*Rangel Alves
da Costa
Tem gente que
simplesmente renega a realidade presente por justas razões pessoais. Diante do
mundo desconsertado dos pés à cabeça, perante um cotidiano cada vez mais
brutal, injusto e cruel, ante todas as hipocrisias humanas, acaba não
acreditando mais em nada. Ou não deixando de acreditar, porém agindo sem
qualquer preocupação com o novo ou com o espanto surgido a cada instante.
E também muita
gente que de tanto conviver com uma realidade de injustiças, de bajulações, de
perseguições, de descasos, de aberrações rotineiras, apenas prefere seguir
adiante sem dar a mínima importância. Estranho que assim aconteça, vez que os
acontecimentos acabam afetando a vida de grande parte da população, mas ainda
assim justifica suas ausências dessa realidade pelo simples fato de já estar
cansado de tanta mesmice desalentadora.
Todo dia surge
uma nova notícia - ou mesmo repetindo a de ontem - dando conta de um
acontecimento pior que o outro. A fome continua matando muita gente no mundo, o
terrorismo ataca mais uma vez e faz jorrar sangue de dezenas de inocentes, a
terra novamente tremeu em algum lugar, os governos continuam massacrando as
minorias dentro de seus próprios territórios, mais um barco que naufragou com
velhos e crianças em busca de refúgio em terras estrangeiras, mais uma vez a
ONU aplica sanções que jamais são cumpridas, governos prometem guerra, outros
guerreiam contra os próprios governados.
Tudo isso - e
se repetindo sempre - faz qualquer um desacreditar que o mundo ainda possa
encontrar uma solução ao menos de sobrevivência. E por isso mesmo chega um
instante que ou faz de conta que nada disso acontece ou tende a enlouquecer
como o próprio mundo. Viver para o que acontece lá fora acaba levando a pessoa
a negligenciar ou se esquecer de sua própria realidade. E muitas vezes uma
praga devasta o resto da plantação por que o pensamento estava voltado para
outras pragas.
Surge então a
necessidade de fechar esse livro de dor e sofrimento. É um afastamento dessa
realidade cruel pela necessidade de se pensar na própria vida, na existência
sobre a terra, nos afazeres do dia a dia. Não há como compartilhar o viver
próprio com os absurdos que estão mais adiante e muito além. E assim porque tem
gente que já endoidou de tanto ouvir notícia ruim, de tanto presenciar tragédias,
de tanto se preocupar com as misérias humanas que pontuam a cada instante.
Por isso mesmo
que Seu Belarmino desde muito que não está nem aí para o que ocorre lá fora de
sua porteira. E coitado de Seu Belarmino se continuasse acompanhando as
realidades do planalto, os lamaçais da política e dos políticos, as ladroeiras
anunciadas a todo instante, as prisões em cardume de peixes grandes, as novas
operações da federal e seus mandados de prisão e de busca e apreensão, as
falcatruas e as mentiras, os venenos das jararacas e as maluquices de políticos
desesperados. Sem falar no aumento desmedido da violência, no valor absurdo da
cesta básica, na falta de segurança da população, da saúde e da educação sendo
tratadas como retalhos remendados pelos governantes.
E Seu
Belarmino tem razão. Faz muito bem em desacreditar de muito da vida de agora,
da política e dos políticos, das promessas de candidatos, do que diz a
televisão, do que ouve de boca a outra. Segundo ele, desistiu de ser besta. E
por não mais querer pactuar com as mentiras e ilusões de um mundo que não se
ajeita de nenhum, é que o homem renegou de vez de sequer querer ouvir falar
dessas coisas. Para ele, tanto faz que entre e saia governante, que esse ou
aquele seja prefeito, vereador, senador ou deputado.
Para Seu
Belarmino, tanto faz chegar uma moda ou não, tanto faz que lhe venham com
notícias ou não, tanto faz que lhe digam que o mundo está assim ou assado. Não
acredita mais em nada dessa realidade perversa, mas somente no sentido de dar
ouvidos ou crédito ao que tanto de ruim acontece. Enquanto sua vaquinha padece
de fome e sede, não há como se preocupar se alguém chega para dizer que ninguém
vai mais se aposentar ou que de agora em diante o governo vai secar o bolso de
todo mundo para encher outros cofres. Seu Belarmino tá cansado disso tudo.
Decidiu que
sua vida não mais pertence ao mundo nem a qualquer realidade que não seja a
sua. Político pode ser preso ou solto que ele não tá nem aí. Sequer assiste
televisão ou ouve notícia de rádio. Sua vida é sua casinha, sua malhada, sua
pequena cria, seu pé de planta e sua pequena colheita. E pronto. Amanhecer e
anoitecer de bem com a vida e consigo mesmo. Come na cuia, bebe na moringa,
sorri e sonha deitado na velha rede. Faz bem Seu Belarmino, faz muito bem...
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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