*Rangel Alves
da Costa
Um dos maiores
que tenho na vida é estar no meu sertão sergipano, em Nossa Senhora da
Conceição meu berço de nascimento, mas principalmente andando de chinelo de
dedo pelos caminhos de terra nua.
Causa
indescritível prazer quando saiu do asfalto da cidade e mais adiante encontro a
estrada, a vereda, o caminho. E ao redor de tudo as paisagens, que mesmo secas
e cinzentas despertam alegria ao olhar. Pisando em chão batido, em terra solta,
por riba de grãos graúdos, de pontas de pedras e espinhos, vou seguindo adiante
nos meus percursos de reencontro.
Percursos de
reencontro pelo fato de já ter caminhado outras vezes pelas mesmas estradas e
rumo aos mesmos lugares, mas a cada retorno um novo prazer pelo cotejo entre o
ontem e o agora. E reencontro também pela revivência com a história, com as
velhas raízes sertanejas, com o que ainda resta do passado.
Foi numa
dessas andanças que no último sábado eu enveredei para o outro lado da cidade,
seguindo até uma antiga comunidade denominada Alto de João Paulo, uma povoação
de raiz familiar e que até hoje preserva muito do seu passado mais distante.
Surgida apenas como Alto, pois localizada numa região mais alta cerca de um
quilômetro após o Riacho Jacaré (que passa ao redor da cidade de Poço Redondo),
depois passou a ser conhecida como Alto de João Paulo, numa merecidíssima
homenagem a um de seus mais afamados moradores: João Paulo, de saudosa memória.
Como dito, na
tarde deste último sábado fui caminhando até o Alto de João Paulo para
conversar com amigos que tenho por lá e distribuir alguns bombons de chocolate
às crianças. Depois da passagem do Riacho Jacaré, na subida ao redor do antigo
campo de Luiz Doce, a sensação é de reencontro com um Poço Redondo ainda vivo
na sua memória. Reencontrar o Alto é como sentir a presença daqueles sertanejos
que tanto dignificaram a nossa história. Os cangaceiros, os vaqueiros, os
lavradores, os homens das caatingas e os homens da terra.
A povoação e
seus arredores foram berço de nascimento de muitos jovens que mais tarde
serviram ao bando do Capitão Lampião como cangaceiros, a exemplo de Adília e
seu irmão Delicado, Sila e seus irmãos Novo Tempo, Mergulhão e Marinheiro (Du,
Gumercindo e Antônio), filhos de Paulo Braz São Mateus e irmãos de João Paulo.
Berço de convivência também de famosos vaqueiros como Humberto Braz e Abdias,
igualmente irmãos de João Paulo. No Alto de João Paulo também morava o maior
artesão de chocalhos, ferros e ferraduras da região, o renomado Galego.
Alto de João
Paulo do próprio João Paulo, dos Mulatinho, de Maximino, de Adília, de toda a
família Braz, Sarmento e tantas outras, cujas raízes foram gerando gerações e
gerações. E ainda hoje tudo parecendo como ontem. Uma comunidade de feição
familiar e de parentes e amigos sentados ao entardecer debaixo e ao redor das
árvores centenárias. E de vez em quando era como se ouvisse João Paulo gritando
todo festeiro. Voz alta, quase um grito, cumprimentando a todos e a seu sertão.
E como foi bom avistar famílias nas calçadas, crianças brincando, amigos em
proseando. Bem ali ao lado da cidade e uma comunidade ainda preservada em toda
a sua inteireza.
E lá nos
sertões antigos um povo fincou raiz e fez erguer gerações. E as gerações
surgidas se dividiram em permanecer no lugar ou se mudar pra cidade. Os que
permaneceram ainda preservam em pujança toda vida e história. E Deus permita
que o progresso chegue sem jamais apagar a memória e a história do Alto de João
Paulo, desde suas raízes aos seus troncos e frutos de agora. Contudo, o que
tanto me alenta é saber que mesmo os que vivem na cidade ou mesmo em outras
localidades, possuem apego e amor indescritíveis pelo seu tão rico chão
sertanejo, bem ali, pertinho, numa caminhada só, depois da passagem do
riachinho.
Tudo isso,
catado como história e colocado no embornal da memória, é o que sempre me move
a tanto gostar de andar pelos caminhos do meu sertão.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
blogdomendesemendes.blogspot.com.br
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