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quinta-feira, 9 de março de 2017

TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO: OS NECESSÁRIOS PINGOS NOS “IS” DIANTE DO DESCARAMENTO DE ALGUNS POLÍTICOS PARAIBANOS

Por Jonas Duarte

Falo com a autoridade de quem já foi um crítico persistente do Projeto de Transposição do São Francisco. Consideramos o projeto como uma obra que continua limitada à busca de soluções apenas hidráulicas para o Semiárido. Consideramos, todavia, que a questão do Semiárido é muito mais ampla e grave. Não se pode esperar desenvolvimento nessa região, no sentido amplo do termo, que não passe por sua reestruturação socioeconômica.

Essa reestruturação socioeconômica exige democratização do acesso a terra e a água, a eliminação da pobreza com políticas sociais inclusivas, a estruturação do território com inúmeras técnicas e tecnologias de captação, armazenamento, usos e reusos dos recursos hídricos no Semiárido, os quais não são poucos. Exige ainda um trabalho vigoroso de recuperação do nosso principal bioma, a Caatinga, e um redirecionamento forte na educação ali praticada, no sentido dela se tornar uma Educação Contextualizada às condições próprias do Semiárido, o que implica promover uma revalorização do Bioma e do Território com todas as suas características, colocando em evidência as potencialidades e possibilidades de convivência e transformação social desse lugar.

Pudemos constatar, ao longo do tempo e de profundas pesquisas, que muita gente foi capaz de progredir, avançar cultural, social e economicamente nessas terras, mesmo sob as desastrosas ou ausentes políticas públicas para o território, como resultado do uso de tecnologias disponíveis para produção e renda já existentes nesse espaço maravilhoso do território nacional.

Infelizmente, o nosso Bioma continua desvalorizado e mesmo a população da região ainda ignora as suas imensas possibilidades decorrentes da riqueza e diversidade das suas características próprias. Em conseqüência, o manejo ambiental e as técnicas mais utilizadas continuam ampliando o processo de desertificação, a degradação de nossos solos, de nossa vegetação e de nossa fauna. Persiste apenas a busca de soluções definitivas através de grandes obras, como se pudessem ser soluções mágicas.

É importante destacar desde já que no Semiárido brasileiro há muita possibilidade de vida, riqueza e desenvolvimento apenas tendo em conta as condições específicas que lhe foram dadas naturalmente. Acrescentamos que é possível praticar políticas econômicas inclusivas e de desenvolvimento social sob as condições naturais do semiárido.

Para ilustrar as afirmações acima, comparemos a realidade de dois municípios nordestinos. O primeiro, o pequenino município de Várzea, no estado da Paraíba, com pouco mais de 2 mil habitantes, inserido no Seridó Ocidental, região com média pluviométrica em torno dos 500 mm anuais. O segundo, o município de Belém do São Francisco, em Pernambuco, com cerca de 20 mil habitantes, banhado pelo Velho Chico, com uma média pluviométrica de 500 mm. Em ambos o MMA – Ministério do Meio Ambiente registra estágio grave de desertificação. Observem as diferenças sociais entre esses municípios.

TABELA I
DADOS SOBRE REALIDADE SOCIAL DOS MUNICÍPIOS DE VÁRZEA – PB E BELÉM DO SÃO FRANCISCO – PE
Índices
Várzea – PB
Belém de São Francisco – PE
IDH M (2010)
0,707
0,642
ÍNDICE DE GINI
0,35
0,44
INCIDÊNCIA DE POBREZA
46,97%
64,28%
Fonte: IBGE, Censo 2010

Para o leitor que não é acostumado com esses índices, segue uma pequena referência para facilitar o entendimento.

IDH M – Índice de Desenvolvimento Humano Médio – Expressa, de forma geral, a qualidade de vida da população a partir de três referenciais: Renda, educação e saúde. Quanto mais alto melhor a qualidade de vida da população.

Índice de Gini – Mede a concentração de rendas. Quanto mais próximo de 1 (um), mais concentrada se encontra a riqueza.

Incidência de Pobreza – Mede em percentual a população considerada pobre no município, pelos critérios de renda e acessibilidade a bens e serviços.

É indiscutível, pelos dados da Tabela, apresentados acima que, no geral, a qualidade de vida no município de Várzea, em uma das regiões mais secas do Brasil, e com dificílimo acesso a água é melhor do que em Belém de São Francisco, banhada pelo Velho Chico. Aliás, para quem conhece, sabe que às margens do São Francisco fica a grande miséria daquele município. Quem conhece Várzea, na Paraíba, sabe também que sua elevada taxa de desenvolvimento, comparada aos padrões do Semiárido brasileiro, advém de investimentos na área de Educação.

Os dados comparativos servem apenas para ilustrar o pensamento de parte da esquerda brasileira que, na época de apresentação do Projeto de transposição do rio São Francisco, em 2006/2007, se posicionou por privilegiar outras prioridades do governo Lula. Questionava-se tanto o aspecto dos riscos socioambientais da obra, como do ponto de vista socioeconômico.

Pressionava-se por uma nova forma de cuidar do nosso principal Bioma, a Caatinga. Defendíamos um novo rumo a ser dado nas políticas econômicas para o Semiárido, que se fizesse a Reforma Agrária no Semiárido, obedecendo às suas características próprias; que se fortalecesse a Agricultura Familiar Camponesa, as tecnologias de convivência, as obras de captação e distribuição de água, democratizadas; que em detrimento da Agricultura Familiar camponesa que alimenta o povo brasileiro, não fortalecêssemos as grandes empresas internacionais que, afinal, já tomam conta das águas e de parte do próprio São Francisco, onde essas águas se escasseiam fruto desse uso desastroso. Enfim, era nesse rosário de críticas que parte da esquerda militante no Semiárido se baseava para contestar as obras de transposição do São Francisco, tidas como prioridade absoluta pelo Governo Lula para a Região.

Parte do que as esquerdas propunham para o Semiárido foi atendido nos governos Lula e Dilma. Outros aspectos não foram contemplados. Porém, de uma coisa Lula e Dilma não abriram mão. DA INTEGRAÇÃO/TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO.

Sendo sinceros e honestos com a história e com as pessoas, temos que reconhecer que, enfrentando todas as críticas acima apontadas, e todas as desconfianças expressas pelos movimentos sociais de caráter popular mais à esquerda (que o apoiaram sempre), foi o presidente Lula quem arregaçou as mangas, assumiu o Projeto e teve a coragem de iniciar, construir e assegurar os recursos para a Obra. Isso foi feito com o absoluto desprezo e descrédito por parte das oligarquias de sempre, que nunca tiveram ou quiseram destinar recursos a grandes obras no Nordeste.

O debate à esquerda agora não pode ser mais “que a obra não deveria, não poderia ter sido prioridade”. Parte das alternativas apresentadas ao projeto original não foram incorporadas, ponto final. A realidade objetiva nos mostra hoje que essa obra vai salvar, eu disse: SALVAR, da sede, milhões de nordestinos. Não há mais sentido ficar em discussões: “mas SE… Se … se”. Não. A primeira atitude de alguém sensato, preocupado com as transformações sociais que necessitamos é discutir a realidade objetiva, concreta. O fato é que a obra foi feita, com todos os riscos que conhecemos.

Cabe agora aos movimentos populares sociais debater como a obra pode e deve beneficiar o máximo de pessoas, sem incorrer em tantos riscos ambientais que sabemos existir. E sem se tornar base de mais concentração de riquezas de um lado, pobreza, miséria e destruição ambiental do outro, como enfim ocorre em todas as obras inseridas na lógica perversa do capital.

É preciso combater com veemência o Hidronegócio, que pode (está de olho) transformar em mercadoria as águas que começam a jorrar, usando às claras esses recursos públicos, comuns a todas e todos, para seu exclusivo beneficio, como já se faz desde muitos anos em gigantescas áreas de terras às margens do Velho Chico, acumulando fortunas de um lado e espalhando miséria e destruição ambiental do outro.

Em função do que foi dito até aqui é preciso colocar alguns pingos nos “is” e divisar algumas tarefas para minimizar os riscos efetivos que decorrem da Transposição do São Francisco.

Primeiro e fundamental aspecto. Desmascarar esses políticos oportunistas, que descaradamente e sem nenhuma vergonha querem se apropriar da Obra. Como se a Transposição tivesse sido uma conquista deles ou mérito deles. Estou falando de políticos GOLPISTAS, responsáveis por toda onda de violência e agressividade que sofrem hoje a Presidenta Dilma e o Presidente Lula. Políticos que agora se apressam em ir a rádios, TV’s,  Jornais, espalhar outdoors em defesa da transposição, pegando carona e  dizendo que a transposição tem suas caras. Ora, estes políticos participaram, apoiaram os diversos governos federal a vida toda, se beneficiaram de todos, absolutamente todos os governos que ali passaram, sejam de golpistas, ditadores ou democratas; neoliberais ou desenvolvimentistas. Abarrotados de dinheiro, nunca foram além de tratar a Transposição do rio São Francisco como mero projeto, ou de fazerem belos discursos. Só isso. Na hora H, apenas Lula teve coragem, “sangue no olho”, como se dizemos por aqui, para tirar a Obra do papel, do discurso, e assegurar sua execução.

A Lula principalmente, e a Dilma devemos o nosso reconhecimento. Não se pode esquecer que a Obra fez parte do PAC – Plano de Aceleração do Crescimento, claramente uma política desenvolvimentista, antineoliberal, assegurada pela visão de Dilma e Mantega (demonizados por neoliberais de plumagem tucana). A Obra cumpriu também um papel anticíclico, sendo uma forma de enfrentar a crise do capitalismo, sem se render ao neoliberalismo clássico.

O que já ouvimos e vimos nos últimos dias nas emissoras de rádio e TV na Paraíba, nos enoja. Seria risível se não fosse trágico e imoral…Até o “chuchu tucano” de São Paulo apareceu por aqui para dar entrevistas mostrando o que fez pela Obra. Nossos políticos voltaram ao nível anterior a 30, pré-Getúlio Vargas. Seus comportamentos são lastimáveis, tristes, coronelescos. Nunca assisti tanto cinismo, despudor e oportunismo. O líder local golpista, dos tucanos, eleito senador pela Paraíba para defender as “Quatrocentonas paulistas”, descaradamente, desavergonhadamente atribui à FHC o inicio da Obra. Como não se indignar diante de tanto oportunismo? De tanto descaramento?

Caso tivéssemos influência junto aos petistas ou tivéssemos algum contato pessoal com Lula ou com alguém do seu staff, proporíamos uma vinda de Lula à Monteiro, à pequenina e rebelde Paraíba. Iniciaria na terra do valente João Santa Cruz, de saudosa memória do levante de 1912 contra João Machado e o “machadismo”, uma cruzada pela verdade. Ali, nas terras do maior repentista do Brasil, Pinto, esse símbolo da cultura popular sertaneja; nas terras do grande Zé Marcolino (aquilo tudo era Monteiro). Na terra do cantor da música que pede para o “rio desaguar”, o grande Flávio José. A partir de Monteiro deveria surgir uma espécie procissão da verdade sobre a Obra de Transposição do velho Chico. Lula à frente, ali em Monteiro. Reuniria Ciro Gomes, seu Ministro que começou toda essa peleja e brigou com muita gente, especialmente com nós da esquerda para a Obra sair. Traria Dilma e Mantega, os ideólogos economistas. Unir-se-ia ao Governador Ricardo Coutinho, guerreiro fiel nas horas de turbulência, aliado digno, que ficou ao lado desse Projeto, econômico, hídrico…

Ali, Lula, Ciro, Dilma, Ricardo Coutinho e todos os movimentos sociais que apoiaram e lutaram pelos governos deles, recebendo as águas do Velho Chico começaria uma reação à operação asquerosa contra os que querem se tornar “donos da obra”, claro. Seus objetivos é privatizar seus fins e amealhar seus rendimentos políticos e financeiros.

Essa turma golpista, aqui na Paraíba já se movimenta para privatizar a CAGEPA. No Congresso Nacional querem aprovar a permissão da entrega das terras banhadas agora pelas águas do Velho Chico para empresas estrangeiras, que monopolizam o agro e o hidro negócios hoje no mundo. Para essas explorarem as nossas águas, solos e sol e deixarem o cascalho conosco. São entreguistas sem pudor. As águas que hoje salvam de sede milhões de paraibanos, são vistas por eles, como matéria prima de fazer fortunas.

Do ponto de vista político é importante nesse momento fortalecer algumas das bandeiras levantadas pelo Governador Ricardo Coutinho, sobretudo, a sua posição firme em defesa da CAGEPA e da AESA. Companhias como estas, em mãos privatistas, vendáveis, entreguistas, seria um desastre para a Paraíba e paraibanos.

É necessário defender um Projeto Popular para Agricultura Familiar Camponesa, que fortaleça os pequenos agricultores, disponibilizando-lhes a água e tecnologias apropriadas para uma produção agroecológica, saudável e em harmonia com o meio ambiente. Na mesma direção, cabe fortalecer o INSA – Instituto Nacional do Semiárido, para efetivamente chegar junto das populações desse território com ciência e tecnologias voltadas ao desenvolvimento sustentável desse território. Os movimentos sociais do campo precisam ainda pressionar e exigir a recriação do MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário e, nele, uma Coordenação de Políticas para o Semiárido.

É de fundamental importância organizar uma campanha educativa e efetiva de revitalização e salvamento do Rio São Francisco. A Transposição não pode ser (como está sendo) mais um fator de agressão e morte àquele rio. Pode e deve se transformar num instrumento de sua defesa, de sua revitalização. Faz-se igualmente necessária uma campanha em defesa da revitalização dos rios da Paraíba, especialmente das bacias hidrográficas do Paraíba e Taperoá (recebedoras do Eixo leste).

Hoje todos os paraibanos devem saber que desmatar é crime e o atalho curto para destruir sua perspectiva de futuro. é necessário aproveitar a oportunidade para um grande programa de educação ambiental, voltado ao recaatingamento, ao combate à desertificação e a recuperação de nossas áreas degradadas e consequentemente da revitalização de nossos rios. São tarefas fundamentais de quem pensa no futuro.

Vamos aproveitar a chegada das águas do São Francisco para fazer esse debate em nosso estado.

Sejamos firmes: Água para a vida, não para a exploração, lucro e acumulação de riquezas só de alguns. Afinal é no Semiárido que a vida pulsa, é no semiárido que o povo resiste.

Sobre o assunto:
Transposição: o legado de Marcondes e o paradoxo político

COMENTÁRIOS
João Suassuna – Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco

Que a água vai chegar na Paraíba, isso não resta a menor dúvida. No entanto, o foco da discussão não é esse. O problema está na segurança do rio, no fornecimento de volumes suficientes para o abastecimento de 12 milhões de pessoas no Setentrional nordestino, sem, ante, por em risco o meio ambiente da bacia e todos os investimentos já efetuados no rio. A Chesf já investiu algo entorno de U$ 13 bilhões, no parque gerador de energia do Nordeste. Cerca 80% dos volumes do rio são utilizados no setor geração elétrica. Atualmente, está sendo irrigada uma área de mais de 340 mil ha, e ainda existem os bombeamentos efetuados para o atendimento das demandas hídricas das populações ribeirinhas. Lembro, também, que a represa de Sobradinho está com cerca de 14,6% de seu volume útil (no mês de abril a represa teria que estar com 60% de seu volume preenchido para não haver problemas no atendimento de demandas). Estamos à cerca de 60 dias do encerramento da quadra chuvosa da região, ou seja, há possibilidades concretas de a represa vir a entrar em volume morto no mês de novembro. Caso isso aconteça, gostaria de ver a cara de todos esses políticos que, atualmente, estão brigando pela paternidade desse conflituoso projeto.


Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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