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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

SOBRE OS BRAÇOS ABERTOS DO MANDACARU

Por Rangel Alves da Costa*

Escrevi um pequeno texto sobre os braços abertos do mandacaru e resolvi ampliá-lo. E por razões pessoais de um sertanejo que ama sua terra, sua paisagem, sua vegetação espinhenta e sedutora. Também porque além da catingueira, do sol devastador e da lua tão bela, há a vegetação cactácea que está por todo lugar: na beira da estrada, em meio à vereda, no quintal, nos descampados, dividindo espaço com os tufos de mato. Reconhecendo-se o mandacaru como a absoluta feição sertaneja.

De nome científico Cereus jamacaru, o mandacaru se adaptou de tal modo às condições climáticas da aridez sertaneja que ali fez casa e moradia. Não só passou a conviver com o meio como se fez reconhecer majestoso, verdadeiro soberano do sertão. Rei e guerreiro, humilde e atrevido. Seu porte altivo, seu corpo fino encoberto de espinhos pontudos, amedronta e acolhe ao mesmo tempo. Na sua flor e no seu fruto estão os modos de compartilhamento com os outros seres da natureza.

Não possui folhas nem copa, não é lugar bom para que o viajante se deite ao redor do seu tronco para descansar. É espécie solitária, paciente e esperançosa. Parece mesmo alheia a tudo o que acontece ao redor, seja sertão verdejante ou esturricado. Mas é sentimental, amorosa, cativante. E ai de se perguntar aos pássaros, abelhas e meninos sertanejos sobre tais características. Acaso fosse somente egoísta, indiferente e insensível, não daria os frutos que dá nem enfeitaria tanto a paisagem com suas flores maravilhosas.

 Os seus frutos e folhas servem de alimentos para pássaros e abelhas sertanejas, mas também ao humano ávido por experimentar alimento diferente e tão colorido ou mesmo matar a fome quando de suas caminhadas sertões adentro. Os seus frutos surgem ao longo de seus braços, pendendo como bagas avermelhadas chegando ao violeta, de carne esbranquiçada misturada a minúsculas sementes. Já suas flores, nascendo nas partes superiores, são brancas com leves tons amarelados, mas podendo ser também avermelhadas. Ao primeiro sol da manhã, nada mais belo e encantador que avistar uma flor de mandacaru.


Sobre as flores do mandacaru, há de se dizer ainda de seu contraste com a própria planta. Enquanto o cacto possui resistência e longevidade, sua flor não dura mais que um dia de vida, ou menos que isso. Desabrocha ainda na noite, mostra-se toda imponente ao alvorecer, mas já começa a murchar após a forte claridade do sol incidir sobre suas pétalas. E murchando vai até cair. Mas sempre dando tempo para que o sertanejo aprecie e vele aquela beleza que se despede para o renascimento. E renascer na chuva, pois dizem que flor de mandacaru chama trovoada ao sertão.

Mas o mandacaru, cacto símbolo maior do sertão, carrega em si outras simbologias verdadeiramente maravilhosas. Simboliza a permanência, a força, a esperança, a tenacidade, o suportar as agruras sem esmorecer ou definhar de vez. Simboliza a beleza, a majestade sertaneja, a demonstração da pujança na sua flor. Sim, pois mandacaru tem flor e não há flor mais bela que a do mandacaru. Ao alvorecer, quando toda mataria entristece de sequidão, a flor é avistada no alto ou nas pontas de suas mãos, de forma singela e esplendorosa, ávidas por um beijo do primeiro pássaro que surgir.

Simboliza ainda a terra seca, a sequidão de gente e de bicho, a paisagem matuta no seu sofrimento. Quando tudo morre, quando tudo padece, quando tudo desesperança de vez, lá ele estará em meio ao tempo na sua altivez inabalável. E de braços abertos. Neste gesto a simbologia maior: a fé sertaneja. O mandacaru, sempre de braços abertos, levantados em direção aos espaços, erguidos rumo aos céus, representa a fé maior de todo o sertão. É um mandacaru ser sertanejo, como pessoa que roga, que pede e implora, que diuturnamente se mantém na mesma posição de clemência divina.

Neste gesto de prece, de clamor, de louvação, implorando que as chuvas logo caiam para diminuir o sofrimento de seu meio e de seu povo, silenciosamente faz sua invocação que sempre começa assim: Oh Deus de misericórdia, em nome de São José Sertanejo e Maria de Entre Nós, tende compaixão do homem, do bicho, do chão sofrido, da vida que queima, que sente fome e sede, que tanto espera de Ti um simples gesto em forma de pingo d’água. Fazei, pois, que, de pingo a pingo, o sertão renasça para a glória maior de seus filhos, estes devotos e penitentes pelos caminhos de tanta e toda fé...

Assim, chegando ao sertão e percebendo que se encontra num imenso templo de fé e religiosidade, o viajante não durará para encontrar candelabros espalhados por todo lugar. Ali os mandacarus de braços abertos em eterna louvação.

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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