Por: José Romero Cardoso
Marcolino Pereira Diniz e Xanduzinha:
Imortalizados através da arte de Luiz "Lua" Gonzaga
Imortalizados através da arte de Luiz "Lua" Gonzaga
Discórdias político-econômicas, as quais atingiram frontalmente as estruturas de poder que embasavam o mandonismo local na República Velha, envolvendo
João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque e o "Coronel"
José Pereira Lima, o qual foi considerado por Rui Facó, em “Cangaceiros e Fanáticos”, como o maior chefe político do interior do Nordeste, resultaram em um dos maiores embates armados do Brasil Republicano que figura na História como a Guerra de Princesa.
A contenda envolvendo o governo do estado da Paraíba e os principais expoentes do mandonismo local, nesse estado, teve início em 28 de fevereiro de 1930, quando da invasão da então vila do Teixeira (PB), com o aprisionamento da família Dantas, ligada por profundos laços de parentescos e interesses ao clã Pereira Lima de Princesa (PB).
Imortalizados através da genialidade ímpar de Luiz Gonzaga no baião "Xanduzinha", gravado no ano de 1950, com letra do iguatuense Humberto Teixeira,
Marcolino Pereira Diniz
e Alexandrina Diniz foram remanescentes da campanha de Princesa. Marcolino se destacou como importante lugar-tenente do "Coronel" José Pereira Lima, a quem era ligado por laços de parentescos, sendo cunhado e sobrinho do mesmo. Os dois protagonizaram uma romântica história de amor na área de exceção do sertão de Princesa. Marcolino disputou-a com fidalguia e serenidade com outro pretendente ao casamento, o médico Severiano Diniz, discípulo de Hipócrates que cuidou, junto com o Dr. José Cordeiro, do grave ferimento recebido por Lampião no célebre tiroteio contra a volante comandada pelo
Marcolino Pereira Diniz
e Alexandrina Diniz foram remanescentes da campanha de Princesa. Marcolino se destacou como importante lugar-tenente do "Coronel" José Pereira Lima, a quem era ligado por laços de parentescos, sendo cunhado e sobrinho do mesmo. Os dois protagonizaram uma romântica história de amor na área de exceção do sertão de Princesa. Marcolino disputou-a com fidalguia e serenidade com outro pretendente ao casamento, o médico Severiano Diniz, discípulo de Hipócrates que cuidou, junto com o Dr. José Cordeiro, do grave ferimento recebido por Lampião no célebre tiroteio contra a volante comandada pelo
Major Teófanes Ferraz Torres, no qual o chefe bandoleiro teve o tornozelo profundamente afetado por disparo de arma de fogo.
Marcolino fôra incumbido pelo primo Severiano Diniz de entregar a Xanduzinha uma missiva expressando amor eterno em cada linha, não chegando à destinatária com a mesma intacta, pois a rasgou e mostrou-lhe os pedaços, aproveitando para pedir-lhe em casamento. Xandu, incontinenti, aceitou-o como esposo na hora. Nessa disputa romântica houve divisão na família Pereira Diniz, pois uma parcela ficou a favor de Marcolino e outra favorável ao Dr. Severiano Diniz.
Xanduzinha era filha do "Major" Floro Florentino Diniz, poderoso proprietário rural em Princesa e adjacências, dono de incontáveis propriedades rurais, localizadas na fronteira com Triunfo (PE). Irmão deste, de nome Laurindo Diniz, era dono da famosa fazenda da Pedra, ond,e em 1922
o primeiro bando de Lampião, após este assumir a chefia do grupo das mãos do comandante
Sinhô Pereira, foi flagrado em fotografia tirada por Genésio Gonçalves de Lima.
o primeiro bando de Lampião, após este assumir a chefia do grupo das mãos do comandante
Sinhô Pereira, foi flagrado em fotografia tirada por Genésio Gonçalves de Lima.
No embate romântico, o "Major" Floro posicionou-se favorável ao Dr. Severiano. A genitora da heroína de Princesa atendia pelo nome de Leonor Douetts Diniz, tendo se decidido em apoiar Marcolino na disputa pelo amor de Xandu.
As oligarquias Pereira Lima e Pereira Diniz enriqueceram principalmente com o cultivo e a comercialização do algodão, exportado para Europa e EUA, via Rio Branco (hoje Arcoverde, estado de Pernambuco), por ramal ferroviário da Great Western, através do porto de Recife (PE), pela família Pessoa de Queiroz, ricos comerciantes com origens paraibanas.
Patos de Irerê, localizado no sopé da serra do Pau Ferrado, a 18 quilômetros de Princesa, era o reduto de Marcolino Pereira Diniz, onde ele cuidava dos seus bois zebus nas fazendas Saco dos Caçulas e Manga, descansando após as labutas sertanejas em sua casa com varanda dando para o norte e para o sul.
Marcolino era filho do "Coronel" Marçal Florentino Diniz, poderoso e influente agro-pecuarista, dono da famosa fazenda Abóboras, localizada entre Serra Talhada (PE) e Triunfo (PE), a qual depois seria permutada pelo sítio Baixio com o "Coronel" José Pereira Lima, de quem era sogro e cunhado. A mãe do caboclo Marcolino, irmã do "Coronel" José Pereira, chamava-se Maria Augusta Pereira Diniz, filha do "Coronel" Marcolino Pereira Lima, natural de São João do Rio do Peixe (PB). O patriarca migrou dessa localidade paraibana em meados da segunda metade do século XIX e formou em Princesa um dos mais importantes blocos políticos que desfrutou a hegemonia política na Paraíba, principalmente após a consolidação do poder por seu filho José Pereira, quando do apoio a Epitácio Pessoa na disputa pelo senado na campanha de 1915, contra o Monsenhor Walfredo Leal.
A ênfase à homenagem a Marcolino e Xanduzinha posteriormente por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira foi referendada quando das refregas da campanha de Princesa, visto que a fim de viabilizar a mobilidade tática das tropas legalistas do governo paraibano que se empenhavam em desbaratar a todo custo a experiência desencadeada em Princesa, a qual com o apoio do Catete firmou Território Livre com absoluta autonomia, fragmentando-se durante meses do restante do estado da Paraíba, o Coronel Elísio Sobreira, comandante das forças militares a serviço do presidente João Pessoa, bem como Severino Procópio, delegado-geral do estado, além do Dr. José Américo de Almeida, Secretário de Interior e Justiça, dividiram o efetivo policial, composto se cerca de 890 homens, entre soldados e oficiais, em colunas volantes. O exército particular do "Coronel" José Pereira era estimado em mais de 1.800 combatentes, diversos desses egressos das hostes do cangaço e também da própria polícia militar paraibana, em razão de que muitos militares haviam sido incorporados à corporação pelo próprio "Coronel" José Pereira.
Assim, a Coluna Oeste, organizada pelo Tenente Ascendino Feitosa, responsável pelos trucidamentos do advogado João Dantas e do seu cunhado, o engenheiro Augusto Caldas, o primeiro assassino do presidente João Pessoa, fragmentou-se e partiu do povoado de Olho D'Água, pertencente na época ao município de Piancó (PB), onde estava aquartelado o comando geral de operações da Polícia Militar paraibana, dirigindo-se à Princesa, transitando pelos povoados de Alagoa Nova (hoje Manaíra, estado da Paraíba), São José e Patos de Irerê. Os comandos desta parcela da Coluna Oeste estavam incumbidos ao Tenente Raimundo Nonato e ao Sargento Clementino Furtado, o "Tamanduá Vermelho" das galhofas dos cangaceiros, cuja presença em Mossoró (RN) foi assinalada em 1927 após o frustrado ataque de Lampião a esta cidade potiguar.
Em Patos de Irerê, mais precisamente no dia 22 de março de 1930, aproveitando a ausência masculina, pois todos os homens estavam no front, os comandantes aprisionaram todas as mulheres que ali se encontravam, incluindo entre estas várias esposas dos combatentes de Princesa, havendo destaque a Xanduzinha.
O grupo comandado por Marcolino interceptou soldado de nome Zeferino, o qual transportava mensagem do Sargento Quelé a Severino Procópio. O delegado-geral do estado se encontrava na ocasião em Piancó, inspecionando atividades militares.
A mensagem transportada pelo soldado informava sobre o intento dos comandantes em marchar sobre Princesa com as reféns formando cordão de isolamento, espécie de escudo humano que objetivava garantir a segurança dos militares. Pensavam que, agindo assim, nenhum defensor de Princesa ousaria atirar nos combatentes do governo paraibano.
O efetivo dessa parcela da Coluna Oeste estacionada em Patos de Irerê era composta de cerca de sessenta homens. Não havia quase nenhuma diferença entre imaginários e ações cangaceiras e volantes, motivos pelos quais os soldados, com raras exceções, se portaram de forma vândala e arrogante durante a ocupação de Patos de Irerê.
Notificado com urgência acerca dos acontecimentos gravíssimos verificados na localidade, o "Coronel" José Pereira autorizou a composição de um grupo de resgate, comandado por Marcolino Pereira Diniz, intuindo libertar as prisioneiras. Na maioria eram os esposos das mulheres seqüestradas. As prisioneiras, quando da invasão da localidade, estavam se preparando para se dirigir a Triunfo (PE), a fim de buscar lugares seguros para se homiziarem.
O violento combate teve início no dia 24 de março de 1930, prolongando-se das oito horas da manhã até as dezesseis horas do mesmo dia. As forças paraibanas perderam mais da metade do efetivo, enquanto do lado oposto houve apenas uma baixa, um senhor de nome Sinhô Salviano desprezou as ordens e, inopinadamente, ficou sob a mira dos soldados atônitos com a intensidade da contra-ofensiva.
Os soldados paraibanos resistiram galhardamente, mesmo em desvantagem numérica, embora inexpressiva, embora se levando em conta o armamento obsoleto, em vista que lutavam com armas geralmente fabricadas em 1912, enquanto os princesenses brigavam com equipamento e munição novos, conseguidos através de um verdadeiro esquema de fornecimento, no qual havia desde a participação de Júlio Prestes ao Catete, passando ainda pela família Pessoa de Queiroz.
Houve gestos louváveis entre as partes envolvidas na luta, com ênfase às ações humanitárias de um soldado de nome Quintino, o qual se compadeceu com o choro persistente de fome de uma criança, filho de Sinhô Salviano, um dos mais aguerridos e corajosos lugar-tenente do "Coronel" José Pereira. O militar, mesmo no mais intenso tiroteio, passou a colocar pequenas quantidades de leite e açúcar em caixas de fósforos à porta da família sitiada.
Por parte das mulheres que foram feitas reféns também houve gestos de perdão e amor ao próximo. Xanduzinha empenhou sua palavra ao Sargento Quelé após a derrota fragorosa da parcela da Coluna Oeste, embora não tenha aceitado. Contudo, aceitou-a para os soldados feridos. O restante dos militares que escapou com vida se embrenhou em território pernambucano.
Antes da campanha de Princesa, e, principalmente, do ataque da Coluna Oeste a Patos de Irerê, Marcolino tinha os seus bois zebus, sua casa com varanda dando para o norte e paro o sul, seu paiol cheiinho de feijão e de andu, sem contar com mais uns cobres lá no fundo do baú. Seus estudos secundários foram realizados no conceituado Mackenzie, na capital paulista, cursando ainda até o terceiro ano da Faculdade de odontologia no Recife.
Homem rico, Marcolino era grande proprietário rural. Suas fazendas eram o Saco dos Caçulas e a famosa Manga, onde diversas vezes Lampião, com quem Marcolino firmou polêmica amizade, descansava dos combates. Quando Marcolino ficou prisioneiro em Triunfo (PB), após seu guarda-costa conhecido por Tocha assassinar em 30 de dezembro de 1923 o magistrado local, de nome Dr. Ulisses Wanderley, o "Coronel" Marçal Florentino Diniz recorreu aos préstimos do cangaceiro a fim de libertar o filho.
A fortuna do caboclo Marcolino ficou seriamente comprometida. O combate, mas, principalmente, a ira dos soldados, destruiu tudo. Canaviais, engenhos de rapadura, moendas, a casa, alvo das bombas "liberais", nada escapou, só restando ao orgulhoso agro-pecuarista os cheiros de Xandu, por quem se arriscou para libertar, reeditando em pleno sertão da Paraíba a saga de Menelau no ensejo da guerra de Tróia.
Xanduzinha saiu ilesa do combate, bem como as esposas dos mais importantes cabos-de-guerra a serviço do "Coronel" José Pereira, durante os turbulentos meses que assinalaram a aguerrida guerra civil paraibana.
A morena mais bela do sertão de Princesa manteve-se impávida ao lado do esposo durante a luta, e, após o término da mesma, recrudesceu a firmeza e a determinação a fim de reconstruir o que havia sido destruído durante as contendas, confirmando o que Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira imortalizaram: "Ai Xanduzinha, Xanduzinha minha flor/ como foi que você deixou tanta riqueza pelo meu amor/ ai Xanduzinha, Xanduzinha meu xodó/ eu sou pobre mas você sabe que o meu amor vale mais que ouro em pó".
Entrevistas pessoais:
SITÔNIO, Hermosa Góes. João Pessoa (PB). 25 de julho de 1989.
SITÔNIO, Zacarias. João Pessoa (PB). 25 de julho de 1989.
José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo. Professor Adjunto do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Geografia e Gestão Territorial e em Organização de Arquivos. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente.
Extraído do blog do escritor João de Sousa Lima
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