*Rangel Alves
da Costa
Estou cada vez
mais sozinho. Moro só, deito só, acordo só. Lavo e passo minhas roupas, prego
meus botões, varro o meu chão, rego as minhas plantas, preparo minha comida.
Tudo sozinho.
Sempre fui
assim, sozinho. Talvez sempre dormir de rede seja a comprovação maior de que
ninguém está ao lado. Viro de um lado, sozinho. Viro para o outro lado,
novamente sozinho.
Levanto às
três da madrugada e sem qualquer cuidado de não acordar alguém que esteja ao
lado. Só tenho o trabalho de desligar a televisão e logo correr para debaixo do
chuveiro. Depois um café bem forte, um cigarro, e o dia começando assim.
Gosto da
solidão das madrugadas mais escuras, chuvosas, molhadas. Saio á porta dos
fundos e abraço os braços para melhor sentir a chuva caindo. Quando a chuva é
forte, então ali mesmo me deixo completamente molhar.
Há, nas
madrugadas, uma poesia dolorosa, porém confortante. Quando não está chovendo, o
céu enluarado, ainda estrelado, se faz de horizonte à reflexão. E sempre
encontro algum instante para mirar o alto e imaginar nas alturas.
Ainda na
semiescuridão, sigo até o portão da frente, de xícara à mão, e lanço o olhar
sobre a rua nua, vazia, deserta. Portas e janelas fechadas, a luz amarelada do
poste se estendendo sobre o asfalto, tudo tão diferente. E sempre faz meditar.
Não há
momentos mais apropriados à meditação do que entre as três e as cinco horas da
manhã. Nasce com o silêncio fechado, absoluto, até se estender aos primeiros
murmúrios do dia. Uma porta se abre, alguém já segue, há uma foz distante, um
passo que passa.
Até esse
instante, quando a mente ainda se encontra em si mesma, é sempre possível
recordar, rememorar, relembrar, planejar, dialogar com o silêncio, até sonhar,
até sorrir, até sofrer e chorar. Ora, é poesia escrita pelo instante, e este
nem sempre se mostra feliz.
Tudo isso
seria possível sem a solidão? Logicamente que não. A simples presença de
alguém, ainda que adormecida no quarto, já inibe a mente para voar, pensar,
refletir, sonhar, sofrer, querer sorrir, sentir vontade de chorar. É que a
solidão precisa de solidão.
Minha solidão
não inibe a minha nudez de canto a outro, não inibe o banho debaixo da chuva,
não inibe o diálogo silencioso enquanto os horizontes são avistados, não inibe
o olhar sofrido nem a face alegre demais para o instante. Mas com outra
presença seria diferente.
E quando o dia
acorda e a rua desperta, somente a solidão já existente para permitir sua
continuidade. Não há palavras, pois não há com quem conversar. Não há afazeres
diferentes daqueles costumeiros: letra a letra, juntando ideias, fazer surgir
qualquer coisa.
E quanto
solitário é o ofício da escrita. Creio ser impossível escrever com vozes ao
lado, barulhos, pessoas entrando e saindo, aborrecimentos e preocupações. Daí
ser necessário estar em clausura, em silêncio monástico, para fazer com que a
pena emerja da alma.
Para o escritor,
a solidão afeiçoa-se ao próprio poder de criação. Ora, não pode viver dois
mundos ao mesmo tempo. Ele abdica de si, através do silêncio e da solidão, para
adentrar naquele outro mundo surgido de sua imaginação. É este o seu mundo que
se revela.
Há, assim, uma
solidão impregnada e tão própria de cada escritor. Ou ele é solitário ou nada
pode criar. O seu pensamento só caminha, voa, vaga e divaga, se tiver a
liberdade de encontrar o que desejo. E não pode ser impedido pela presença do
mundo ao redor.
Não fosse
minha solidão, talvez jamais conseguisse escrever sequer um bilhete. E não
fosse o silêncio ao qual me imponho, certamente não brotaria ao menos uma
carta. E não fosse a clausura enquanto escrevo, certamente que minhas ideias
correriam porta afora.
Agora,
novamente e sempre, estou sozinho. Já é noite. Minha rede já espera a minha
solidão. Para talvez sonhar vagando sozinho e acordar para o convívio de minha
madrugada tão só. E depois caminhar pela solitária rua com o meu olhar.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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