Por José Romero de Araújo Cardoso
Ouvi dizer que no seu tempo nosso povo era mais alegre e festivo, pois nas
quebradas do sertão não existia ainda o modismo que toma conta principalmente
de uma mocidade sem compromisso direto com a preservação das tradições que
devem singularizar a cultura altaneira e original das veredas da terra do sol.
Quando levavas seus filhos para tocarem em bailes, tertúlias e animadas festas
juninas pelas quebradas do valoroso Araripe, tanto em solo pernambucano como em
cearense, bem como em áreas adjacentes, a exemplo de Taboca, Rancharia,
Salgueiro e Bodocó, fazias questão que somente sanfona, triângulo e zabumba
fizessem o acompanhamento de sua performance magnífica, cantando primorosamente
e dedilhando fole de oito baixos.
Seus ensinamentos foram captados de forma impecável pelos seus seguidores,
sobretudo Luiz Gonzaga, cuja arte imortalizou extraordinariamente nossa região,
enfatizando costumes, cotidiano, perspectivas, fenômenos naturais, como as
secas, proteção ambiental, etc.
Observamos nos dias de hoje um processo inaceitável de inversão de valores com
o apelo indisfarçável do capital forjando normas de conduta, a qual precisa ser
denunciada como incompatível com as aspirações e modelos a serem seguidos por
nossa gente tão sofrida com a natureza e com os descasos dos homens, cuja boa
vontade ainda não se apresentou na forma como exigem-se as buscas por soluções
para nossos problemas, incluindo aqueles relativos à nossa permanência enquanto
povo dotado de cultura própria.
A aculturação galopa a passos largos, pois estão se apropriando e deturpando
nossos ritmos ímpares, originais, em prol do lucro imediato e garantido, tendo
em vista que o mercenarismo é visualizado quando frequenta-se festas em praça
pública, cuja ênfase vem sendo dada aos sofisticados projetos de bandas que
importam de fora a estrutura de deturpação do que existe de mais nordestino,
qual seja, forró, xaxado, baião, xote e outras pérolas trabalhadas com ardor,
imemorialmente, pela grandeza de um povo forte, na qual estás incluído.
É ridículo, nobre e valoroso Januário, mesclar a cadência extraordinária de um
solo de sanfona com a estridência de uma guitarra, imitando a cultura country
que impera em áreas sob influência do ruralismo, como o sul dos Estados Unidos.
Defendo com intransigência que devemos preservar nossa cultura, sob pena de não
nos reconhecermos em pouco tempo enquanto nordestinos da gema, pois as
exigências da era global suscitam que a originalidade de cada povo seja
substituída por padrões uniformes a fim de viabilizar interesses contidos na
lógica do capital.
Temos de ser fortes e lutarmos pela continuidade do que foi produzido por
homens de valor, como o senhor, cuja obra contribuiu formidavelmente para
traçar as características do nordeste, de modo especial do sertão,
impulsionando o significado de nação, com peculiaridades próprias e bem
definidas do ponto de vista cultural.
Nobre e valoroso Januário, a situação é grave e preocupante, pois autênticos
representantes do nosso meio artístico-cultural vem sendo desprezados e
humilhados por que não adotam o padrão que vem tendo ênfase. A diferença de
cachês é aviltante entre um artista de raiz e uma banda estilizada no modelo
ditado pela ordem vigente do capital.
O Nordeste e seus verdadeiros defensores precisam reagir à deturpação cultural
em voga, sob pena de perdermos em curto espaço de tempo o brilhantismo da
originalidade que ainda possuímos em função do advento de verdadeiros lixos
culturais.
Despeço-me reiterando minhas saudações e referendando que estás em pedestal
eterno como reconhecimento pela que fizestes pela autóctone construção cultural
de sua terra e de sua gente.
*
Missiva classificada em segundo lugar no II Concurso A Carta, promovido pelo
Grupo União São Francisco - Caldeirão Político, no ensejo do IX Festival de
Músicas Gonzaguenas.
José Romero
Araújo Cardoso (Mini Currículo):
Geógrafo
(UFPB). Especialista em Geografia e Gestão Territorial (UFPB-1996) e em
Organização de Arquivos (UFPB - 1997). Mestre em Desenvolvimento e Meio
Ambiente pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (2002). Atualmente
é professor adjunto IV do Departamento de Geografia/DGE da Faculdade de
Filosofia e Ciências Sociais/FAFIC da Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte/UERN. Tem experiência na área de Geografia Humana, com ênfase à Geografia
Agrária, atuando principalmente nos seguintes temas: ambientalismo, nordeste,
temas regionais. Espeleologia é tema presente em pesquisas. Escritor e
articulista cultural. Escreve para diversos jornais, sites e blogs. Sócio da
Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC) e do Instituto Cultural do
Oeste Potiguar (ICOP). Membro da Associação Mossoroense de Escritores (ASCRIM).
Endereço
residencial:
Rua Raimundo Guilherme,
117 – Quadra 34 – Lote 32 – Conjunto Vingt Rosado – Mossoró – RN – CEP:
59.626-630 – Fones: (84) 9-8738-0646 – (84) 9-9702-3596 – E-mail:romero.cardoso@gmail.com
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