Por Erasmo Carlos
Um dos mais
belos manifestos ecológicos e em defesa da natureza e do planeta, nas sábias
palavras do bravo "Chefe Sealth" (Ts'ial-la-kum), mais conhecido
atualmente como Chefe Seattle (ou ainda Sealth, "Seathle", Seathl ou
See-ahth) ( 1786 — 7 de Junho de 1866), foi líder das tribos Suquamish e
Duwamish, no que hoje é o estado americano de Washington. No ritmo vertical
dos tambores indígenas o grande Erasmo Carlos complementa esse precioso legado,
adaptando essa carta escrita em 1855 pelo Cacique Seattle - USA
Erasmo Carlos
- A Carta do Índio
O grande chefe
branco
Quer comprar
as nossas terras
Quer nossa amizade
Mas não
precisa dela
Tão certo como
as estações do ano
Trarão armas
na certa
Pela paz dos
nossos filhos
Vamos pensar
na oferta
Ninguém compra
ou vende o céu
Nem o calor da
terra
Como podem
comprá-los de nós?
A ganância do
homem branco
Empobrecerá a
terra
Deixando
desertos e sóis
Jamais se
encontra a paz
Na cidade do
homem branco
Não se ouve a
primavera
Nem o crescer
do campo
Porém, se
aceitarmos a oferta,
Imporemos
condições
Daremos nossas
mãos
Homens,
animais e árvores
Vivendo como
irmãos
Mais depressa
que outras raças
O branco vai
fazer
A sua
desaparecer
Restará o fim
da vida,
Mulheres
tagarelas,
E a luta pra
sobreviver
Como um
recém-nascido
Ama o bater do
coração de sua mãe
Se vendermos
nossas terras
Ama-a, como
nós a amávamos
Protege-a,
como nós a protegíamos
Ferir a terra
é demonstrar
Desprezo pelo
criador
Com força,
poder e coração
Conserva-a
para teus filhos
Nosso Deus é o
mesmo Deus
Esta terra é
querida por ele
Nem mesmo o
homem branco
Pode mudar o
nosso destino comum
Cacique
Seattle,
Tribo
Duwamish,
Washington,
1855,
Estados Unidos
da América do Norte
Em 1855, o
cacique Seattle, da tribo Suquamish, do Estado de Washington, enviou esta carta
ao presidente dos Estados Unidos (Francis Pierce), depois de o Governo haver
dado a entender que pretendia comprar o território ocupado por aqueles índios.
Faz mais de um século e meio. Mas o desabafo do cacique tem uma incrível
atualidade. A carta:
"O grande chefe de Washington mandou dizer que quer comprar a nossa terra.
O grande chefe assegurou-nos também da sua amizade e benevolência. Isto é
gentil de sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade. Nós
vamos pensar na sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco
virá com armas e tomará a nossa terra. O grande chefe de Washington pode
acreditar no que o chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos
brancos podem confiar na mudança das estações do ano. Minha palavra é como as
estrelas, elas não empalidecem.
Como pode-se
comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal ideia é estranha. Nós não somos
donos da pureza do ar ou do brilho da água. Como pode então comprá-los de nós?
Decidimos apenas sobre as coisas do nosso tempo. Toda esta terra é sagrada para
o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias de areia, cada véu de neblina
nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados
nas tradições e na crença do meu povo.
Sabemos que o
homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra
é igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba da terra
tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de exauri-la
ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai sem remorsos. Rouba a terra
de seus filhos, nada respeita. Esquece os antepassados e os direitos dos
filhos. Sua ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos. Suas
cidades são um tormento para os olhos do homem vermelho, mas talvez seja assim
por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende.
Não se pode
encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem lugar onde se possa ouvir o
desabrochar da folhagem na primavera ou o zunir das asas dos insetos. Talvez
por ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é terrível para os
meus ouvidos. E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a
voz do corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo à noite? Um índio prefere
o suave sussurro do vento sobre o espelho d'água e o próprio cheiro do vento,
purificado pela chuva do meio-dia e com aroma de pinho. O ar é precioso para o
homem vermelho, porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar, animais,
árvores, homens. Não parece que o homem branco se importe com o ar que respira.
Como um moribundo, ele é insensível ao mau cheiro.
Se eu me
decidir a aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais
como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa ser de
outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias abandonados pelo
homem branco que os abatia a tiros disparados do trem. Sou um selvagem e não
compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais valioso que um
bisão, que nós, peles vermelhas matamos apenas para sustentar a nossa própria
vida. O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem os homens
morreriam de solidão espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pode
também afetar os homens. Tudo quanto fere a terra, fere também os filhos da
terra.
Os nossos
filhos viram os pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o
peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio e envenenam seu
corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes. Não tem grande importância
onde passaremos os nossos últimos dias. Eles não são muitos. Mais algumas horas
ou até mesmo alguns invernos e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram
nestas terras ou que tem vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará
para chorar, sobre os túmulos, um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de
confiança como o nosso.
De uma coisa
sabemos, que o homem branco talvez venha a um dia descobrir: o nosso Deus é o
mesmo Deus. Julga, talvez, que pode ser dono Dele da mesma maneira como deseja
possuir a nossa terra. Mas não pode. Ele é Deus de todos. E quer bem da mesma
maneira ao homem vermelho como ao branco. A terra é amada por Ele. Causar dano
à terra é demonstrar desprezo pelo Criador. O homem branco também vai
desaparecer, talvez mais depressa do que as outras raças. Continua sujando a
sua própria cama e há de morrer, uma noite, sufocado nos seus próprios dejetos.
Depois de abatido o último bisão e domados todos os cavalos selvagens, quando
as matas misteriosas federem à gente, quando as colinas escarpadas se encherem
de fios que falam, onde ficarão então os sertões? Terão acabado. E as águias?
Terão ido embora. Restará dar adeus à andorinha da torre e à caça; o fim da
vida e o começo pela luta pela sobrevivência.
Talvez
compreendêssemos com que sonha o homem branco se soubéssemos quais as
esperanças transmitem a seus filhos nas longas noites de inverno, quais visões
do futuro oferecem para que possam ser formados os desejos do dia de amanhã.
Mas nós somos selvagens. Os sonhos do homem branco são ocultos para nós. E por
serem ocultos temos que escolher o nosso próprio caminho. Se consentirmos na
venda é para garantir as reservas que nos prometeste. Lá talvez possamos viver
os nossos últimos dias como desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver
partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das
pradarias, a alma do meu povo continuará a viver nestas florestas e praias,
porque nós as amamos como um recém-nascido ama o bater do coração de sua mãe.
Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Protege-a como nós a
protegíamos. Nunca esqueça como era a terra quando dela tomou posse. E com toda
a sua força, o seu poder, e todo o seu coração, conserva-a para os seus filhos,
e ama-a como Deus nos ama a todos. Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo
Deus. Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o homem branco pode evitar o
nosso destino comum."
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