A
ex-cangaceira Aristéia Soares de Lima, que nasceu em 23 de junho de 1916,
recebeu a reportagem do jornal Folha Sertaneja, levada pelo escritor João de
Souza Lima, na casa do seu filho, no Jardim Cordeiro, no lado alagoano do Rio
São Francisco, logo após a Ponte D. Pedro II.
Sempre alegre,
sorridente, contas histórias dos tempos em que viveu no Bando de Moreno e da
sua grande amizade com Durvalina, a cangaceira Durvinha, sua mulher.
Folha
Sertaneja: Onde a senhora nasceu, D. Aristéia?
Aristéia -
Nasci em Lajeiro do Boi, em Capiá da Igrejinha, em Canapi – Alagoas.
Folha
Sertaneja – Porque virou cangaceira?
Aristéia -
Entrei nessa vida porque ou a gente corria ou o cacete comia. A vida da polícia
era matar o povo, esbagaçar com tudo. Nós sofremos muito por causa da polícia,
meu pai apanhou tanto. Até morrer, meu irmão viveu com uma orelha faltando um
pedaço de uma coronhada de mosquetão dado por um soldado. A polícia perseguia a
gente que só o diabo. Eu vivia correndo com medo da polícia, me escondendo na
caatinga, fui pra casa de uma tia lá dentro da caatinga. Óia, nós sofremos
muito.
Folha
Sertaneja – Aí, resolveu entrar pro cangaço...
Aristéia –
Foi. Pro bando de Moreno.
Folha
Sertaneja/João – No tempo em que estava nesse bando, tinha outras mulheres?
Aristéia – Só
era eu, Durvinha e outra mulher, Quitéria, filha de Zé Demézio lá do Barro
Branco.
Folha
Sertaneja – E esse bando tinha quantas pessoas?
Aristéia –
Seis ou sete depois ficamos sós nós quatro. Mreno, eu, Durvinha e Cruzeiro.
Folha
Sertaneja – Como era a amizade do povo no bando. Sua amizade com Durvalina?
Aristéia –
Durvinha, eita! (suspiro) A Durvalina era boa com a gente! Seja ela pra Jesus
Cristo!
Folha
Sertaneja/João – As fotos que Benjamin Abrahão fez de Lampião foram perto da
roça do seu pai. A senhora conheceu Benjamin?
Aristéia – Ele
andava lá na casa de uma velha, mãe de Otacília e a bicha tinha uma vontade tão
grande que ele se casasse com ela. Mas oh bicho feio. Andava com uma bolsinha,
uma atiracolo, assim de lado. Eu me lembro da bolsinha dele. Quando ele ia
dormir lá não era pra ir nem lá na casa nem pra casa do meu tio. Não era pra
andar de jeito nenhum. Ela tinha um ciúme danado, pra fia casar com ele. Mas
logo, logo, mataram o Benjamin em Pau Ferro.
Folha
Sertaneja – A senhora conheceu Lampião ou tinha vontade de conhecer?
Aristéia – Não
conheci, nem nunca tive vontade de ver ele. Nenhum pingo de vontade.
Folha
Sertaneja – A senhora também não conheceu Maria Bonita?
Aristéia – Não
senhor, eu vi ela ali no retrato mas não achei essa boniteza demais não. A
Durvinha era em primeiro lugar mais bonita das que eu todinhas. E vi Neném,
mulher de Português, a de Pancada, que era doida, Dada, de Corisco, Nacinha de
Gato...
Folha
Sertaneja/João – A senhora estava na hora do tiroteio em que Cícero Garrincha
foi baleado?
Aristéia –
'Tava, tava eu e um rebanho e nós corremos. Moreno foi quem ficou danado
atirando. Nós corremos pra bem longe e ele caminhou muito. Quando já tava
escuro ele caiu e ficou gemendo e pedindo água mas onde é que a gente ia buscar
água pelo amor de Deus? Aí Durvinha tinha um frasco de água de cheiro e botava
um pouco na boca dele mas ele logo morreu.
Folha
Sertaneja – A senhora chegou a ser presa?
Aristéia – Não
senhor. Eu fiquei debaixo de ordem, no mês de Maio. Em Julho, mataram Lampião.
Folha
Sertaneja/João – E como foi que a senhora saiu do cangaço?
Aristéia –
Porque mataram os do grupo que tava comigo aí Moreno disse: Quer ir embora? Eu
disse: Quero. Aí ele disse – Vá embora com Deus e Nossa Senhora pra onde tá sua
família. A minha família era em Santana, Campo Grande. Aí, eu fui embora. 'Tô
morando há 4 anos aqui, com meu filho, netos, já tenho uma tataraneta mas sinto
muita saudade da minha casinha lá no Capiá e de vez em quando eu vou lá.
(LEIA:
"Moreno e Durvinha – Sangue, amor e fuga no cangaço" – João de Souza
Lima – Editora Fonte Viva – Paulo Afonso-BA – 2007)
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