Por Benedito Vasconcelos Mendes
Uma das valorosas peças do acervo do MUSEU DO SERTÃO da Fazenda Rancho Verde (Mossoró-RN) é a Jangada Nordestina, feita de seis paus roliços de piúba, sem uso de metais (pregos ou parafusos), somente com tarugos de madeira. Este tipo de jangada era usado em todo o litoral nordestino, principalmente no Litoral Semiárido, onde a caatinga chega até à beira da praia (aqui não existe a frondosa Mata Atlântica, nem a região Agreste). Este litoral de chuvas reduzidas, de pouca nebulosidade, de ventos constantes, de baixa umidade relativa do ar, de elevadíssima insolação e alta evaporação, por situar-se próximo à Linha Equatorial é também conhecido por Litoral Salineiro, pois daí saem 95% do sal marinho produzido no Brasil.
Nos Séculos XVIII e XIX, esta
única faixa litorânea seca do Brasil, que vai do Cabo de São Roque, no Rio
Grande do Norte (nos arredores da cidade de Touros-RN) e se prolonga até o
Delta do Rio Parnaíba, entre as cidades piauienses de Parnaíba e Luiz Correia,
era chamada de Litoral Pecuário, porque aí estavam instaladas as famosas
Oficinas de Carne de Charque nas fozes dos rios intermitentes cearenses
Jaguaribe, Acaraú, Coreaú, dos rios norte-rio-grandenses Apodi/Mossoró e
Piranhas/Assu e do Rio Parnaíba, que é perene. Deste Litoral saía carne de
charque (conhecida também como carne do Ceará, jabá, carne seca ou carne de
sol) para abastecer as usinas de açúcar de Olinda, Recife e Salvador e os
garimpos da Chapada Diamantina na Bahia, de Goiás, Minas Gerais e de Mato
Grosso. Aracati carneava de 20 a 25 mil bois por ano e Parnaíba (segunda cidade
produtora de charque) chegou a exportar anualmente 1.800 toneladas de charque
para várias regiões do Brasil e até para Portugal. A indústria saladeiril foi
de grande importância econômica para estas cidades localizadas próximas às
fozes dos rios, como Aracati, Acaraú, Granja, Camocim e Sobral, no Ceará,
Parnaíba, no Piauí e Mossoró e Assu, no Rio Grande do Norte. Este litoral
semiárido além de possuir as condições climáticas favoráveis à produção de sal,
tinha vegetação tipo caatinga (rica em forrageiras de baixo porte e,
sendo uma vegetação aberta, permitia a criação de gado), tinha sal para salgar
a carne, água doce dos rios e porto de onde partiam as Sumacas transportando o
charque. Duas secas praticamente, exterminaram o rebanho bovino da região
semiárida e acabaram as Oficinas de Charque no Nordeste (a seca de
1777-1778 e os 4 anos de seca de 1790-1793). O aracatiense José Pinto
Martins, fugindo das secas, foi para a foz do Rio Pelotas, no Rio Grande do
Sul, e estabeleceu a indústria saladeiril naquele Estado sulino e por isso ele
é considerado o fundador da cidade de Pelotas-RS.
A jangada também protagonizou
a aventura da famosa "RAID da Jangada São Pedro", quando quatro pescadores
da Praia do Mucuripe de Fortaleza, no Ceará, Jacaré (Manoel Olímpio
Meira), Tatá (Raimundo Correia Lima), Mané Preto (Manoel Pereira da Silva), e
mestre Jerônimo (Jerônimo André de Souza) viajaram ao Rio de Janeiro em uma
frágil e tosca jangada de 6 paus roliços de piúba, sem nenhum equipamento de
comunicação e navegação (rádio, bússola, GPS, mapas etc.), se orientando apenas
pelo brilho das estrelas durante a noite e enfrentando o perigo das calmarias,
tempestades e da presença de tubarões. Viajaram durante 61 dias até chegar à
Baia da Guanabara, onde aportaram no dia 15 de novembro de 1941 e foram
recebidos como heróis pelo povo, pela imprensa, inclusive pelo Presidente da
República à época, Getúlio Dornelles Vargas. Outro jangadeiro
cearense que fez história foi Dragão do Mar (Francisco José do Nascimento
), natural da vila de Canoa Quebrada (Aracati-CE), que liderou, em 1881, a
primeira greve de jangadeiros do Brasil, quando impediu o embarque de negros
escravos do Porto do Mucuripe para as fazendas do Sudeste brasileiro. É que
naquela época praticamente não existia Porto, ficando o navio (vapor) distante
da praia, necessitando que os passageiros e as cargas em geral fossem levadas
até o navio de jangada . Pelo seu destemor, espírito de liderança e vontade de
ver seus irmãos negros livres da escravidão, Dragão do Mar tornou-se consagrado
abolicionista. Em 1884, ele foi ao Rio de Janeiro receber a Medalha de Ouro da
Sociedade Abolicionista e nesta ocasião foi recebido pelo Imperador Dom Pedro
II, oportunidade em que fez a doação ao Museu Nacional de uma jangada que
ele batizou de "Liberdade", em demonstração da luta do povo cearense
em prol da Abolição da escravatura. O Litoral brasileiro, do Amapá ao Rio
Grande do Sul, é úmido, com exceção desta pequena faixa litorânea que se
estende do Cabo de São Roque ao Delta do Parnaíba, que é seco e é
denominado de Litoral Semiárido, Litoral Salineiro, Litoral Turístico, Litoral
Camaroneiro (devido aos recentes cultivos de camarão) e no passado, foi também
denominado de Litoral das Jangadas e de Litoral Pecuário (devido à criação de
gado para as Oficinas de Charque). Atualmente, as jangadas usadas pelos
pescadores não são mais de paus roliços de Piúba e sim de isopor, revestido com
tábuas de madeira.
Benedito
Vasconcelos Mendes é Engenheiro Agrônomo, Professor, Mestre e Doutor, escritor, Membro da
Academia de Ciências do Rio Grande do Norte, Superintendente Federal da
Agricultura no Rio Grande do Norte e pesquisador do cangaço e presidente da SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço.
Informação
do http://blogdomendesemendes.blogspot.com:
O
Museu do Sertão na "Fazenda Rancho Verde" em Mossoró não pertence a
nenhum órgão público, é de propriedade do seu
criador professor Benedito Vasconcelos Mendes.
Quando
vier à Mossoró procure visitá-lo, pois são mais de 5 mil peças para os seus
olhos verem.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário