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quinta-feira, 17 de novembro de 2016

O SERTÃO E A FALTA DAS DUAS ÁGUAS

*Rangel Alves da Costa

“Desde o tempo de menino que me vejo em desatino, sobre a terra esturricada do tanque não restar nada, padecer é o destino por essa triste jornada. A seca vem derrubando, a bicharada dizimando, não resta uma só boiada, ê gado ê ô...”, assim o aboio dolente do sertanejo sofrido com a secura da terra. Retrato aflitivo de hoje, mas já revelado desde que o sertão passou a ser conhecido como tal.

Contudo, é outro aboio, e este bem mais recente, que agora anda de boca em boca como grito revoltoso do homem perante a insensibilidade de outro homem, do governante: “Quando a torneira do céu se fecha deixando ao léu o sertanejo sedento, tudo dói em desalento, mas seca é coisa sagrada, diferente da torneira que é pelo homem fechada e toda gente castigada. A conta chega certeira, mas quando abre a torneira nem da água a poeira...”.

Dois aboios e duas verdades. O sertão tomado por duas aflições, que se aproximam e se contrastam por que uma deveria ser pela outra amenizada. Mas assim não ocorre. Quanto mais a estiagem se prolonga, quanto mais o sertanejo se ajoelha perante o barreiro lamacento, quanto mais a sede toma conta de todos, mais as torneiras estatais da Deso se negam a compreender o sofrimento do homem e do bicho.

A verdade é que o sertão é sofrido demais. Sofre pela seca, sofre pelo descaso governamental. De cima não cai um pingo d’água, pelas tubulações não escorre uma gota d’água. E assim, ante a ausência de chuvas e a secura nas torneiras, resta tão somente o padecer sertanejo e o lamento angustiante do homem em sua plena desolação. E para quem exige a conta mensalmente paga, tanto faz que a água chegue ou não. É situação de rima triste: tão dolorosa quanto vergonhosa.

É uma situação dolorosa demais. Pelos campos e descampados sertanejos a secura na terra se alastrando e definhando resto de planta, bicho e homem. Os gravetos se acumulam onde havia um resquício de pastagem, os animais de cria e de mataria andejando no passo de moribundos, o homem da terra sentindo na pele e no coração a dor de si mesmo e de tudo aquilo que vai jazendo em magreza pelos arredores. Em casa, abrir a torneira é certeza de nenhuma gota caindo.


É uma realidade angustiante demais. Sem nada no fundo do tanque, sem resto molhado no fundo do pote, sem torneira que se abra enchendo a caneca, fica difícil demais. Acostuma com a seca por que não há jeito a dar, porém não suporta pagar todo mês – e com um sacrifício danado – a conta da água que chega e não ter um pinguinho sequer. Amanhece e anoitece e sempre a mesma situação: uma torneira que nunca enche um copo e uma conta de encher um rio.

As secas doem, causam profundos sofrimentos, mas o homem da terra compreende e sabe que tem de suportar suas consequências. Não há como acabar com as estiagens, não há como modificar os ciclos das chuvas, não há como reverter uma situação que antecede à própria existência humana na região. Mas não consegue compreender - e pleno de razão - o porquê de sofrer tanto pelas mãos de governantes que ainda fazem da sede e da morte um nefasto jogo político eleitoreiro.

Dói, angustia, torna o homem desesperado. Um padecente que mesmo acostumado com a situação, pois ela sempre chega e se prolonga, dessa vez parece ter chegado de forma mais insistente, mais terrível, mais impiedosa. Em muitas regiões sertanejas ainda há total dependência das águas das chuvas. Sem o sonho da água encanada (que mais tarde sempre se torna em pesadelo), sem a torneira que exista ao menos como ilusão, muita gente ainda vive do que foi juntado na trovoada, na chuvarada grande que passou por ali. 

As águas juntadas nos tanques, poços, cisternas, baldes, potes e outros reservatórios, acabam se tornando em meio de salvação de homem e bicho. Do líquido acumulado é que se bebe, cozinha, mata a sede do animal, numa serventia danada de boa. Mas quando as reservas escasseiam ou acabam de vez, e não há como esperar água de torneira, então é como se o mundo desandasse em aflição e tormento.

Contudo, não é diferente o sofrimento daquele que pagou para ter água encanada. Ora, a seca é a mesma, tanto no tanque como na torneira. Qual a diferença viver à beirada de um tanque seco e duma torneira da Deso? Absolutamente nenhuma. O que mais dói é que a Companhia de Saneamento de Sergipe verdadeiramente achincalha, zomba, faz escárnio com a população sertaneja. Na região de Poço Redondo, por exemplo, água só chega por poucos minutos depois de quatro ou cinco dias. E logo some de vez.

Mas a conta não atrasa de jeito nenhum. E um carro da empresa de canto a outro cortando o fornecimento daquele que não pagou pelo serviço não prestado. Resta dizer, sem medo de errar: a Deso é a maior vergonha de Sergipe, é a maior inimiga do sertanejo.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

http://blogdomendesemendes.blogspot.com


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