*Rangel Alves
da Costa
Quando o mundo
acabou numa sexta-feira de 2088, Poço Redondo foi o único lugar da terra que
foi preservado da catástrofe final. Tudo se transformou em pó, enquanto a
cidade do sertão sergipano permaneceu intacta. E tão intacta como há 20 anos,
no calendário de agora. O que significa dizer que em 2088 tudo continuava com a
mesma feição que se tem agora nas ruas, praças e avenidas.
E foi por isso
mesmo que Poço Redondo continuou existindo quando o mundo acabou. Deus disse
que um povo já sofrido demais não merecia sucumbir sem que algum dia uma só
felicidade lhe batesse a porta. E assim por que dia após dia, ano após ano, e o
povo na desvalia de tudo.
E havia
chegado em 2088 do mesmo jeito: uma cidade abandonada, feia e triste. Contudo,
o real motivo da preservação do fim foi um equívoco divino: achava-se que Poço
Redondo já havia acabado e, por isso mesmo, não precisava mais ser exterminada.
Foi a sorte dos que aqui estavam.
No dia
seguinte ao fim do mundo por onde o mundo acabou, Zé Veinho - que nessa época
já contava com cento e tantos anos - abriu a porta para se certificar de que
tudo estava mesmo em pé. Olhou de canto a outro e avistou resto de coco pelos
arredores da praça, garrafas e copos por cima de canteiros sem gramas nem
flores, praças que mais pareciam mausoléus em cemitérios abandonados. Este é
mesmo Poço Redondo, confirmou o velho Zé Veinho satisfeito.
Nesse ano de
2088, já não havia mais cerveja em garrafa, pois somente em pó. Então Zé Veinho
foi até um barzinho e pediu um quilo de pó de cerveja e uma colher. Ali sentou
recordando de um tal de Roberto Carlos que havia existido há muitos anos,
quando viu um amigo se aproximar. Ofereceu uma colherada, mas o amigo respondeu
que preferia trezentos gramas de aguardente. Sentados os dois na mesma mesa,
começaram a conversar.
O velho Zé
Veinho sabia de tudo, mais parecendo uma enciclopédia de museu. E foi dizendo
que da próxima vez que o mundo fosse acabar, dali a duzentos anos ou mais, não
tinha dúvida que Poço Redondo estaria do mesmo jeitinho. Basta ver o que mudou
de lá pra cá, desde quando tudo começou até aquela data. Nada ou quase nada. E
o mais interessante é que enquanto os outros lugares foram se desenvolvendo,
com Poço Redondo aconteceu o contrário.
Zé Veinho
falava e o amigo ouvia, e este de vez em quanto pedia mais algumas gramas de
aguardente. E o Veinho prosseguia: Hoje já estamos em 2088 e está quase tudo
igual ao final dos anos noventa do século passado. Foi a partir de então que a
pujança que era Poço Redondo passou a esmorecer. Para se ter ideia, a vida era
melhor naqueles tempos do que depois e muito depois. O povo era pobre, mas
quase todo pai de família possuía sua terrinha.
“Traga mais um
quilo de pó de cerveja”, gritou Veinho ao dono do bar. E prosseguiu. Sabe o que
era uma cidade de paz, de respeito, amigueira, era Poço Redondo. Em noite
calorenta, qualquer um podia estender uma esteira na calçada e dormir
tranquilo. Ninguém sequer ouvia falar em coisa de droga, de roubo, de safadeza
pela safadeza.
E o pior de
tudo - prosseguiu Zé Veinho - foi que de repente tudo de bom que havia em Poço
Redondo pareceu acabar. Nunca mais se viu um baile bom de festa de agosto,
nunca mais se ouviu um sanfoneiro bom animando uma festança qualquer. O que
começou a aparecer foi música de safadeza e tudo o que não presta. E a cidade,
como ainda se vê, continua a mesma de muitos e muitos anos atrás. Não tá vendo
aquela praça feia ali, desse mesmo já existia em 2017. E por que o mundo acabar
Poço Redondo se tudo já está acabado mesmo.
Mas o amigo
perguntou: E os prefeitos de lá pra cá, que fizeram? Então Zé Veinho respondeu
na hora que era melhor falar sobre Roberto Carlos.
Escritor
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