Seguidores

domingo, 25 de janeiro de 2015

“O GLOBO” – 26/06/1957 - PARTE IV

Material do acervo do pesquisador Antonio Corrêa Sobrinho

COMUNICAÇÃO COM AUTORIDADES PERNAMBUCANAS

O coronel João Bezerra relata, adiante:

- O subdelegado demonstrou, então, que já tinha estabelecido contato com os cangaceiros, naquele dia. Compreendendo que eles se achavam perto, talvez escondidos pelo próprio subdelegado e temeroso de argui-lo sozinho, porque no “aperto” ele poderia morrer, daí surgindo más consequências e aborrecimentos entre unidades federadas, resolvi telegrafar ao Comandante Optato Gueiros, que se encontrava em Águas Belas, nos seguintes termos: “Venha urgente para tratarmos do plano para a campanha, pois, desta feita, obteremos os melhores resultados de toda a ofensiva contra o banditismo”. Não quis ser mais explícito, visto como, naquela época, os telegrafistas eram quem mais prevenia os cangaceiros. Obtive, pouco depois, a resposta que transcrevo: “Deixo de atender ao vosso chamado, por motivo de os veículos se acharem em reparos. Opino, entretanto, por uma batida nas caatingas dos Guaribas”. Diante do exposto, deliberei pegar o subdelegado, desse no que desse. Mandei buscá-lo, mas ele se evadira, ganhando o mato. Esperei mais três dias, mas ele não regressou.

TENTANDO DESPISTAR

- Aproveitei a boa vontade do sargento Domingos Cururu e ordenei-lhe que, regressando o subdelegado, ele lhe batesse duro. Retirei-me, pois com a minha presença ele não tornaria. Segui, então, para Águas Belas, onde o comandante Optato Gueiros me aguardava. Lá, trocamos ideias a respeito da questão em lide, tendo eu rumado, a seguir, para Santana, a fim de prestar contas da diligência de quatorze dias ao coronel Lucena, de quem obtive oito dias para descansar. Transcorrido esse período, fui cientificado pelo próprio coronel Lucena, comandante-chefe das tropas volantes com sede em Santana, de que circulavam boatos segundo os quais Lampião atravessara a fronteira de Pernambuco, entrando em Alagoas, pela zona de Pilão do Gado, já município de Mata Grande. Tocando num lugarejo circunvizinho, tomou umas cargas de rapadura dos matutos, fazendo com que estes o ouvissem anunciar que ia direto a Moxotó. Compreendi logo que era justamente o contrário, pensando o coronel Lucena como eu.

NO COMANDO DA TROPA

- Segui imediatamente com a tropa, tendo convidado, por telegrama, o coronel Lucena, a fim de nos juntarmos no Barro Branco. Acertamos aí o esquema da ação policial, com o coronel Lucena passando-me o comando de toda a tropa em manobra, determinando, ainda, que eu fosse para Mata Grande com o aspirante Ferreira, que ele, três dias após, iria levar nossos vencimentos e ultimar providências porventura não assentadas até àquele instante. Vencido o prazo, chegando o coronel Lucena ao local, eu já havia ordenado as buscas em Moxotó, verificando-se a existência de vestígio de bandidos na região. Combinei com o mesmo coronel Lucena telegrafar ao comandante Optato Gueiros, em Aguas Belas, chamando-o a Maravilha, com o objetivo de acertarmos o envio de tropa pernambucana para Moxotó, enquanto eu pegaria a pista da “gang” de Lampião, para saber o local em que se havia homiziado. Providenciei a mudança de comando da tropa em Mata Grande, deixando elementos de minha absoluta confiança sob a liderança do então sargento Aniceto, segui ribeira abaixo, onde, com quatro léguas, peguei a pista, deixando-os na Serra da Cachoeira, entre Pão de Açúcar e Piranhas.

APROXIMANDO-SE DO GRUPO

O coronel João Bezerra sorve rapidamente um cafezinho, assiná-la que as minúcias que nos está dando nunca foram antes enunciadas, e ajunta:

- Verifiquei, então, que no rumo por eles escolhido iriam diretamente à Serra do São Francisco, que estava próxima, às margens do rio do mesmo nome. Propus-me demandar Piranhas, objetivando abastecer a tropa e, como era dia de feira, estudar psicologicamente a fisionomia de cada um dos coiteiros que por ali aparecessem, o que foi feito com precisão.

POR TRÁS DOS ÓCULOS ESCUROS

- Na ocasião em que o mercado estava reunido, sentei-me em uma cadeira de loja cujo dono era o maior coiteiro da zona, do lugar onde desembocavam os caminhos vindos das caatingas onde se achavam os bandidos. Eu usava óculos escuros, para esconder minhas reações. Elementos procedentes daquelas bandas – aproximadamente uns vinte – quando batiam com os olhos em mim passava no intimo de cada um deles, fui ao telégrafo e passei um telegrama a mim mesmo, assim redigido: “Tenente João Bezerra. Piranhas, venha urgente. Lampião está com todo o grupo em Moxotó. Capitão Elpídio. Delegado de Policia”. O despacho fora feito falsamente como sendo de Mata Grande. Com isso, visava a bigodear os coiteiros e verificar a sua reação. Entreguei o documento ao estafeta, depois de carimbado, e retornei à minha cadeira.

O coronel João Bezerra faz um parêntesis para sublinhar:

- Eu nunca disse essas coisas a nenhum repórter.

Agradecemos a deferência e ele narra:

- Chegou o estafeta, entregou o telegrama e passei o recibo. Comentei, então, em tom provocativo: “Cangaceiro não é qualidade de gente!” Li, a seguir, o telegrama em voz alta e grande número de coiteiros se acercou para ouvir-me melhor. Através dos óculos escuros, vi que eles estavam mangando de mim...

COM A NOTA DE LAMPIÃO NO BOLSO

O coronel João Bezerra toma o quarto cafezinho da entrevista, que foi escrita entre 19h10m e 23h20m, e descreve:

- Assim foi que o notório coiteiro Pedro de Cândido, que viera fazer feira para o próprio grupo, foi quem mais me olhou e mais riu, uma vez que se achava com a nota da despesa de Lampião no bolso e Cr$ 2 500,00 em espécie, quantia essa pertencente ao bandido. Depois de lido o despacho, mandei tocar “reunir”, embarquei a tropa num caminhão e propalei que me dirigia a Moxotó, onde consoante o telegrama, se achavam os cangaceiros.

A VOLTA INESPERADA (Para os Coiteiros)

Dezenove anos passados, o coronel João Bezerra parece feliz com sua estratégia. Sorri com certo entono ao referi-la:

- Chegando a Pedra, estacionei, aguardando a noite para voltar, o que fiz, reforçando a tropa. Às 18h30m, eu estava em Piranhas, onde, evidentemente, ninguém me esperava. Os meus agentes tinham notícias mais frescas, declarando-me que o Pedro de Cândido há três dias havia passado na beira da roça de um cidadão, nas caatingas, com duas bandas de bode nas costas, rumo à Serra de São Francisco, onde eu suspeitava achar-se o grupo.

PRENDER PEDRO DE CÂNDIDO, EIS A QUESTÃO

- Inferi logo que, detendo Pedro de Cândido, estaria tudo resolvido, o que logrei às 2 horas da madrugada. Com três canoas pequenas, atreladas umas às outras, por não dispor de canoa grande, e sob os maiores perigos de naufrágio, cheguei ao local de nome Remanso, distante do povoado de Entremontes, onde morava o coiteiro. Mandei bater na porta e fazer o sinal de tropa, dizendo-lhe que eu queria falar-lhe. Pedro de Cândido, ao ver o miliciano, apavorou-se, conseguindo ludibriá-lo. Deixou de comparecer, pretextando que um boiadeiro da Bahia poderia descobrir que ele estava tendo entendimento com a milícia estadual e isto lhe seria fatal.

SINAL DE CANGACEIRO ABRE A PORTA DE COITEIRO

- Indignei-me com a recusa e determinei ao soldado insistisse, trazendo Pedro de Cândido de qualquer maneira, ainda mesmo disparando-lhe o parabélum, o que foi cumprido dentro de dez minutos, comparecendo Pedro de Cândido à minha presença. O soldado usou de estratégia, fazendo o sinal de cangaceiro, o que levou Pedro de Cândido a abrir a porta da frente, quando já se aprestava a fugir pela de trás. Ao ver, então, o soldado, exclamou: “Você voltou para me matar?” Ao que o praça retrucou: “O tenente me ordenou que, se não pudesse trazê-lo, eu o matasse, aqui mesmo”. Pedro de Cândido resolveu comparecer.

BEM PERTO DOS MALFEITORES

- De posse desse achado, peguei Pedro de Cândido na abertura da camisa e, com pequeno gesto com o joelho, o coiteiro caiu ao chão. Fiz-lhe, na oportunidade, um susto gostoso, puxando o punhal e colocando-o abaixo de sua costela mindinha. Perguntei-lhe se estava disposto a mostrar os assaltantes. Ele concordou, contando-me, ainda, a mangação que fizera, supondo que eu estava, mesmo, em Moxotó. E, sem mais preâmbulos, atravessamos o rio na mesma embarcação, sem rumor, pois estávamos bem perto do grupo.

UM “INTERMEZZO” SENTIMENTAL

Casa de dona Guilhermina mãe de Pedro de Cândido

- Quando saltamos do barco, Pedro de Cândido me requereu, em prantos, que eu assentisse em que ele fosse tomar a benção à sua mãe, cuja residência era ali próximo, como apontou com o dedo. Consenti. O aspirante Ferreira e eu o acompanhamos de perto, enquanto as minhas forças gozavam uma trégua. Eram 3 horas da madrugada e chovia torrencialmente. Ao passar por debaixo de duas quixabeiras frondosas, nas proximidades do domicílio, Pedro de Cândido parou repentinamente e assinalou: “Seu tenente, o senhor deveria ter trazido mais soldados. Cangaceiro é a peste! Talvez a minha casa esteja cheinha deles”. Revoltei-me: “Por que não me advertiu antes, miserável, mas só agora?”

UM ALVO BRANCO SE RECORTA NO NEGRUME DA NOITE

A expectativa dos que ouvem as palavras do coronel João Bezerra é inocultável. Ele, porém, não denota qualquer exaltação:


- Nesse momento, ordenei ao aspirante que destravasse a metralhadora e se colocasse atrás da residência. Quanto a mim, coloquei o pente de cinquenta tiros na minha metralhadora possante e recomendei a Pedro de Cândido que batesse na porta, fazendo o sinal de cangaceiro, e chamasse o irmão. O irmão respondeu logo: “Pedro?” E este: “Venha cá!” Imediatamente, abriu-se a porta e o irmão de Pedro de Cândido saiu com uma camisa muito branca, que se recortava bem na escuridão. Olhou bem pertinho da minha cara e espantou-se: “Uai! Já está aqui?” Ao que Pedro de Cândido aconselhou: “Meu irmão, conte logo tudo, que nós vamos morrer por causa dos cangaceiros e eu já sofri o diabo”.

CONTINUA...
“O GLOBO” – 26/06/1957

Fonte: facebook
Página: Antonio Corrêa Sobrinho

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário