paraná: UPG, 2014, v.19, p. 35-71. MEDEIROS FILHO. Olavo de.
O Engenho Cunhaú: à luz de um inventário. Natal, RN: Fundação José
Augusto, 1993. _______________. Os holandeses na capitania do Rio Grande.
Natal, RN: Sebo Vermelho, 2010. CASCUDO, Luís da Câmara. “O Brasão Holandês do
Rio Grande do Norte”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande
do Norte. Natal, v. XXXV-XXXVII, 1938-1940. Natal, RN: Typ. Santo Antônio,
1941, p. 91. ______________. Geografia do Brasil holandês. São Paulo: José
Olympio, 1956. MOREAU, Pierre & BARO, Rouloux. História das últimas lutas
no Brasil entre holandeses e portugueses. Belo Horizonte: Itatiaia, 1979. BOXER,
C. R. Os holandeses no Brasil, 1624-1654. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1961. Saiba mais Vitória dos Guararapes põe fim ao domínio holandês
no Brasil Análise da imagem “Engenho de Itamaracá”, de Frans Post Massacre de
Uruaçu, Rio Grande do Norte Índios brasileiros retratados por um holandês O boi
voador do Recife existiu?
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