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quarta-feira, 10 de agosto de 2016

ONÇA COM FOME E SEDE

*Rangel Alves da Costa

Diferentemente do que se imaginava, aquela onça não tinha por hábito atacar e devorar qualquer outro animal ou homem que encontrasse pela frente. Era arredia, calma, quase em mansidão no seu habitat e arredores.

A onça, de modo geral e como costumeiramente se comenta, é tida como um dos mais perigosos e ferozes animais. E é mesmo. Suas garras, sua sanha, sua impulsão ao pulo ante a presa, são conhecidas e temidas pelas matarias onde ainda habita. Umas poucas apenas, pois sob o risco de extinção ante o avanço do homem sobre as matas.

A onça é um mamífero carnívoro da família dos felídeos, rivalizando em ferocidade com o tigre e o leão. Felino de grande porte, com o corpo recoberto de pelos rajados entre o negro e o amarelado acastanhado. Geralmente solitária, andando sem pressa, possui, porém, um faro que vai mapeando tudo ao redor e um olhar de longo e seletivo alcance.

Caminha silenciosa, furtiva, entre tufos e folhagens, em busca de seu alimento. Uma vez encontrado, avança em alta velocidade e se lança em veloz e longo salto até imobilizar sua presa. Come o bicho do mato, o animal da fazenda, até mesmo o ser humano que encontrar. Tudo depende de sua fome.

Os ferozes ataques não são costumeiros, pois se contenta com os pequenos animais que devora. Contudo, a situação muda quando somem seus pratos do dia a dia e quanto mais fareja, olha e procura, mais a falta de alimento vai se transformando em perigo a tudo o que ser encontrado. É quando avança de seu território e adentra em pastagens e até arredores das casas.

Verdade é que quando a pintada se vê aperreada pela fome, tudo o que encontrar pela frente se torna em presa. Primeiro ronda, depois avança lentamente, em seguida salta sobre a vítima já com as garras navalhadas e prontas para abocanhar e destroçar todo o corpo. Come com tamanha avidez que em pouco instante somente a carcaça restará aos urubus e outros carnicentos.


Mas, como dito, a onça é animal manso, sossegado, pacificamente vivendo os seus dias. Tudo começa a mudar a partir do instante em que se sente ameaçada por outros predadores - bicho e homem - ou quando tem fome. E quando tem fome e sede então todo o instinto de fera feroz toma conta de si. E ai de quem se coloque adiante em momentos assim.

É próprio dos animais - e não somente das onças - a ferocidade e o ataque como instintos de sobrevivência. Quando se sentem ameaçados, verdadeiramente se transformam em monstros aterrorizantes. O menor animal se modifica como pode, busca forças escondidas, e de repente faz sucumbir até mesmo aquele de força e ferocidade superiores. Como bem diz o ditado, quando pisado até mesmo o menor verme se revira. E para contra-atacar.

Daí surgir a onça no ser humano. E uma pintada selvagem, bruta, selvagem, violenta ao extremo. Mas por que assim, por que também o homem se animaliza tanto e tão vorazmente? Pela mesma situação da onça, ao menos em alguns. Pessoas calmas, pacíficas, educadas, fraternas, e num instante já partem com garras afiadas contra sua ameaça, seu oponente ou seu predador.

O homem, quando ferido na alma, na honra, na dignidade, na sua moral, no seu corpo, na sua integridade, no seu viver pacífico, também passa a ter a mesma fome e a mesma sede que a onça pintada. E passa a demonstrar uma valentia impressionante e jamais imaginada para uma pessoa tão avessa às violências.

Mais uma vez a história do verme: quando pisado até mesmo o menor verme se revira. E mais: quando injustiçado, quando injustamente ferido, quando pisado na sua honra e no seu caráter, o instinto mais pacífico acaba clamando pelo troco em igual medida ou em maior proporção, a depender de quem venha a desonra ou a ameaça. Um fato normal, apenas humano, quando a ninguém é dado ferir sem ser ferido, fazendo valer o olho por olho dente por dente. Ou apenas a arma que se tenha perante o ataque.

O homem é a mesma onça nos seus habitats. Cada um procura apenas sobreviver sem precisar enfrentar predadores muito perigosos. Ataca-se quando preciso, mas evita-se viver com garras à mostra ou com navalha à mão. Mas não há jeito. Sempre a fome e a sede são trazidas pelo forasteiro que se arvora do direito de ameaçar. Então não haverá outra resposta senão o ataque feroz.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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