Por Rangel Alves
da Costa*
Uma imagem,
uma feição, uma presença que não sai da memória: Alcino, de havaiana nos pés,
caminhando pelas ruas de seu Poço Redondo; Alcino, ao entardecer, sentado na
praça de seu Poço Redondo; Alcino, com um livro à mão ou manuscrito por ele
mesmo esboçado, recebendo amigos no seu Poço Redondo.
Alcino
cantarolando baixinho a Tristeza do Jeca: “Nestes verso tão singelos, minha
bela, meu amor, pra você quero contar o meu sofrer e a minha dor. Eu sou que
nem sabiá, quando canta é só tristeza desde o galho onde ele está. Nesta viola
eu canto e gemo de verdade, cada toada representa uma saudade...”.
E também o
Alcino do sertão inteiro, da imensidão nordestina. Alcino de suas brenhas
matutas e também do mundo. Alcino da viola caipira, de Tonico e Tinoco, do seu
“Sertão, viola e amor”, da voz ecoando pelo rádio a dolência do verdadeiro
canto sertanejo. E falando do presente com uma saudade imensa do sertão antigo.
Alcino no
passo de Lampião e Maria Bonita e de toda cangaceirada, nas veredas das
histórias tantas de coiteiros, coronéis, jagunços, beatos, missionários,
fanáticos, sertanejos valentes. Ele que fez da história nordestina uma razão de
viver e da saga lampiônica um prazer de compartilhar.
Alcino que
quando jovem, moço tecendo segredos com luas e janelas, colocava sua radiola à
pilha no banco da pracinha e chegava à madrugada ouvindo velhas e apaixonadas
canções caipiras. E ele mesmo um caipira apaixonado pela terra, pela vida em
meio a um povo simples e humilde quanto ele.
Alcino que
quando prefeito tornou sua Poço Redondo num jardim florido, construiu praças
para o convívio sertanejo e nelas espalhou bancos confortáveis para os
enamorados. E tanto fez pelo seu rincão. Havia uma fonte luminosa que mais
parecia outra lua sertaneja encantando o povo em admiração.
Alcino que fez
chegar ao sertão o que de melhor havia no forró nordestino. De uma vez só, num
festejo de fim de ano, reuniu num só palco de caminhão Elino Julião, Pedro
Sertanejo, Gerson Filho e Clemilda, João do Pife, Abdias, Messias Holanda e
tantos outros. E mais tarde o Trio Nordestino chegaria a Poço Redondo.
Alcino o
apaixonado pelo sertão e sua gente, o fascinado pela sua história, causos e
proseados. Um bandeirante em busca do tesouro histórico, um garimpeiro cavando
as reminiscências, um andante em busca das raízes primeiras, da grandiosa saga.
E depois tudo revelado como a história do sertanejo.
Alcino o
pesquisador, o questionador, o incansável homem em busca de respostas. E foi
catando grão a grão, juntando semente a semente, que legou à história uma
contribuição inestimável. Foi, indubitavelmente, um dos mais respeitados
estudiosos do cangaço e seus livros ainda hoje servem como referência
obrigatória para o estudo do tema.
Alcino, o
filho de Seu Ermerindo e Dona Emeliana, nascido em 1940 debaixo do sol que
tanto amou e da lua que tanto abraçou. Alcino, o pai de imensa prole e irmão de
uma infinidade de gente, pois todos os sertanejos como seus irmãos.
Alcino o poeta
da vida agrestina, dos amores matutos e da singeleza cabocla. O compositor do
Velho Chico, da natureza, de toda inspiração sertaneja. O pesquisador, o homem
amigo de ex-cangaceiros e coiteiros. O escritor da saga do homem e da terra,
das lutas e das inglórias. O radialista nas tardes de sábado na Rádio Xingó.
Alcino, o deslumbrado pela história de Zé de Julião, do seu tio Zabelê, do
cangaço e principalmente Lampião.
Alcino, aquele
nos deixou há precisamente dois anos, eis que neste sábado, 1º de novembro,
completam dois anos do seu falecimento, ocorrido no início da noite da mesma
data, em 2012, aos 72 anos, na capital sergipana, após uma enfermidade que não
deu mais trégua.
E se vivo
estivesse certamente que logo mais, na tarde deste sábado, as janelas
sertanejas se abririam para que os radinhos melhor ecoassem a sua voz no
“Sertão, viola e amor”. Mas já são dois anos sem a sua voz, sem a sua poesia
matuta. Mas jamais estará ausente. Sua presença será sempre sentida e assim se
eternizará pelos rincões sertanejos.
Lá no alto, no
sertão florido do firmamento, sob inspiração divina, escrevendo um poema para
Dona Peta. Assim a vida meus pais, assim também a eternidade...
Poeta e
cronista
http://blograngel-sertao.blogspot.com.br/2014/11/dois-anos-sem-alcino-ainda-que-seja.html
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