Por José Romero Araújo Cardoso
Ao Prof. Dr.
José Lacerda Alves Felipe, maior geógrafo do Estado do Rio Grande do Norte
Antônio Francisco Teixeira de Melo, sertanejo autêntico, licenciado em História
pelo Campus Central da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN),
doutor honoris causa pela mesma Instituição de Ensino Superior, mossoroense que
vem conquistando o planeta com seus cordéis bem escritos, inteligentemente
pensados e articulados, descobriu tardiamente dom apurado para a composição da
autêntica literatura popular nordestina.
Antônio Francisco Teixeira de Melo
Sua produção cordelista vem açambarcando do imaginário ficcional ao cotidiano,
passando pela defesa intransigente da natureza aos detalhes que marcaram e
marcam aglomerados humanos em forma de bairro, entre outras inúmeras
inspirações importantes.
Exemplo da influência exercida por sua infância em sua produção literária,
destaca-se importante cordel que integra a Coleção Queima-Bucha por título Um
Bairro chamado Lagoa do Mato, cuja apresentação ficou a cargo de Jane Melo,
irmã do renomado poeta popular mossoroense.
A primeira estrofe destaca que o cordelista nasceu em uma casa de frente para a
linha do trem da Estrada de Ferro Mossoró-Sousa, tendo crescido vendo a garça,
a marreca e o pato. À tarde o veto nordeste soprava forte, quando o trem
apitava, a máquina gemia, soltando faísca de fogo no ar.
O bucolismo pretérito do antigo bairro Lagoa do Mato é destacado em cada
estrofe, pois o canto do galo, a reposta do peru, o grito do pássaro carão
quebrando aruá, o pio da cobra caçando preá, o canto em dueto do sapo com a
jia, o balé do aguapé, eram completados com as histórias do avô sobre cabra
valente.
Em suma, verdadeira representação de comunidades marcadas pela simplicidade,
paz e harmonia, distante da agitação que caracterizam centros urbanos
sofisticados e marcados pela presença de circuitos superiores que fomentam
dinâmicas econômicas que desfiguram manifestações humanas aprazíveis e
naturais.
A poética contida na forma como a lua entrava na casa do cordelista suscita
forçar a memória a fim de buscar lembranças pretéritas acerca de um sertão puro
e simples em sua geografia humana, pois coisas corriqueiras que não fazem parte
de forma proeminente do cotidiano são enfatizadas, a exemplo do ato de comer
melancia com amigos de infância e depois se banhar em uma lagoa ainda não
poluída.
O rio Apodi-Mossoró, ainda livre de dejetos nocivos à saúde humana, corria sem
pressa, bem perto do bairro Lagoa do Mato. O cordelista e seus amigos, então,
aproveitavam para fazer coisas que hoje não integram indelevelmente a vida de
crianças mossoroenses, como pescar despreocupadamente traíras e piabas para o
almoço. Bastante evitado nos dias de hoje, devido a poluição, poucos se atrevem
a consumir peixes que ainda existem no rio que outrora serviu até para a
realização de regatas.
A poluição grassa célere, afetando significativamente a qualidade de vida das
pessoas que habitam as margens do rio Apodi-Mossoró, incidindo impactos
ambientais extraordinários que destoam as características naturais originais do
curso dágua genuinamente potiguar.
Na visão do cordelista Antônio Francisco, hoje tudo é diferente no bairro Lagoa
do Mato, pois a lagoa não existe mais, foi assoreada em razão dos interesses do
capital e dos descasos da humanidade para com o importante ecossistema. O vento
que antes amenizava o calor, conforme o poeta popular, está mais quente, fato
corroborado por muitas pesquisas cientificas que apontam o desmatamento como
uma das causas do aquecimento do vento nordeste.
Os raios da lua não conseguem brilhar, tendo em vista que o império dos neons
tirou o romantismo do satélite natural terrestre. Os peixes se perderam debaixo
do barro, enquanto o sapo e a jia foram embora, havendo ênfase somente para
rosas de plástico.
A desativação da Estrada de Ferro Mossoró-Sousa, além de ter tirado inúmeros
empregos diretos e indiretos, também trouxe desgosto a muitos moradores
potiguares e paraibanos que tinham na velha máquina alento para buscar
felicidade tão necessária ao dia-a-dia de todos os seres humano através da
incorporação do trem ao sentido das próprias existências. Contemplar a passagem
da composição férrea era algo que estava diretamente vinculado às atividades
das pessoas nos dois Estados nordestinos.
A modernidade, seus efeitos e suas consequências alcançaram o bairro Lagoa do
Mato, tirando-lhe a originalidade, mas pelo que foi destacado pelo cordelista
Antônio Francisco, ainda há resquícios da cultura popular presente de alguma
forma, quando pamonha, canjica, beiju, tapioca e outros coisas que são típicas
da produção da nossa gente ainda são comercializados no encantador bairro que
viu nascer um dos mais brilhantes representantes da autêntica literatura
regional.
José Romero
Araújo Cardoso:
Geógrafo
(UFPB). Especialista em Geografia e Gestão Territorial (UFPB-1996) e em
Organização de Arquivos (UFPB - 1997). Mestre em Desenvolvimento e Meio
Ambiente pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (2002). Atualmente
é professor adjunto IV do Departamento de Geografia/DGE da Faculdade de
Filosofia e Ciências Sociais/FAFIC da Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte/UERN. Tem experiência na área de Geografia Humana, com ênfase à Geografia
Agrária, atuando principalmente nos seguintes temas: ambientalismo, nordeste, temas
regionais. Espeleologia é tema presente em pesquisas. Escritor e articulista
cultural. Escreve para diversos jornais, sites e blogs. Sócio da Sociedade
Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC) e do Instituto Cultural do Oeste
Potiguar (ICOP).
Endereço residencial: Rua Raimundo
Guilherme, 117 – Quadra 34 – Lote 32 – Conjunto Vingt Rosado – Mossoró – RN –
CEP: 59.626-630 – Fones: (84) 9-8738-0646 – (84) 9-9702-3596 – E-mail:romero.cardoso@gmail.com
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