*Rangel Alves
da Costa
Diferentemente
do que se imaginava, aquela onça não tinha por hábito atacar e devorar qualquer
outro animal ou homem que encontrasse pela frente. Era arredia, calma, quase em
mansidão no seu habitat e arredores.
A onça, de
modo geral e como costumeiramente se comenta, é tida como um dos mais perigosos
e ferozes animais. E é mesmo. Suas garras, sua sanha, sua impulsão ao pulo ante
a presa, são conhecidas e temidas pelas matarias onde ainda habita. Umas poucas
apenas, pois sob o risco de extinção ante o avanço do homem sobre as matas.
A onça é um
mamífero carnívoro da família dos felídeos, rivalizando em ferocidade com o
tigre e o leão. Felino de grande porte, com o corpo recoberto de pelos rajados
entre o negro e o amarelado acastanhado. Geralmente solitária, andando sem
pressa, possui, porém, um faro que vai mapeando tudo ao redor e um olhar de
longo e seletivo alcance.
Caminha
silenciosa, furtiva, entre tufos e folhagens, em busca de seu alimento. Uma vez
encontrado, avança em alta velocidade e se lança em veloz e longo salto até
imobilizar sua presa. Come o bicho do mato, o animal da fazenda, até mesmo o
ser humano que encontrar. Tudo depende de sua fome.
Os ferozes
ataques não são costumeiros, pois se contenta com os pequenos animais que
devora. Contudo, a situação muda quando somem seus pratos do dia a dia e quanto
mais fareja, olha e procura, mais a falta de alimento vai se transformando em
perigo a tudo o que ser encontrado. É quando avança de seu território e adentra
em pastagens e até arredores das casas.
Verdade é que
quando a pintada se vê aperreada pela fome, tudo o que encontrar pela frente se
torna em presa. Primeiro ronda, depois avança lentamente, em seguida salta
sobre a vítima já com as garras navalhadas e prontas para abocanhar e destroçar
todo o corpo. Come com tamanha avidez que em pouco instante somente a carcaça
restará aos urubus e outros carnicentos.
Mas, como
dito, a onça é animal manso, sossegado, pacificamente vivendo os seus dias.
Tudo começa a mudar a partir do instante em que se sente ameaçada por outros
predadores - bicho e homem - ou quando tem fome. E quando tem fome e sede então
todo o instinto de fera feroz toma conta de si. E ai de quem se coloque adiante
em momentos assim.
É próprio dos
animais - e não somente das onças - a ferocidade e o ataque como instintos de
sobrevivência. Quando se sentem ameaçados, verdadeiramente se transformam em
monstros aterrorizantes. O menor animal se modifica como pode, busca forças
escondidas, e de repente faz sucumbir até mesmo aquele de força e ferocidade
superiores. Como bem diz o ditado, quando pisado até mesmo o menor verme se
revira. E para contra-atacar.
Daí surgir a
onça no ser humano. E uma pintada selvagem, bruta, selvagem, violenta ao
extremo. Mas por que assim, por que também o homem se animaliza tanto e tão
vorazmente? Pela mesma situação da onça, ao menos em alguns. Pessoas calmas,
pacíficas, educadas, fraternas, e num instante já partem com garras afiadas
contra sua ameaça, seu oponente ou seu predador.
O homem,
quando ferido na alma, na honra, na dignidade, na sua moral, no seu corpo, na
sua integridade, no seu viver pacífico, também passa a ter a mesma fome e a
mesma sede que a onça pintada. E passa a demonstrar uma valentia impressionante
e jamais imaginada para uma pessoa tão avessa às violências.
Mais uma vez a
história do verme: quando pisado até mesmo o menor verme se revira. E mais:
quando injustiçado, quando injustamente ferido, quando pisado na sua honra e no
seu caráter, o instinto mais pacífico acaba clamando pelo troco em igual medida
ou em maior proporção, a depender de quem venha a desonra ou a ameaça. Um fato
normal, apenas humano, quando a ninguém é dado ferir sem ser ferido, fazendo
valer o olho por olho dente por dente. Ou apenas a arma que se tenha perante o
ataque.
O homem é a
mesma onça nos seus habitats. Cada um procura apenas sobreviver sem precisar
enfrentar predadores muito perigosos. Ataca-se quando preciso, mas evita-se
viver com garras à mostra ou com navalha à mão. Mas não há jeito. Sempre a fome
e a sede são trazidas pelo forasteiro que se arvora do direito de ameaçar.
Então não haverá outra resposta senão o ataque feroz.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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