Por Plínio Bortolotti
Aderbal
Nogueira, Manoel Severo, Plínio Bortolotti e Marisa
Esta postagem
é a sexta história sobre o cangaço que reproduzo do livro “No tempo de
Lampião”, de Leonardo Mota [1891-1948 ], cearense de Pedra Branca que
dedicou-se a pesquisar as coisas do sertão nordestino.
O troféu
"Zé
Pinheiro, o celebérrimo facínora que tão sinistramente se afamou na sedição de
Juazeiro contra o Presidente cearense Franco Rabelo, era um cangaceiro
perversíssimo, ajutor de dezenas de homicídios bárbaros.
O cangaceiro Antonio Silvino
O seu renome se fez no
período que mediou entre o alumbramento da estrela de Antônio Silvino e o
fulgor infernal da triste glória de Lampião.
Conheci-o pessoalmente em
abril de 1914, quando a jagunçada do Padre Cícero passava pela cidade de
Quixadá. Acabou martirizado nos sertões alagoanos por uns rapazes, cujo pai
fora por ele assassinado. Essa vingança foi terrível: convenientemente amarrado,
não lhe deram pancadas nem tiros – esfolaram-no vivo, suplício que o bandido
suportou, rilhando os dentes e sem a humilhação de inútil pedido de
misericórdia.
Leonardo Mota
Quando Zé
Pinheiro morava nos domínios do Padre Cícero, vivia também, a esse tempo, em
Juazeiro, o Antônio Godê, outro cangaceiro famoso. O Godê era mais valente que
o Zé Pinheiro; este tinha apenas mais perversidade. Incomodado com a fama
do rival, Zé Pinheiro brabateou, um dia, que ainda havia de mostrar ao Godê
quem dos dois era o homem mais homem. A ameaça chegou aos ouvidos do Antônio
Godê que, sem dizer palavra, saiu ao encontro daquele que assim jurara
despachá-lo, antes de tempo, deste para o outro mundo. Encontrou-o a beber
cachaça e contar proezas, num quarto de feira. Aproximou-se, bateu-lhe
levemente no ombro e pediu em tom camaradesco:
- Zé Pinheiro,
meu cabôco, deixa eu ver aí a fralda de tua camisa!
- Que negócio
é este, Antônio Godê
- Nada. É uma
brincadeira, é uma caçoada que eu quero te ensinar…
E, dando o
exemplo, pôs para fora das calças a camisa. Zé Pinheiro fez o mesmo e o Godê,
dando forte nó com ambas as peças de roupa, falou, noutro tom:
- Agora que
nós estamos amarrados um no outro e nenhum de nós pode correr, bata mão à sua
faca, cabra severgonho, que chegou a hora de se decidir quem de nós dois é home
mais home!
E já empunhando a sua pajeuzeira, deu vários panos no peito e no rosto do
bandido acovardado, que não teve coragem de sacar o punhal e se desmanchou em
desculpas e protestos de amizade. Cansado de o provocar, Antônio Godê falou,
com desprezo:
- Eu não te
mato, mundiça, porque cabra frouxo como tu, um home como eu inzempla é assim
como eu fiz agora. Mas, olha: tu larga meu nome de mão, deixa de paleio com
minha vida, senão eu te arranco o coração pelas costas! Tu cuida que eu sou o
negro Quintino, que se o Padre Ciço não chega tão depressa, tu tinha comido a
língua do cadáver dele crua e com cachaça?
E pôr termo à
estranha xifopagia, cortando com certeiro golpe de faca a união que
ardilosamente conseguira para o duelo mortal. Mas, cortando como? Por
derradeiro escárnio, cortando do lado da camisa do Zé Pinheiro e pondo para
dentro das calças, como troféu, o nó cego que fizera…"
Leonardo Motta
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