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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

GRANIZO NO SERTÃO E O MUNDO EM ACABAÇÃO

Por Rangel Alves da Costa*

Assim que a pedra de gelo bateu no telhado, a mulher logo começou a estremecer, a se benzer, a pensar no pior. Gritou pelo marido, mas este já estava correndo em direção à porta para ver se se confirmava a gritaria: Tá chovendo pedra, tá chovendo gelo, eita que o mundo vai se acabar. Valei-me Deus, valei-me!... O homem logo se assustou ao sentir que uma pedra de gelo caiu-lhe bem aos pés, não olhou pra cima com medo, mas teve vontade de se meter debaixo da cama. Gritou pela mulher e esta, ao se aproximar e presenciar um monte de gelo caindo, não suportou a estranheza e desmaiou quase na porta de casa. Pelas ruas era um bafafá danado, uma gritaria de não se acabar mais, choros e lamentos de arrepiar qualquer um. “Tudo culpa do homem pecador, é o fim dos tempos, é o fim do mundo, pois estava escrito que o homem chegará ao seu fim pela pedra de gelo caída dos céus. E isto bem merecido, vez que o gelo se transforma em fogo e a carne gelada vai derreter nas profundezas ardentes da perdição. Aleluia, aleluia”, esbraveja o de paletó e bíblia à mão debaixo da chuvarada, e sem se importar com as pedradas que lhe caíam à cabeça. Dizia-se já salvo pela fé.

Mistério dos mistérios, coisa acontecida já desde uma eternidade, e de repente, ao invés de pingo d’água grande e grosso, o que começa a cair lá de cima é pingo congelado, verdadeira pedra de gelo, graúda, de bater em telhado e espatifar a cobertura inteira. Era um barulho tão grande das pedras sobre os telhados que se imaginava o barro sendo quebrado a marretadas. Quando as telhas se dilaceravam e as vagas se abriam, então os pingos congelados encontravam passagem e caíam sobre mesas, móveis, jarros, flores de plástico, sofás, tamboretes, cadeiras, animais e pessoas, para somente depois se espatifar pelo chão. Uma pedra achou uma boca de pote aberta e o que se ouviu depois foi o barro sendo rachado em mil pedaços. Outra pedra caiu sobre uma panela no fogão e o resultado foi sarapatel espalhado pela cozinha inteira. Mesmo de chapéu de couro, um caboclo quase tomba ao chão quando foi atingido por um verdadeiro iceberg. No baque sentido, pulou feito uma lagartixa e nem pensou duas vezes em dar o troco. Tomou mão de uma espingarda e começou a atirar para cima, na direção de onde os pingos caíam. Mas foi pior, pois pinicou quase todas as ripas e o que ainda restava lá em cima veio a baixo de vez. E por cima dele, que por pouco não foi pro beleléu.


Só mesmo coisa de bêbado, mas um pinguço contumaz, logo que sentiu gelo fácil caindo por todo lugar, se lançou porta afora com um copo de vodca à mão, tombando e gritando: “Eu sabia que esse dia ia chegar, e chegou. Até que enfim lá de cima alguém se lembrou de mandar gelo para misturar com bebida. Coisa melhor não podia acontecer, aqui no bem bom, debaixo da chuva, de copo na mão e o garçom lá de cima toda hora trazendo gelo pra botar no copo. Vou é trazer a garrafa pra cá, pois gelo é o que não falta”. E sentou no chão segurando o copo, mas de vez em quando direcionando até onde caíam as pedras. Mas de repente aconteceu algo que não esperava. Caiu uma pedra espatifando o copo, o que gerou imediata revolta: “Aí também é sacanagem. O copo é meu, a bebida é minha, só porque o gelo não é também não precisava fazer assim, com toda essa falta de educação. Se não quiser dar o gelo que não dê, mas jogar ao invés de trazer aí é demais”. E se esforçou ao máximo para levantar e ir buscar mais uma dose.

Enquanto isso, espantada com o acontecimento, vez que jamais tinham visto pedra de gelo caindo do céu no lugar de pingo d’água, a meninada ora tremia de medo ora queria a todo custo correr para a rua e recolher cada pedaço numa bacia. Mas o medo falava mais alto e quase todos permaneciam pelas frestas ainda sem acreditar no que presenciavam. Os mais afoitos, não ouvindo sequer o conselho dos pais, corriam para logo voltar chorando pelas pedradas recebidas.  Mas por dentro das casas, dos quartos, nos escondidos dos casebres, as promessas, preces, rogos e orações, não cessavam. Com lágrimas nos olhos, e até com tremores medonhos, senhoras e velhas levavam os rosários ao peito para implorar salvação, para que aquela chuva de gelo imediatamente parasse, antes que provocasse uma tragédia sem igual: o sertão da seca se acabar pelo gelo. Por isso que preferiam mil vezes o raio escaldante do sol a ter pedras de gelo caindo por todo lugar. Ventilou-se chamar o vigário para organizar promissão, mas este, devidamente escondido na sacristia, apenas afirmou que nada podia fazer ante a fúria dos céus contra o mundo em devassidão.

Tudo isso logicamente que é um exercício de ficção, mas recentemente uma chuva de granizo caiu no sertão sergipano, mais precisamente no povoado de Santa Rosa do Ermírio, município de Poço Redondo, que provocou espanto sem igual. Mesmo sendo um fenômeno tido como normal depois de longos períodos de estiagem, ainda assim muitos não conseguiam chegar a outra conclusão: É o fim do mundo. Granizo no sertão é sinal de fim de mundo.

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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