*Rangel Alves
da Costa
“Desde o tempo
de menino que me vejo em desatino, sobre a terra esturricada do tanque não
restar nada, padecer é o destino por essa triste jornada. A seca vem
derrubando, a bicharada dizimando, não resta uma só boiada, ê gado ê ô...”,
assim o aboio dolente do sertanejo sofrido com a secura da terra. Retrato
aflitivo de hoje, mas já revelado desde que o sertão passou a ser conhecido
como tal.
Contudo, é
outro aboio, e este bem mais recente, que agora anda de boca em boca como grito
revoltoso do homem perante a insensibilidade de outro homem, do governante:
“Quando a torneira do céu se fecha deixando ao léu o sertanejo sedento, tudo
dói em desalento, mas seca é coisa sagrada, diferente da torneira que é pelo
homem fechada e toda gente castigada. A conta chega certeira, mas quando abre a
torneira nem da água a poeira...”.
Dois aboios e
duas verdades. O sertão tomado por duas aflições, que se aproximam e se
contrastam por que uma deveria ser pela outra amenizada. Mas assim não ocorre.
Quanto mais a estiagem se prolonga, quanto mais o sertanejo se ajoelha perante
o barreiro lamacento, quanto mais a sede toma conta de todos, mais as torneiras
estatais da Deso se negam a compreender o sofrimento do homem e do bicho.
A verdade é
que o sertão é sofrido demais. Sofre pela seca, sofre pelo descaso
governamental. De cima não cai um pingo d’água, pelas tubulações não escorre
uma gota d’água. E assim, ante a ausência de chuvas e a secura nas torneiras,
resta tão somente o padecer sertanejo e o lamento angustiante do homem em sua
plena desolação. E para quem exige a conta mensalmente paga, tanto faz que a
água chegue ou não. É situação de rima triste: tão dolorosa quanto vergonhosa.
É uma situação
dolorosa demais. Pelos campos e descampados sertanejos a secura na terra se
alastrando e definhando resto de planta, bicho e homem. Os gravetos se acumulam
onde havia um resquício de pastagem, os animais de cria e de mataria andejando
no passo de moribundos, o homem da terra sentindo na pele e no coração a dor de
si mesmo e de tudo aquilo que vai jazendo em magreza pelos arredores. Em casa,
abrir a torneira é certeza de nenhuma gota caindo.
É uma
realidade angustiante demais. Sem nada no fundo do tanque, sem resto molhado no
fundo do pote, sem torneira que se abra enchendo a caneca, fica difícil demais.
Acostuma com a seca por que não há jeito a dar, porém não suporta pagar todo
mês – e com um sacrifício danado – a conta da água que chega e não ter um
pinguinho sequer. Amanhece e anoitece e sempre a mesma situação: uma torneira
que nunca enche um copo e uma conta de encher um rio.
As secas doem,
causam profundos sofrimentos, mas o homem da terra compreende e sabe que tem de
suportar suas consequências. Não há como acabar com as estiagens, não há como
modificar os ciclos das chuvas, não há como reverter uma situação que antecede
à própria existência humana na região. Mas não consegue compreender - e pleno
de razão - o porquê de sofrer tanto pelas mãos de governantes que ainda fazem
da sede e da morte um nefasto jogo político eleitoreiro.
Dói, angustia,
torna o homem desesperado. Um padecente que mesmo acostumado com a situação,
pois ela sempre chega e se prolonga, dessa vez parece ter chegado de forma mais
insistente, mais terrível, mais impiedosa. Em muitas regiões sertanejas ainda
há total dependência das águas das chuvas. Sem o sonho da água encanada (que
mais tarde sempre se torna em pesadelo), sem a torneira que exista ao menos como
ilusão, muita gente ainda vive do que foi juntado na trovoada, na chuvarada
grande que passou por ali.
As águas
juntadas nos tanques, poços, cisternas, baldes, potes e outros reservatórios,
acabam se tornando em meio de salvação de homem e bicho. Do líquido acumulado é
que se bebe, cozinha, mata a sede do animal, numa serventia danada de boa. Mas
quando as reservas escasseiam ou acabam de vez, e não há como esperar água de
torneira, então é como se o mundo desandasse em aflição e tormento.
Contudo, não é
diferente o sofrimento daquele que pagou para ter água encanada. Ora, a seca é
a mesma, tanto no tanque como na torneira. Qual a diferença viver à beirada de
um tanque seco e duma torneira da Deso? Absolutamente nenhuma. O que mais dói é
que a Companhia de Saneamento de Sergipe verdadeiramente achincalha, zomba, faz
escárnio com a população sertaneja. Na região de Poço Redondo, por exemplo,
água só chega por poucos minutos depois de quatro ou cinco dias. E logo some de
vez.
Mas a conta
não atrasa de jeito nenhum. E um carro da empresa de canto a outro cortando o
fornecimento daquele que não pagou pelo serviço não prestado. Resta dizer, sem
medo de errar: a Deso é a maior vergonha de Sergipe, é a maior inimiga do
sertanejo.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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