*Rangel Alves
da Costa
Boca fechada
resguarda tudo. Muito melhor se manter calado a abrir o verbo de vez, ainda que
os motivos e as justificativas sejam os mais plausíveis. Melhor evitar a falar
ao vento, mesmo que seja indescritível o prazer de despejar tudo de vez.
Então, calado
eu fico, permaneço, continuo. Melhor assim a abrir a boca para dizer umas
verdades a grande parte de uma população brasileira que reclama e reclama,
critica e critica, mas na hora de votar se ajoelha à mesmice corrupta e
lamacenta.
Calado eu fico
para não dizer umas poucas e boas a uma gente que parece não ter o que fazer e
se compraz em assistir as baboseiras e idiotices de um BBB. E ainda por cima,
apaixonadamente, leva às redes sociais seus fervores e suas pequenezas humanas.
Calado eu
permaneço para não fazer da voz punhal afiado nem da palavra uma arma mortal.
Mas é que dá vontade mesmo de dizer nas fuças umas poucas e boas. A gente vai
guardando e guardando, suportando e suportando, mas chega um instante que corda
arrebenta e não tem jeito mesmo.
Calado eu fico
quando sinto que não vai adiantar mesmo o que eu possa dizer. Falar ao vento é
perda de tempo, dizer a quem não sabe ouvir é gastar saliva, dialogar com o
analfabetismo político é ter raiva sozinho. Ora, se não fosse o ódio e o rancor
aprisionados, creio que o eterno silêncio seria a melhor palavra.
Calado eu fico
por que sei que de minha voz pode sair tiro, bala, espoleta, chumbo,
estricnina, veneno mortal. Não que minha palavra seja maldosa, cruel, ferina ou
bala certeira, mas que se torna impossível não detonar perante determinadas
situações. Num doa a quem doer, o mais importante mesmo é não aceitar
enraizando os absurdos de um mando insano.
Calado eu
estou agora e não sei por quanto tempo continuarei assim. Talvez por um
instante apenas ou pela eternidade. Mas não adianta, pois o meu olho brilha, a
minha pele eriça, o meu sangue ferve, o meu corpo avermelha. Tudo raiva, tudo
ira, tudo ódio por tantas incoerências, injustiças e iniquidades.
Calado eu fico
como fica a montanha após a presença do sábio. Medito, reflito, encontro
razões. Em silêncio eu fico como o velho sábio ante o as águas que lentamente
passam no leito do rio adiante. Medito, reflito, procuro encontrar. Sem palavra
permaneço como permanece o céu na presença da luz maior.
Calado eu fico
para não, através da voz, levantar os tapetes que escondem as podridões dos
poderes, os esgotos políticos, as putrefações que assolam o país. Não significa,
contudo, que assim eu permaneça, pois apenas buscando fôlego para bradar de vez
um inconformismo que já perdura desde tempos mais antigos.
Calado eu fico
para não ferir, machucar, atentar contra qualquer pessoa. Calado eu fico, mas
como uma vontade danada de xingar de tudo o que não presta, de dizer nas fuças
umas boas verdades, de fazer sair pela boca tudo o que precisa ser gritado e
que ainda permanece em doloroso silêncio.
Calado eu fico
por que sei que a taça é frágil, que os candelabros são frágeis, que as asas
das borboletas são frágeis, que o silêncio é frágil demais para ouvir. Ao abrir
a boca, talvez um vendaval saia destroçando tudo. E não quero que o frágil
pereça pelos meus ódios e rancores.
Calado eu fico
até quando quero falar e dizer te amo, te amo, te amo. Calado eu fico quando eu
precisava declamar poesia ao meu amor. Calado eu fico quando quero falar coisas
belas e que agradem ao coração. Mas tenho olhos, mãos e corpo que tudo dizem e
tudo pedem.
Calado eu fico
agora. Emudeço. Vou guardar minha voz para quando eu precise me revelar um
segredo: Não haveria de ter palavra. Bastaria o silêncio!
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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