*Rangel Alves
da Costa
“Eu andava de
um jeito que quase não me aguentava em pé. Era uma dor que mais parecia uma
punhalada nas costas. E isso dia e noite sem parar. Tomei tanto remédio de
farmácia que já estava envenenando tudo por dentro. Foi então que uma comadre
minha, percebendo tudo, logo me indicou um rezador. Rezador, mas por que um
rezador, logo perguntei. Então ela me disse apenas que fosse procurar o velho
Tonho do Ramo e depois dissesse a ela se tinha melhorado ou não. Então fui. Até
porque não tinha outro jeito mesmo...”.
Assim começa
um proseado que ouvi no meu berço de nascimento, em Nossa Senhora da Conceição
de Poço Redondo, no sertão sergipano. Como observado na passagem acima, o
assunto envolve a crença popular na cura através da reza, uma prática secular
que ainda hoje é exercida por alguns e acreditada por muitos. E principalmente
quando nem os médicos nem os remédios conseguem resolver os mais diversos
problemas de saúde, desde dores a aporrinhações estranhas que vão minguando as
pessoas. Mas a narrativa acima prossegue:
“Fui também
informado que o velho Tonho do Ramo morava lá pelas bandas da beirada do
riachinho, a uns dois quilômetros daqui. Chegando, cheio de dor, bati à porta
do casebre e logo ele apareceu na soleira. Já passado dos oitenta anos,
miudinho, quem avistar não diz se tratar de uma pessoa que tanto entende dos
mistérios da cura. Mas a prova do seu poder de curar eu mesmo pude comprovar,
pois foi sobre mim que o seu ramo de mato passou e resolveu o problema...”.
Pelas
distâncias sertanejas ainda se ouve falar muito em rezadores. O ritual da reza
é de ancestralidade, com conhecimento nascido nas raízes dos tempos e aprendido
e repassado de gerações a gerações. Parece ser uma coisa simples, porém envolve
mistérios não acessíveis a todos. E que também não pode ser ensinada como se
fosse uma lição qualquer, pois envolve um aprendizado de fé e de compromisso em
utilizar a sabedoria na ajuda do próximo e em situações muito especiais. Mas
prosseguindo com o relato:
“Logo senti
uma coisa estranha. Senti como se o velho já estivesse me esperando, pois me
pediu apenas para sentar num tamborete, do lado de fora da casa, debaixo de um
pé de umbuzeiro. Agora me fale o que sente, pediu ele. Contei sobre o meu
problema e também sobre o que já tinha tentado para acabar com aquele
sofrimento. Ele ouviu tudo em silêncio e depois se afastou um pouco. Mais
adiante se abaixou e catou um ramo de mato. Um ramo pequeno, porém verdoso. Ao
retornar, me benzeu por todos os lados e depois começou a passar o ramo em cruz
por cima de mim...”.
Na sua
prática, geralmente os rezadores utilizam folhas, raízes, ramos, pequenos
achados da natureza. Comumente cultivam as plantas adequadas nos seus quintais
ou pelos arredores, mas também lançam mão de quaisquer galhos que estejam ao
alcance. E nisto uma certeza: a força da cura não está na planta, mas na reza
que repassa ao ramo o poder de curar. Além do fato de que a oração apropriada
ao benzimento é também aquela com maior poder de afastar os malefícios que
estão no sujeito. Voltando ao relato:
“Não demorou
muito e ele disse que já havia terminado. Contudo, o mais espantoso foi quando
percebi na sua mão aquele mesmo ramo todo definhado, como se tivesse sido
tostado pelo fogo. Estava tão murcho que mais parecia um esqueleto de planta
seca. Depois, pronunciou algumas palavras e jogou bem longe aquele resto de
ramo. Em seguida a confirmação: Além de espinhela caída você estava carregado
demais. Tinha gente invejosa no seu caminho. E gente invejosa quando não mata
aleija. Agora você pode ir. Tudo vai acontecer aos poucos. Você está curado,
mas o mal ainda vai sair do seu corpo. Você vai perceber quando isso
acontecer...”.
Ainda é possível,
com a ajuda dos mais velhos, encontrar alguns bons rezadores. Curam de tudo,
mas principalmente dores desconhecidas, espinhela caída, fraqueza no corpo,
desânimo, fadiga prolongada, sensação de perseguição, contínuos fracassos. Os
rezadores sabem que tais situações são provocadas por ações de outras pessoas,
através da inveja, do feitiço, do mau-olhado, da coisa feita. E combatem tudo
isso através das rezas antigas e dos ramos que vão encontrando os pontos de
discórdia no corpo. É por isso que as plantas murcham e esturricam, porque
chamam para si todo o mal impregnado na pessoa.
“O velho não
queria aceitar, mas deixei uma nota em cima do tamborete e retornei. Já na
cidade, depois que virei naquela esquina, foi como sentisse uma repentina
rajada de vento frio. Passei a mão na cabeça e senti a testa molhada. E também
como se alguma coisa tivesse sido levada no vento. Depois disso nunca mais
passei por aquele sofrimento. E agradeço a Deus e ao velho Tonho do Ramo”.
E assim os
rezadores por essas distâncias sertanejas. Mas sem fé não há reza que afaste
nem o mal nem a maldade afoita para derrubar a pessoa e seu destino.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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