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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

ONDE SE ENCONTRA O ACERVO DO PADRE CÍCERO ROMÃO BATISTA?

Material do acervo do pesquisador Antonio Correa Sobrinho

 “O ESTADO DE S. PAULO” – 15/11/1981 - O CEARÁ PODE FICAR SEM O ACERVO DO PADRE CÍCERO

Por Rodolfo Espínola (Correspondente em Fortaleza)

Por temer a ação de seus adversários políticos – ou não -, o padre Cícero Romão Batista, o popular e venerado Padim Ciço, de Juazeiro do Norte, idealizou uma espécie de “SNI” exatamente para se antecipar às manobras de seus inimigos. Quem sustenta essa versão é o escritor e historiador F. S. Nascimento, para quem o padre Cícero era uma figura que temia bastante a ação dos inimigos, pois mantinha um serviço de espionagem e contraespionagem, fichários com dados e informações sobre todas as pessoas que o cercavam, numa verdadeira antecipação do trabalho do general Golbery, ao criar o Serviço Nacional de Informações.

O desencanto com a falta de interesse de instituições culturais cearenses em adquirir um rico acervo documental sobre a revolução que depôs o presidente Franco Rabelo, obrigou F. S. Nascimento a admitir um destino indesejável a esse valioso patrimônio: ele quer vender mais de 400 páginas manuscritas de telegramas trocados pelo padre Cícero, entre 1912 e 1916, com Franco Rabelo, Floro Bartolomeu, Nogueira Acioly, Pinheiro Machado, Benjamim Barroso e outras personalidades políticas da época. De início, duas instituições já manifestaram interesse em adquirir todo acervo: o Centro de Estudos Políticos, da Universidade Federal da Paraíba, e o Instituto de Estudos Brasileiros, de São Paulo.

Com esse documentário é possível estabelecer-se uma “geografia do prestígio” do padre Cícero, que “não era restrito apenas ao nível estadual, mas nacional”, se se analisa alguns textos devidamente autenticados pelo sacerdote e que poucas pessoas têm conhecimento. Desde que foram elaborados sigilosamente pelos copistas oficiais do padre Cícero, ninguém teve acesso a esses registros, a não ser o escritor Irineu Pinheiro e o brasilianista Ralph Della Cava. Pinheiro, receoso de comprometer seu tio e prefeito do Crato – município vizinho a Juazeiro do Norte -, Antonio Luiz Alves Pequeno (aliado do padre Cícero para derrubar Franco Rabelo), preferiu ficar em rápidas e superficiais citações. Com a morte do autor de “O Juazeiro do Padre Cícero e a revolução de 1914”, os documentos quase foram queimados pelo seu herdeiro, José Cardoso, “interessado em promover uma limpeza completa nos arquivos de Pinheiro”. Não fosse a interferência de Nascimento, possivelmente a maior parte da recomposição da atividade política do padre Cícero teria virado cinzas. Nascimento, a muito custo, vem mantendo esse acervo há quase 30 anos, na certeza de que esses documentos representam muito para uma avaliação histórica dos episódios registrados àquela época.

Os manuscritos, quando observados mais cuidadosamente, revelam aspectos desconhecidos do padre Cícero, explicou Nascimento ao revelar que “antes de tudo ele era um homem preocupado em registrar tudo o que acontecia à sua volta, afora a descoberta de que mantinha em funcionamento uma verdadeira rede de espionagem, captando todas as informações que chegavam e saíam do Cariri”. O padre Cícero – acrescentou o historiador – “antecipou-se até mesmo à Gestapo de Hitler no que se refere à organização de um serviço de informações”. Durante a fase mais aguda da Revolução de 1914 para derrubar o presidente Franco Rabelo, os copistas oficiais do padre Cícero – José Fausto Guimarães e Sebastião Marques – cansaram de receber informações em código dos insurgentes. Detalhe: só o padre Cícero sabia decifrá-las. É o caso, por exemplo, de um telegrama passado por Floro Bartolomeu, no dia 28 de setembro de 1913, do Rio de Janeiro. Utilizando-se de uma linguagem como a de agentes de espionagem, o coordenador da revolução, depois de confabular toda a conspiração no Rio, mandou para o padre Cícero o seguinte telegrama: “Jardim Zinco Ouro Aguardem Minha Volta. Floro”. Outra comunicação, utilizando ainda linguagem cifrada, presumia o início da derrota do governo de Franco Rabelo: “Padre Cícero Romão Juazeiro do Norte Ceará. Maravilha Jardim e o Gazeta Tudo Ouro”. Reiterou Nascimento que se o padre Cícero sabia exatamente o que queria dizer esses textos.

Mostrando uma infinidade de documentos, telegramas e até castas, Nascimento sustentou que “nem só de planos conspiratórios e de intrigas é composto o documentário deixado pelo padre Cícero”. Há telegramas expedidos ao papa Benedito XV, em setembro de 1914, na mesma data – 10 de setembro – em que a estação dos Correios e Telégrafos de Juazeiro mandava a Paris mensagem do comandante Adolpho van der Burle – um ajudante do padre Cícero nascido na França -, oferecendo-se ao governo de seu país para lutar na Primeira Guerra Mundial. Há, ainda, mensagens de várias cidades do País congratulando-se com o padre Cícero, como também grande número de cópias manuscritas de telegramas do vigário de Juazeiro reclamando providências para a situação criada pela seca de 1915 – uma das mais inclementes já registradas no Ceará.

Num desses telegramas, enviados ao senador Francisco Sá, então ministro da Agricultura, revela-se a preocupação do padre, revoltado, para as questões de ordem social e econômica. Ele (o padre Cícero) chega a sugerir medidas práticas para resolver o problema da seca, colocando-se, inclusive, à disposição para “distribuir” ajuda. Além disso, pedia recursos para programas de açudagem, pois considerava naquela época, “a melhor forma de socorrer a população nesses dias difíceis”, conforme um outro texto.

Disse ainda Nascimento que um tio do ex-governador de Pernambuco, Miguel Arraes, Alexandre Arraes, na época telegrafista em Juazeiro, foi quem mais mensagens recebeu para o padre Cícero. Alexandre, aliás, era um dos homens de confiança do padre, mas nem por isso deixava de ser suspeito de possíveis sabotagens. O escritor F. S. Nascimento tem interesse em manter no Ceará todo esse acervo, mas ele continua aceitando propostas, embora esclareça desde logo que só venderá esse patrimônio se for para uma entidade “realmente idônea”.

Fonte: facebook
Página: Antônio Corrêa Sobrinho
Grupo: Lampião, Cangaço e Nordeste

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