Por Rangel Alves
da Costa*
Depois de
tantos anos e de tantas alforrias supostamente concedidas, e somente Deus para
saber acerca das reais intencionalidades nas concessões e das tramas forjadas
para que as portas da liberdade fossem abertas, ainda precisamos de uma nova e
verdadeira Carta de Alforria. Não bastou libertar do jugo, da dolorosa
submissão e da chibata, eis que urgentemente necessitamos daquelas liberdades
mais amplas que nos continuam sendo negadas.
No século XX,
as cartas de alforria possibilitaram aos escravos a obtenção da liberdade,
ainda que muitas vezes continuassem escravizados até que pagassem o preço total
do documento libertador outorgado pelo seu senhor. Desse modo, alforria era o
ato pelo qual o proprietário de escravos concedia-lhes a liberdade, por reconhecimento
ou com exigência de contrapartida. E a Carta de Alforria o documento
comprobatório da abdicação do direito de propriedade do senhor sobre seu
escravo.
Neste mundo
novo, de tantas e tão apregoadas democracias e quebra de grilhões, continuamos
submetidos, escravizados e subjugados pelos senhores da vida e seus algozes, e
que são todos aqueles que nos negam a certeza da ampla e irrestrita liberdade.
E liberdade não apenas no direito de ir e vir, de manifestação do pensamento,
de não temer expressar críticas e indignações, de não ter olhos e mãos para
censurar as livres iniciativas.
E assim porque
o conceito de liberdade é muito mais amplo que aquilo geralmente apregoado.
Manifesta-se no direito que o indivíduo possui para agir segundo seu
livre-arbítrio, em respeito aos próprios anseios. O desejo humano, como algo
individual e intimista, deve sempre ser respeitado pelos demais. É preceito
constitucional nas principais cartas políticas modernas e como tal se baseia na
ideia de que a expressão humana deve estar livre de qualquer aparato inibidor.
Contudo, um direito sempre relativo, eis que as leis também cuidam das
limitações às liberdades.
De acordo com
a Declaração Universal de Direitos Humanos, a liberdade é algo inato ao ser
humano, não podendo ser separada da própria condição de existência,
considerando-se principalmente que todos os indivíduos nascem livres e não
podem nem devem ter suas ações antecipadamente julgadas. Assim, nenhum aspecto
de sua existência pode ser determinado por outro. A liberdade é então a
capacidade que tem o sujeito humano para decidir sobre si mesmo e livremente
expressar suas crenças, valores, pensamentos e ideologias.
Contudo, por
mais que se pretenda ter a liberdade como condição máxima do homem,
verdadeiramente resta pouco espaço para que a mesma possa se manifestar de modo
seguro. A expressão “desde que não ofenda direito de outro” é o primeiro
balizamento restritivo, e daí converge uma séria de limitações e proibições que
tornam o direito à liberdade numa camisa de força. Ter liberdade, porém sem
ofender direito de outrem, implica em ação que pode ser censurada não só por
outra pessoa, mas principalmente pelas instituições. E estas, no combate ao supostos
exageros da liberdade, agem com mão de ferro e amparadas pela lei.
Na verdade, é
a lei que macula a noção de liberdade. Logicamente que o indivíduo não possui
livre-arbítrio ilimitado para expressar sua vocação de homem livre, e assim
deve ser em respeito ao direito alheio, que também possui liberdade de não ser
ofendido. Mas a lei interfere de tal modo que a ação humana torna-se
circunscrita àquilo que não é proibido e não é ilegal. Quer dizer, a liberdade
é sempre vigiada, combatida, pressionada, julgada e quase sempre proibida
quando os manifestos de indignações confrontam os interesses do poder.
Não se defende
aqui que a liberdade seja caminho para badernas, vandalismos, ataques gratuitos
às honras alheias, ameaças aos poderes instituídos. Também não se defende aqui
que a liberdade seja ilimitada sob a justificativa de ser um direito intrínseco
ao ser humano. Ora, toda a sociedade precisa ser mantida na ordem e em
obediência a um estado de direito, mas não se deve aceitar que o judiciário e
os governantes, através de seus agentes repressores, pretendam se imiscuir de
tal modo que o conceito de liberdade perca toda e qualquer eficácia social.
Daí
precisarmos urgentemente de uma nova Carta de Alforria que não somente nos
garanta que os retrocessos então verificados não signifiquem uma nova forma de
escravização social, como também um salvo conduto para que o homem possa agir
sem imposições de amarras. E possa livremente agir sem que as leis sejam
intencionalmente transgredidas para lhe prejudicar.
E também uma
Carta de Alforria que garanta uma liberdade com respeito dos governantes, que
não seja proibido ao indivíduo ficar doente por falta de médico, que não seja
proibido ao sujeito estudar em escola pública de qualidade e ter uma educação
verdadeiramente para o alcance das grandes liberdades. Não adianta alforriar e
manter o liberto no desemprego e na eterna submissão às esmolas governamentais.
Alforria que conduza à plena libertação através do trabalho digno, não para
manter a pobreza no jugo da escravização eleitoral.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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