Por Sálvio Siqueira
No tempo do
cangaço, muitas mentiras foram ditas a fim de livrarem-se da morte ou, pior,
para provocarem a de alguém. Interessante é que mais mentiras foram e são
contadas em muito, das entrelinhas de autores que não estavam, nem estão
comprometidos com a real história. Eles elaboraram suas obras, talvez pensando
em que nunca surgissem pesquisadores descentes e de responsabilidades. Coisa
que, felizmente, de um tempo para cá, apareceram.
Horácio
Cavalcanti de Albuquerque, nascidos aos 23 dias do mês de agosto de 1891, que,
ao longo da sua vida passa a ser conhecido por duas alcunhas: ‘Horácio Grande’,
devido sua estatura, e ‘Horácio Novaes’, esse veio depois do seu casamento com
a senhora Alice Cavalcanti Novaes. Horácio era de uma família grande e bem sucedida,
porém, seguiu pelo caminho tortuoso do banditismo. Devido ao seu temperamento,
ninguém nas redondezas de onde morava, e praticava seus crimes, tinha peito de
denuncia-lo nem tão pouco enfrenta-lo num combate.
Talvez pela
força que a família nas redondezas demonstrava.
Alguns familiares de Horácio, na tentativa de fazê-lo enveredar pelo caminho do bem, da honestidade, fizeram de tudo. Quando o mesmo vai ao Estado vizinho do Ceará, na cidade de Porteiras, eles conseguiram um cargo de Delegado, devido à influência que tinham naquela região. No entanto, em vez de exercer o ofício dignamente, ele passa a fazer pior, e dessa vez, acobertado pelo cargo. Não podendo mais ficar por lá, pois até em homicídio se envolve, retorna para o Pajeú das Flores.
Chegando às
terras em que nascera, continua praticando vários delitos e, um deles, é roubar
vários animais de uma propriedade rural no município de Floresta, PE,
denominada de ‘Tapera’, pertencente a uma família por todos conhecido como ‘Os
Gilo’, e vende-los em terras cearenses para o trabalho de carregar cana de
açúcar. O proprietário sai em busca de seus animais e termina por achar e
traze-los de volta. Ao retornar, comunica as autoridades locais o ocorrido.
Horácio é preso e processado. Ganhando a liberdade, ele em vez de procurar
corrigir-se, junta alguns companheiros bandidos, cangaceiros, e vão tentar
matar o dono dos animais que o denunciou. Leva tromba, não consegue seu intento
e, pior, perde alguns amigos na bala, outro foge e ele mesmo é baleado no “saco
escrotal”, tendo que ir para a Capital pernambucana fazer o tratamento.
Ciente da
disposição daquela família que ele tinha roubado os animais e que teve a
coragem, não só de denunciá-lo, mas de trocar tiros com ele e os seus capangas,
não abrindo de jeito nenhum, ele planeja um macabro plano para acabar com eles
junto ao “Rei do Cangaço”, pois depois que retorna da viagem para o tratamento,
passa a fazer parte do bando dele.
“(...) A carta
foi endereçada a Lampião e seu conteúdo não só insultava como também colocava
em dúvida a coragem do cangaceiro (...).” (“AS CRUZES DO CANGAÇO” – SÁ, Marcos
Antonio de. E FERRAZ, Cristiano Luiz Feitosa. (nossos amigos Marcos De Carmelita
Carmelita e Cristiano Ferraz).
Floresta, 2016)
Esse
‘desaforo’ fora aceito pelo “Rei Vesgo” como planejara antecipadamente Horácio
Novaes. A preparação, ao ataque à sede da fazenda, nós já contamos em outra
matéria, e tornaremos a conta-la em outra oportunidade, pois sempre surgem
detalhes que passam despercebidos. Nesse texto, nos limitaremos a tentar levar
para os amigos os acontecimentos, não no local da principal batalha, luta,
enfrentada pelos valorosos ‘Gilos’ contra a caterva sanguinária de Lampião,
onde foram vítimas de uma chacina, no terreiro da sede da fazenda.
Como sempre,
vemos as estratégias arquitetadas por Virgolino Ferreira em ação. O ‘Cego’
escolhe para o dia do ataque, um dia de ‘feira’ na sede do município, Floresta,
PE, um sábado, 28 de agosto de 1926. Sabia que sendo o dia da ‘feira’, a
maioria das pessoas que moravam na zuna rural iriam para a ‘rua’, cidade,
venderem, trocarem e/ou comprarem mercadorias. Ficando assim, menos gente nas redondezas.
Se os vizinhos dos ‘Gilo” estivessem na ‘rua’, não poderiam ajuda-los.
Em toda
estrada que levava a sede do município, Lampião distribuiu seus homens, e em
cada vereda, estrada ou rodagem ficou um pequeno grupo de cangaceiros dando
proteção. Aquelas pessoas que viriam à feira, ordenou que os ‘cabras’ as
prendessem.
É costume das
pessoas que moram nos sítios, nas propriedades rurais, nas fazendas,
levantarem-se cedo, no quebrar da barra, ou mesmo antes, diariamente. No dia da
‘feira’, esse horário é antecipado para que, além de fazerem os costumeiros
serviços como tirar leite, cortar ração, moer milho e etc., pegarem seus
animais, darem um bornal de milho seco pra eles se alimentarem, os selarem,
partirem e chegarem cedinho na ‘rua’, pegando a feira no começo.
Nas últimas
horas da madruga, já os galos cantando, dando suas bem vindas a claridade e
despedindo-se da noite, prevendo o raiar de um novo dia, todo aquele roceiro
que se dirigia para Floresta, para a feira, era aprisionado pelos cangaceiros
dispostos nos ‘piquetes’ das estradas.
Em determinada
estrada vinham alguns tropeiros com suas mercadorias nos lombos da burrarada.
Esses foram pegos e seus animais amarrados por perto. Nada de ter começado,
ainda, o fogaréu de balas na fazenda dos ‘Gilo’. Os tropeiros foram ‘detidos’
debaixo de uma quixabeira e um deles foi amarrado pelo pé. A ‘prisão’ desses
tropeiros chama atenção por ter ocorrido com membros de uma família só. Muitos
eram irmãos, primos e/ou amigos.
“(...), um, a um, os viajantes iam ficando presos e embaixo de ordem no córrego do Arcanjo, em uma quixabeira, como é o caso dos irmãos “João do Monte” (João Pereira Lima), “Mestre Orcino do Monte” (Orcino Pereira Lima – era carpinteiro e pedreiro) e o amigo deles “Manoel Maria do Monte” ( Manoel Vicente de Sá), que percorreram cerca de vinte quilômetros tangendo uma tropa de animais (...).” (Ob. Ct.)
Após esse
acontecido. Surge, de repente, um cavaleiros tangendo alguns jegues, e nos
lombos desses, amarrados nas cangalhas, costais de rapaduras. Tudo fora
apreendido pelos cangaceiros e a carga divida entre eles. Rapadura, alimento
que eles levavam em seus bornais para as longas caminhas dentro da caatinga.
Depois disso, um senhor, “Pedro Alexandre Gonçalves Torres”, que morava num
povoado próximo, “Barra do Silva”, trazia uma carga de aguardente, cachaça,
‘cana de cabeça’, no lombo de um burro, que também fora parado pelos homens de
Lampião...
Assim, nas cercanias dos limites da fazenda Tapera, foram ocorrendo fatos, mesmo antes da deflagração do tiroteio ter início no terreiro da sua sede.
O clarão do
dia vem surgindo, espantando para longe o manto escuro da noite, quando de
repente, duas pessoas saem de dentro da casa da fazenda Tapera, e, tomando
rumos diferentes, vão para o mato defecar e/ou urinarem. Um deles, aquele que
segue para o riacho que passa ali perto, é avistado e feito alvo pelos
cangaceiros, que estavam espalhados em volta da casa, e um dos lugares era a
barreira do riacho, e é o primeiro a tombar sem vida. O outro, quando o tiro
ecoou, fez finca pé e danou-se em direção uma cerca que tinha na frente. Na
velocidade que ia, salta e agarra nas varas da cerca, porém, cai na besteira de
olhar para trás, perdendo segundos preciosos, segundos que valeram sua vida.
Também é atingido e cai por terra, morrendo em seguida.
Numa
propriedade próxima, onde seus habitantes não tinham ido à feira, em
determinado momento, alguns notam a aproximação dos cangaceiros. Essa
propriedade também era denominada Tapera. Pois bem, procurando salvarem a ‘pele’,
a vida, dois cidadãos procuram refúgio entre os porcos que estavam num
chiqueiro. Perda de tempo, foram vistos e mortos.
“(...) vizinho
da Tapera, em outra propriedade que tinha esse mesmo nome e pertencente a
Ezequiel Damião(...) os sertanejos João Gabriel de barros (Janjão) e Francisco
Damião de Souza ( Chico de Rufina)(...), ao verem os cangaceiros cercando a
casa onde eles estavam, resolvem se esconder dentro de um chiqueiro de porcos,
onde foram localizados e mortos (...).” Ob. Ct.)
Entre o
pessoal que estava aprisionado debaixo da quixabeira, um que estava amarrado
pelo pé, faz menção de querer fazer alguma necessidade fisiológica. Os
cangaceiros não querem soltar ele. Dizem para ele fazer ‘as coisas’ mesmo
amarrado. Nisso, um outro prisioneiro intercede e pede para que ele seja solto
afim de ir fazer suas necessidades no mato. Os ‘cabras’ o soltam. Ele, se
estava necessitado ou não, deu foi no pé, fugindo numa carreira danada. Não
teve xique xique, mandacaru, favela, jurema, catingueira ou outra árvore do
bioma caatinga que o fizesse parar, nem as balas dos cangaceiros conseguiram
detê-lo. Pior para o senhor que pediu por ele. Quando os cangaceiros retornaram
para a quixabeira, ele é executado friamente.
No terreiro da
fazenda Tapera, dos “Gilo”, a coisa estava pegando fogo. O tiroteio estava
cerrado. O som dos disparos era levado pelo vento, como um pedido de socorro a
quem os escutassem... Num sítio próximo, na fazenda Lagoinha, morava Alexandre
Ciríaco, que era amigo de Manoel Gilo, e tinha lhe prometido de que, se algum
tiroteio começasse, ele iria em seu socorro. Quando escutou o som dos disparos,
avexou-se, pegou as armas e um bisaco de balas, foi até junto de sua amada
esposa, que estava grávida, e após fazer suas orações, despediu-se dela dizendo:
“- Muié, eu tô
indo mais num volto; os Gilo estão sendo atacados, mas eu dei minha palavra que
ia e eu vô.”
A mulher ainda suplicou:
- Num vá não.” (Ob. Ct.)
Juntaram-se a
Alexandre, seu irmão “Manoel Rosa” e um primo chamado ‘Antônio Inês’, pegaram as
armas e os bisacos, bornais, com balas e desceram rumo à fazenda na esperança
de salvar, socorrer, o amigo Manoel Gilo. Como dissemos antes, Lampião colocou
um cerco nas redondezas da fazenda Tapera, quase que intransponível. Os três
homens vão ligeiro por uma vereda que dava acesso a sede da fazenda Tapera dos
Gilo, onde o que se escutava a todo o momento era estampidos de arma de fogo,
quando, de repente, uns homens começam a fazer-lhes sinais para que se
aproximassem. Essas pessoas que acenavam, estavam dentro de uma espécie de
cercado, embaixo de um umbuzeiro, e a sombra nela impedia de Alexandre, seu
irmão e o primo, visualizassem quem era. Para entrar no cercado, havia um
passador, coisa que Alexandre logo transpôs. Nesse momento recebeu uma saraivada
de balas que o mataram. O irmão e o primo, vendo o que aconteceu, não contaram
conversa, deram meia volta, e bateram em retirada.
Na cidade de
Floresta, onde se realizava a feira, todos escutavam o som dos disparos. Não
vendo atitude alguma tomada pelo comandante do Batalhão, capitão Antônio Muniz
de Farias, que tinha prometido ao Patriarca dos “Gilo” ir a seu socorro se por
acaso fossem atacados pelos cangaceiros e não se mexia do canto, várias pessoas
vão pedir para que ele leve a tropa e salve os daquela família. O comandante
ainda ordenou entrar em formação a tropa, porém, em seguida, ordena saírem de
forma... E assim procedeu mais de uma vez. E os da fazenda Gilo vão perdendo
suas vidas, um a um.
Vendo que o
comandante não tomaria a atitude de, pelo menos ordenar para eles irem em
defesa daquela pobre gente, coisa que o capitão Muniz tinha prometido, Manoel
Neto, que estava baleado num braço, inclusive usando tipoia, chega junto dele e
pede para que dê a ordem aos soldados. Nada, o capitão não ordena. Acovarda-se.
Toma então uma decisão maluca e diz que querendo ou não o comandante, ele iria
tentar salvar as pessoas daquela fazenda.
“(...) Diante
do empecilho criado, surge um bravo. Um componente da afamada Volante dos
Nazarenos, Manoel de Souza Neto, o “Mané Neto” (...).” (Ob. Ct.)
Vendo a
decisão tomada por Manoel Neto, dez soldados se determinam e dizem segui-lo,
naquela empreitada. Os bravos soldados pegam suas armas e saem na direção da
fazenda Tapera. No caminho, nas terras da fazenda Barra, encontram-se com
alguns homens, e esses cedem ao bravo nazareno cinco homens que trabalhavam
para eles. Já o outro, agrega-se a eles com seus jagunços. Formaram uma pequena
tropa, mas, pelo som dos disparos, Manoel Neto sabia que seu contingente era
muito inferior ao dos ‘cabras’ de Lampião. Seguiram com cautela a partir dali.
“Mané Fumaça”, como era chamado por Lampião Manoel Neto, divide seus homens e
vai em direção a casa.
Ao longe os
disparos vão diminuindo e isso não era um bom sinal. Ao chegarem próximo à casa
da fazenda, um corneteiro começa a cornetá. Os bandidos escutam e, alguns saem
em retirada, outros pegam suas armas e começam a atirar em direção a volante
que chega. Um dos soldados cai nos pés do comandante já sem vida. Cassimiro
Gilo, ao aproximar-se da casa com seus homens, uma bala passa muito próximo ao
seu ouvido. Ele cai desacordado. Manoel Neto o pega e o carrega nas costas,
retirando-o da zona de tiro. A munição dos soldados e dos homens que estavam a
darem combate à turba de cangaceiros vai diminuindo. Vendo que logo ficariam
sem munição e seriam todos mortos pelos inimigos, resolvem bater em retirada e
voltarem ao QG do comando, ao Batalhão em Floresta.
O saldo das
vidas ceifadas nessa brigada foram de muitas pessoas, dentre essas três eram
cangaceiros, que além dos mortos, levavam três companheiros feridos. Dos mortos
na sede da fazenda e em seu derredor, um era um soldado, os outros eram civis,
roceiros, sertanejos que perderam a vida tentando defende-la, ou tentando
defender a de amigos, fora os feridos, inclusive da Força Militar comandada por
Manoel de Souza Neto.
Nomes daqueles
que perderam a vida na chacina da fazenda Tapera:
“(...) Aos pés
da quixabeira que ficava no terreiro, uma cena macabra, sete corpos espalhados
pelo chão, entre eles: Gilo Donato e seus filho Manoel de Gilo, Evaristo Gilo,
Joaquim Gilo, Henrique Damião ( genro), Permínio (parente), e José Pedro de
Barros ( vizinho e parente). (...) perto dali, estavam os corpos de Chico de
Rufina e Ezequiel Damião (Janjão). (...) na estrada que ligava Floresta ao
povoado Barra do Silva, embaixo ( da sombra) de uma quixabeira estava (o corpo
de) Pedro Alexandre.(...) (o corpo de ) Alexandre Ciríaco fora deixado no local
onde morreu, a cerca de duzentos metros do epicentro da tragédia.(...) o
soldado Volante João Ferreira de Paula tombou crivado de balas (...).” (Ob.Ct.)
Outras obras
literárias não trazem os nomes daqueles que tombaram na citada chacina. Outras
até cita alguns, inclusive o nome de uma pessoa que não morreu na brigada...
Porém, com o esforço, a perseverança de nossos amigos, a história vai se
desvendando verdadeiramente. Depois de muito suar, os dois amigos conseguem
trazer para nós, através de seu livro acima citado, a coisa como realmente
ocorreu, nas terras rurais do município de Floresta, PE, na chacina da fazenda
Tapera.
Fonte “AS
CRUZES DO CANGAÇO” – SÁ, Marcos Antonio de. E FERRAZ, Cristiano Luiz Feitosa.
(nossos amigos Marcos De Carmelita
Carmelita e Cristiano Ferraz).
Floresta, 2016
Foto Ob. Ct.
Revista O Malho
Revista O Malho
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