Por Iderval Tenório
Era noite do
dia 23 de junho de 1928, o estrategista desconhecido chegou sorrateiramente e
sem nenhuma dúvida ou remorso metralhou toda uma família de dezoito componentes,
do mais velho ao mais novo dos Pereiras e alguns serviçais, vasculhou todos os
aposentos, conferiu cada um dos corpos, montou no seu alazão, arrumou a sua
geringonça noutro animal e sumiu estrada afora...
No nascer do
sol os caseiros da fazenda, que moravam nos recantos mais distantes da sede,
jamais imaginariam , que aqueles estrondos de bombas de artifícios juninos
fossem balas da mais afamada metralhadora nordestina, apelidada de costureira,
dizimando toda a família patronal, o autor não deixou pistas, não deixou um
único rastro da autoria do crime, em nada mexeu, a mesa continuo posta,
cadeiras caídas no chão, sangue salpicados nas paredes, alguns corpos
debruçados sobre a mesa, animais domésticos circulando pelo ambiente à procura
de restos, panelas no fogão a lenha, algumas com os alimentos esturricados,
todos os potes e barricas aos cacos, água ensopando os corpos e estes com
vários orifícios transpassando os tórax na altura dos peitos, todos, todos sem
vida.
Na Serra do
Araripe, não ficou um só cristão que não tomasse conhecimento da fatídica
tragédia, quem era aquele forasteiro, porque aniquilou toda uma família que até
aqueles dias se mostrava pacata, trabalhadora e honesta, não se conheciam
inimigos num raio de 50 quilômetros, os Pereiras eram respeitados naquela
redondeza, era o ano de 1928,
Lampião e o seu bando, já se encontravam pelos
lados da Bahia, naquele arrebol já reinava a paz, muitos núcleos familiares se
expandiam com os casamentos consanguíneos e moravam em casas equidistantes desde
quando uma avistasse a frente, a lateral e a saída da outra, era uma maneira de
um proteger o outro. A dúvida tomou conta da pequena população, quem foi o
forasteiro que cometeu tão sanguinário crime.
Os familiares
distantes apareceram, os corpos foram contados, muitos não possuíam documentos,
os serviçais só tinham apelidos, todos foram sepultados em covas rasas
enfileiradas nos aceiros da velha estrada, fincado uma cruz na cabeceira de
cada monte de terra, primeiro o chefe, depois os outros por ordem de
importância. A polícia foi informada, compareceu timidamente e pelo pequeno
contingente três soldados, dois cabos, um sargento, pouca munição e seis mulas
esquálidas foi a primeira a fugir com receio de ser atacada de surpresa pelo o
assassino ou os assassinos dos Pereiras, nunca mais apareceu ou tomou
conhecimento dos fatos.
A sede da
Fazenda ficou abandonada por pouco tempo, os moradores mais antigos aos poucos
foram se acostumando com o acontecido, os parentes mais distantes voltaram para
os seus distritos, ficando apenas as indagações sobre o horrendo crime, quem
teria motivos para tal desventura, roubo não foi, só poderia ter sido vingança,
a melhor maneira de cobrar dos desafetos os males cometidos em datas
anteriores, só poderia ser vingança, não haveria outra explicação, só poderia
ser vingança.
O PASSADO...
Conta o velho
Malaquias dos altos dos seus 90 anos, que tempos atrás, lá pelos meados de
1871, quando um jovem padre de 27 anos de idade assumiu a capela do povoado
Tabuleiro Grande no Sul do Ceará, hoje Juazeiro do Norte, duas famílias de
Alagoanos foram morar nesta região para ajudar este jovem missionário. Com as
duas famílias completas, o jovem Padre aconselhou aos amiguinhos que fossem
morar na Serra do Araripe plantar feijão de pau, conhecido como o serial ANDÚ
muito apreciado naquele mundo. As famílias se deslocaram e começaram a habitar
a mesma gleba de terra por manterem parentesco , viviam em paz até o dia em
que, o governo de Pernambuco resolveu legalizar a posse e criar uma escritura, houve
desentendimento entre os líderes de cada família e numa noite escura do dia 23
de junho de 1897, ano em nasceu Virgulino Ferreira Lampião, uma das famílias
aniquilou todos os componentes adultos da outra família, todavia, cometeu um
grande pecado, não vistoriou todos os aposentos da pequena casa e lá deixou
vivo um criança de 09 meses que engatinhava por debaixo da cama do infeliz
casal aniquilado.
A criança sem pais,
sem parentes foi assumida por tropeiros, que cruzavam a velha serra
Pernambucana com destino à mais nova vila Nordestina no sul do Ceará, a famosa
vila do Juazeiro que crescia com muitos fanáticos religiosos devido o milagre
da Beata Maria de Araújo em 1889, quando na comunhão, a hóstia saída das mãos
do Padre Cícero se transformava em sangue e derramava-se pelos cantos da boca
da jovem negra e beata de 28 anos de idade. A criança foi criada no mais
diferente mundo que deveria ser criado, não tinha paradeiros, não tinha
endereço fixo e à proporção que crescia tomava conhecimento da grande chacina
que aniquilou uma determinada família, no topo da Serra do Araripe no idos de
1897, a criança cresceu, virou homem. Naquela redondeza não se conhecia o seu
destino ou paradeiro. A família que cometera a esquecida e distante chacina se
encontrava bem instalada e próspera no cume daquela abençoada Serra, o cangaço
que reinava na região estava em baixa devido acordos feitos pelos governadores
da época dando total poderes à polícia a entrar no território do outro à caça
de qualquer desordeiro. Grassava no arrebol o sentimento de congraçamento e
descontração devido o grande número de parentes casados entre si, existia
calmaria.
A VINGANÇA...
O Jovem morava
num pequeno sítio distrito da então e próspera cidade de Juazeiro do Norte,
conhecia muito bem a grande Chapada do Araripe, divisa do Ceará com Pernambuco,
celeiro fóssil das Américas, hoje fazendo parte do Geoparque do Araripe.
O jovem
procurou se familiarizar com os moradores do distrito, aos poucos foi mapeando
o fatídico acontecimento de 1897 e localizando os familiares que junto com os
seus pais se mudaram para a velha serra a pedido do jovem padre em 1871, ficou
claro e ciente de cada componente, colheu a história da época, como mercante
compareceu à sede da fazenda e conheceu cada membro. Voltou aos seus afazeres
de almocreve e numa noite de são João , quando os fogos de artifícios pipocavam
nos ares da silenciosa serra, o jovem estrategista, na sorrelfa executou o seu
vingativo e mirabolante plano, eliminando de uma só vez todos os descendentes
dos criminosos da noite de São João do século passado , tomando o cuidado de
vistoriar exaustivamente todos os aposentos, todos os ambientes e arredores
para não cometer os mesmos erros dos autores da chacina de 1897, com esta
atitude fechou o ciclo do grande ditado do povo nordestino: quem comete um mal
um dia será vingado pela vítima, pelo filho da vítima, pelo neto ou bisneto da
vítima, um dia o crime será vingado.
E foi assim
que se desenrolou a grande chacina de 1897.
Vingança, pura vingança.
Iderval
Reginaldo Tenório
Fonte: Blog
Cariri-cangaço.
Fonte: facebook
Página: Voltaseca Volta
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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