*Rangel Alves
da Costa
Noutros idos
dos sertões nordestinos, quando não havia tanto desmatamento e a natureza
permanecia preservada pela ausência meramente destrutiva da cobiça humana, o
clima era muito estabilizado, as estações chegavam nos seus tempos certos e com
suas feições próprias, as chuvas chegavam com mais constância e os leitos
d’água se enchiam ou corriam na normalidade dos volumes de chuvas, ainda que
tudo ao lado dos períodos de secas grandes.
Os pequenos
riachos, mesmo com enchentes apenas ocasionais, corriam limpos e pujantes em
meio ás matas ciliares e matarias mais adiante. Não havia a destruição dos
leitos, a retirada da areia para as construções e aterramentos, a remoção das
pedras para fins de construções nem a derrubada das plantas próprias das
margens. Sem a ação destrutiva humana, quando as chuvas caíam mais fortes nas
suas nascentes, logo tinham inícios as cheias e a festa do povo perante a
beleza das águas correndo em meio ao sertão.
Com o Riacho
Jacaré, no município sergipano de Poço Redondo, na região sertaneja mais seca
do estado, não era diferente. Quando as chuvas desciam fortes nas cabeceiras,
não demorava muito e as águas começavam a correr. A primeira cheia sempre
encontrava um leito sujo, feio, tomado de restos de esqueletos de bichos, de
troncos e pedaços de pau. As águas passavam e iam limpando tudo, levando tudo.
Da segunda cheia em diante riacho era apenas das águas de lado a outro,
convidando o sertanejo ao banho e à admiração.
Contudo, com o
passar dos anos, as chuvas foram escasseando ainda mais, as cheias foram
diminuindo, o leito do riacho sendo totalmente degradado pela retirada das
pedras e da areia, muitas vezes servindo apenas para empoçamento de águas
fétidas e doentias. Contudo, toda vez que chove um pouquinho na cabeceira, na
sua nascente, as águas chegam e, sem força de correr, vão formando grandes
poços, e nestes algumas vidas vão surgindo como para espantar aqueles que
sempre acreditam num leito de riacho sem a mínima possibilidade de peixes. Mas
estes nascem e crescem e são até pescados por alguns sertanejos.
Neste último
sábado, 08 de abril, pouco mais das cinco horas da manhã, eu já estava na
beirada do Riacho Jacaré para constatar um fato que me fora dado conhecimento
ainda na noite de ontem. Com efeito, o amigo De Ouro procurou-me para relatar
uma preocupação: os peixes que ainda surgem no riachinho estavam repentinamente
morrendo. Então, acompanhado de De Ouro, quase madruguei por lá para
infelizmente confirmar a informação repassada.
Como na
passagem para o Alto de João Paulo as águas ainda existentes – e que chegam
poucas das chuvas fracas nas cabeceiras – se dividem praticamente em duas, do
lado esquerdo de quem vai logo se avista a mortandade de peixes miúdos e mais
graúdos. Muitos, já nas beiradas, já respiravam fraquejando, morrendo aos
poucos, se batendo por cima das águas rasas. Mas por que assim de um lado e de
outro não? A única explicação possível é que produtos químicos chegados pelos
esgotos estão envenenando aquelas vidas.
Contudo,
esgotos residenciais não descem com tamanho poder de dizimação das vidas ainda
existentes no leito do riachinho. Será preciso, pois, que o poder público mande
verificar se o sistema de esgotamento vindo diretamente do posto de combustível
logo adiante não é o que está causando tamanha mortandade. Alguma providência
deve ser tomada. E com a maior urgência possível. De qualquer modo, logo
ninguém sequer suportará passar por aquele local. A fedentina de peixes mortos
estará insuportável.
Tantos peixes
morrendo em dias de Semana Santa e de tantas panelas vazias, mesas sem pratos,
barrigas com fome. Mas assim mesmo a vida e seu espanto no mundo sertanejo.
Quando os peixes surgem, logo a morte dentro da água, pela mão do próprio
homem, e sem aproveitamento algum.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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