Por Rangel Alves
da Costa*
Cabe a você
acreditar ou não, mas dizem que um turista português, após fotografar a
Catedral Metropolitana de Aracaju de todos os ângulos, adentrou no templo para
fazer outros registros, apreciar as imagens sacras, as pinturas, os aspectos
arquitetônicos e logicamente obter algumas informações históricas. Estava
fotografando numa das laterais quando foi passando uma beata já muito
envelhecida, andando com ajuda de uma bengala e com um livro de rezas na outra
mão.
Diante do
turista maravilhado, a beata cumprimentou-o com um sorriso e depois disse:
“Bonita, não é?”. E o homem do Porto prontamente respondeu: “Sim, muita bonita
essa catedral, mas de arquitetura um tanto indefinida, vez que ao longe nos
parece um estilo neoclássico ou mesmo gótico, mas a aproximação nos revela que
as formas foram, na sua maioria, pintadas com nuances de relevo para dar
impressão de verdadeiras intervenções arquitetônicas. Mas não deixa de ser
belíssima...”.
“Mas isso não
é nada. Na época que foi construída não dava mesmo para copiar um estilo
europeu, vez que os europeus aqui chegaram muito tempo depois de ter sido
erguida”, acrescentou a beata. Surpreso com a informação, o turista disse que
não estava entendendo o fato de a catedral haver sido erguida antes mesmo da
chegada dos europeus. Então a informante ajuntou: “Isso mesmo, pode acreditar.
Quando os europeus aqui chegaram se arvorando de descobrimento, essa catedral,
essa mesma que agora você admira, já havia sido construída há no mínimo cem
anos. Quer dizer, esse templo foi levantado, com esse mesmo tamanho que tem
hoje, por volta do ano 1400. Um pouco menos do que isso...”.
O português
arregalou os olhos, espantado com o relato da velhinha. Mas esta continuou:
“Essa catedral foi construída a mando do deus Acaragipe, que era a entidade
superior do povo Seragipe, uma tribo indígena que habitava as margens dessa
região desde os tempos imemoriais. Por ordem do grande abençoado Cajuará, que
depois se tornou o primeiro pregador desse templo, a tribo inteira trabalhou
noite e dia para levantar tudo isso que agora você fotografa. Portanto, quando
os europeus aqui chegaram em 1500, desde mais de cem anos que o povo Seragipe
já tinha sua catedral e tendo como pregador o grande abençoado Cajuará. Que,
aliás, pregou naquele altar por mais de quatrocentos anos...”.
“Quatrocentos
anos? Com mil perdões, mas a senhora quis dizer que alguém pregou naquele altar
durante mais de quatrocentos anos? Desculpe-me, mas creio que a senhora deve
estar equivocada, pois impossível que isso tenha acontecido, pois no mundo dos
homens a pessoa não chega nem a cento e cinquenta anos, e a senhora agora
informa que o grande abençoado Cajuará pregou por mais de quatrocentos anos. E
quantos anos ele viveu?”.
“Tenho certeza
que mais de quinhentos anos. E digo com certeza porque o conheci, e desde sua
juventude...”. A beata não conseguiu prosseguir porque o turista, completamente
espantado com mais aquela revelação absurda, tirou-lhe a palavra da boca para
dizer: “Então a senhora quer dizer que conheceu o grande abençoado que viveu
mais de quinhentos anos, então quantos anos deve carregar esse velho corpo?”.
E a beata
informante não deixou o português sem resposta: “Quantos anos acha que devo
ter? Mas isso não importa agora, pois falaremos disso depois, mas a verdade é
que, e lembro como se fosse hoje, o grande Cajuará partiu dessa pra melhor,
ainda com feição de jovem, após terminar a celebração do Ara-pagaio, que era a
data mais importante da religiosidade Seragipe. Coitado, morreu após uma visão
que teve ao sair naquela porta principal. Assim que colocou o pé do lado de
fora viu diante de si uma coisa terrível: Um rio de sangue levando um povo
indígena comandado por um tal de Cacique Serigy, todos massacrados pelas
bestialidades de uns homens brancos que vinha atrás em vorazes embarcações.
Depois disso, dessa terrível visão, o grande abençoado Cajuará foi afinando,
afinando, até se transformar numa frágil chama de vela. E que situação difícil
depois para o seu povo, pois...”.
“Pois o que?
Já que chegou até aí diga logo, termine logo essa história sem pé nem cabeça”,
foi o que conseguiu dizer o apalermado portuga. E a velha beata continuou:
“Aflição do povo Seragipe porque o seu líder implorava que alguém soprasse logo
aquela chama fraquinha de vela. Só que bastava um sopro e o grande abençoado
morreria de vez. Por isso mesmo ninguém queria dar aquele sopro e levar para o
resto da vida o remorso do acontecido. Mas, enfim, a mim coube dar um desfecho
final àquela nobre vida...”. “Mas a senhora matou o homem, matou o grande
abençoado?”, indagou quase aos gritos o assustado turista. “Não, pois apenas
abri a janela para o vento entrar. E o vento soprou, apagou a chama, apagou a
vida...”.
A beata
lacrimejou ao relatar tal desfecho. O coitado do portuga, sem saber o que
fazer, tencionou apenas se despedir da velhinha e correr para tomar um ar
fresco na Praça Teófilo Dantas. Precisava fazer isso, pois aquela história o
havia transtornado. Mas antes mesmo que se despedisse viu que alguém lhe
acenava ao lado. Era outra velhinha. Imediatamente foi saber o que desejava.
Então a mulher segredou-lhe: “Se Dona Ará lhe contou algo sobre a construção
dessa catedral não acredite não. Ela tá caduca, meio desmiolada. Pois quem
construiu essa catedral não foi quem ela diz não, mas sim Moisés enquanto
peregrinava rumo a Terra Prometida”.
Ao ouvir essa
última, o turista correu e se jogou perante o altar, implorando a Deus que não
lhe permitisse enlouquecer tão longe de casa.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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