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terça-feira, 27 de junho de 2017

A ‘MORTE’ DE LAMPIÃO NO FOGO DAS CARAÍBAS

Por Sálvio Siqueira

Desde 1925 que a Coluna Prestes vinha percorrendo o vasto território brasileiro, no sentido Nordeste. Adentra a região e começa a percorrer o vasto território do Estado do Piauí.

Em princípios de 1926, nem os comandantes das volantes e seus comandados da região do Pajeú dos Flores e do Navio, nem o “Rei dos Cangaceiros”, Virgolino Ferreira da Silva, o chefe cangaceiro Lampião, com sua cabroeira, sabiam nada sobre o que estava acontecendo, principalmente sobre esse levante das tropas contra o Estado brasileiro. Os primeiros estavam a pensar em como agiriam para darem cabo de Lampião que há vários anos, junto com seus ‘cabras’, transformam o sertão numa área de terror. E o segundo, como esconder-se e armar emboscadas para seus perseguidores, dando sequências em suas extorsões, roubos e assassinatos, protegendo sua vida.

Coronel João Nunes

No mês de fevereiro de 1926, os comandantes de volantes, os, na época, tenentes Optato Gueiros e Higino José Belarmino ficam cientes de que Lampião andava próxima a Vila de Nazaré, no município de Floresta, PE, com um pequeno grupo de cangaceiros. Juntando seus homens, partem para aquela localidade a fim de perseguirem o bando. 


No caminho as volantes se encontram com o comandante Geral da Força Pública de Pernambuco, coronel João Nunes, na estrada que liga São Serafim a Vila Bela, hoje Calumbi e Serra Talhada, que, viajando de carro com sua comitiva, ia com destino à divisa com o Estado do Piauí, a fim de montarem uma barreira para combaterem os Revoltosos, a Coluna Prestes.


A Coluna Prestes, quando em confronto com as Forças Federais, sempre se saíra bem. Melhor dizendo, são mínimos os combates em que os Federais toparam os Revoltosos. Na Região Nordeste, pelo menos, se não fossem os componentes dos Batalhões Patrióticos - BT, aí se destaca o baiano, a Coluna dos Revoltosos não teria tido empecilho algum. O governo Federal, na pessoal do Presidente Arthur Bernardes, financia a fundação e formação dos BTs – Batalhões Patrióticos. Esses Batalhões foram formados, tendo em suas fileiras, a maioria, civis, pistoleiros, jagunços e cangaceiros que atuavam na região sede onde foram montados. Como exemplo, citamos o de Juazeiro do Norte, CE, montado pelo então deputado Floro Bartolomeu, onde dois mil jagunços fizeram parte de suas fileiras. E entre o jagunço e o cangaceiro, a diferença é mínima. O jagunço ‘trabalha’, exercendo sua ‘profissão’ de extorquir, roubar, descer a madeira, maltratar, humilhar e matar sempre sob as ordens de alguém. ‘Trabalhando’ exclusivamente para seu “patrão”, que poderia ser um ‘coronel’, grande latifundiário e/ou político da região, etc... Já o cangaceiro, que também fazia tudo quanto o jagunço praticava, só que com uma diferença, não tinha patrão. ‘Trabalhava’ para si.

Em cada volante havia um rastejador. O trabalho desse homem, de um rastejador, era, é e sempre será de primordial importância, pois é aquele que leva os perseguidores diante dos perseguidos, do caçador diante da caça. Ele ‘vê’ sinais, ‘lendo o terreno’, que, com toda certeza, passariam despercebidos para o restante da tropa. Além de descobrir os raros sinais, tem-se que saber a direção tomada dos perseguidos. Se não, em vez de saírem no encalço, se distanciariam mais ainda da ‘caça’. Sabedor disso, Lampião ficava dando voltas em um determinado trecho de terra. Indo e vindo por entre serras, dificultando mais ainda os rastejadores lerem os vestígios de sua passagem.

Virgolino Ferreira da Silva o Lampião. Essa imagem fora capturada quando da sua ida ao Ceará, em março de 1926, receber a patente de capitão do Batalhão Patriótico, inclusive já está usando a indumentária militar, para dar combate aos revoltosos. Colorida pelo professor e pesquisador do cangaço Rubens Antônio

Lampião tinha em mente um combate contra a Força pernambucana, pois tinha perdido seu irmão, o cangaceiro “Vassoura”, Livino Ferreira, e era necessário vingar sua morte. Sabedor de que o tenente Higino Belarmino estava nas redondezas, procura fazer com que chegue ao mesmo, através da sua ‘malha’ de informantes, a notícia da sua presença, pois era sabido que o mesmo estivera na tropa que participou do combate onde morrera seu irmão. 

Na ocasião, Lampião tinha sob suas ordens um pequeno grupo de cangaceiros num total de 19 homens. Ao passar por as terras da fazenda Saco, propriedade dos remanescentes do famoso cangaceiro do Navio, Cassimiro Gomes da Silva, Cassimiro Honório, encontra-se com o não menos famoso “Manoel Pequeno”. “Manoel Pequeno” era um chefe cangaceiro cujo bando era todo, ou quase todo, completo por indígenas, caboclos da Serra do Umâ ou da região denominada Jacaré, tendo em suas fileiras um total de vintes caboclos. Os dois grupos se juntam e o bando parte em direção indicada pelo “Rei dos Cangaceiros”.

Chegam às terras da fazenda Caraíbas, montam acampamento em localidade escondida, matam uma rês e fazem a carne para assarem, para comerem de imediato e para levarem em seus bornais junto a farinha. Enquanto isso, a tropa está seguindo seus passos. Se os sinais ficarem sempre muito as vistas, é lógico que os soldados desconfiariam por isso Lampião, vez por outra, encontrava uma forma de escondê-los.

Assim, O soldado Manoel Flor de Nazaré, Manoel de Souza Ferraz, que também era rastejador, encontra os vestígios da passagem da cabroeira já nas terras da fazenda Maravilha, e os mesmo ‘diziam’ que os perseguidores foram com destino às terras da fazenda Caraíbas. A tropa se agita, colocando os pés no caminho, doidinha para encontrarem seu grande inimigo, Lampião. 

Virgolino divide seu bando em três frentes, uma sob o comando do cangaceiro “Esperança”, seu irmão Antônio Ferreira, que se especializara em combater pelos flancos, outra ficando com o comando do cangaceiro “Manoel Pequeno”, que se posicionou para atacar a retaguarda da tropa, essa posição ficava sempre sob a responsabilidade de “Vassoura”, seu Irmão Livino que já estava morto, e, por fim, a parte que ficaria com ele, aquela que estaria na vanguarda tropa, de frente para o inimigo. Ordena que permaneçam em suas posições, que devem deixar os ‘macacos’ passarem pela ‘brecha’ deixada entre eles. Determinando para aqueles que estariam para atacar a retaguarda da volante, que só atirassem, entrassem em ação, depois que, acossados por dois flancos, partissem em retirada.


A tropa adentra na arapuca. O estrago só não fora maior, só não ocorreram mais baixas devido a um imprevisto. Os soldados, ao chegarem à margem do riacho Maravilha, entram pelo leito do mesmo e, antes que todos estivessem no ‘miolo’ do leito, veem três cabras do grupo de “Manoel Pequeno”, porém, os soldados também foram notados pelos caboclos. Automaticamente as duas partes abriram fogo. Mesmo o ataque tendo perdido a surpresa, aqueles que estavam nas outras posições, abrem fogo causando grande estrago nos homens da volante. A coluna se ver ataca por três frentes ao mesmo tempo. A vida de cada um está por um triz.


De cara, três soldados, Antônio Benedito Mendes, Aristides Fontes da Silva e Benedito Bezerra de Vasconcelos, tombam sem vida. O tenente Higino José Belarmino, o cabo Manoel de Souza Neto, os soldados Antônio Joaquim dos Santos, o rastejador “Batoque”, João Pereira dos Santos, Altino Gomes de Sá, João Cavalcanti, João Pinheiro Costa e outro soldado são feridos. Deixando um buraco enorme nas linhas da Força.

A valentia dos homens que nasceram nas terras pertencentes à Vila de Nazaré, Distrito de Florestas, PE, e que saíram em perseguição ao cangaceiro mor daquela região, é conhecida por todo aquele que estuda o Fenômeno Social Cangaço. Valentia essa, que por inúmeras vezes, é confundida pela loucura. Porém, por força dessa valentia, quando em ação, que foram salvas, em muitas ocasiões, as vidas de vários daqueles que fizeram parte das linhas volantes combatentes ao banditismo regional. 


A tropa se ver cercada e fica desnorteada. Alguns homens são vítimas do desespero da hora do fogo. Colocam suas caras na areia do riacho e não respondem aos tiros dos cangaceiros. Outros, vendo a bagaceira que está para acontecer com todos, começam a gritar, incentivando seus companheiros a voltarem a lutar. O tenente Higino pede auxilio ao soldado nazareno David Jurubeba, para que esse desse incentivo aos homens, no entanto, Davi diz que nem ateando fogo onde eles estavam eles voltariam a erguerem-se para combaterem. Até mesmo o tenente Higino, ferido em um dos braços, vendo a coisa como estava, prepara-se para dar no pé no que é impedido por Davi Jurubeba, onde ameaça atirar nele se o mesmo deixa-se o campo da luta.

Tenente Higino José Belarmino

“(...) Davi Jurubeba notou o tenente Higino se preparando para abandonar o combate, que se tornava cada vez mais acirrado, com os bandidos envolvendo a força, e falou pra ele:

-“Tenente Higino, não abandone o comando da tropa! Seja homem, que eu sou homem e só sou comandado por homem. Bota galão no ombro quem é homem. Não tente retirar-se da linha de frente. Se isto fizer, atiro pelas costas.”


Sabendo o tenente da valentia de Davi Jurubeba, que não hesitaria em cumprir com a promessa, virou para o soldado e respondeu:

_”Davi, agora se morre até o último homem, mas não se corre! Vamos todos agora morrer como homem no campo da luta” (...).” (As Cruzes do Cangaço” – SÁ, Marcos Antonio. E FERRAZ, Cristiano Luiz Feitosa. 1ª Edição. Pg 77. Floresta, PE. 2016).

Manoel Flor - encontrando-se na Vila de Nazaré, distrito de Floresta, PE.

Em determinado momento do combate, os irmãos Euclides e Manoel flor, separam-se com alguns homens e começam a darem combate aos cangaceiros em frentes distintas. A coisa fica melhor para os soldados após essa decisão deles. No entanto, havia muitos feridos e mortos, além da separa e deserção de alguns, deixando apenas 17, de uma tropa de 40, dando combate ao fogo. Euclides chega junto a esses homens com bastante raiva por ter tido que deixar seu inimigo lá, no meio das pedras dizendo lorotas, falando que os tinham colocado para correr. Nesse momento, após dizer que Lampião estava falando que eles correriam com medo, os homens se erguem, pegam novamente nas armas e se destinam a voltarem ao campo da luta. Os soldados, sob as ordens de Euclides Flor, Manoel Flor e Davi Jurubeba, dividem o restante da tropa em dois pelotões. Um ficaria com Davi, e o mesmo iria dar combate a “Manoel Pequeno” e seus caboclos, enquanto Euclides, juntamente com Manoel e alguns soldados, entraram na caatinga e foram botar um cerco no “Rei dos Cangaceiros”. Euclides Flor deixa seu irmão em um canto, abrigado e lhe dando cobertura, e junto com alguns outros soldados, partem para a ofensiva, atacando e encostando-se ao serrote onde se encontrava os cangaceiros. Essa investida de Euclides Flor foi decisiva para o combate. Ou morreriam ou matariam os cangaceiros. Mataram alguns e feriram outros. Lampião vendo que estava ficando em desvantagem, pois havia perdido cinco dos seus homens e outros estavam feridos, ‘deu linha na pipa’, sumiu no meio do mato. No caminho para um coito seguro, os cangaceiros enterraram seus companheiros mortos.

Euclides Flor

Outra versão, conta-nos que quem deu ordem para que Euclides Flor com seus homens contornasse o serrote, na tentativa de pegar os cangaceiros pelas costas, fora o comandante Optato Gueiros. Só que, fazendo o contorno pela caatinga, esse grupo dá de cara com outro comandado por Davi Jurubeba que havia ido levar alguns soldados feridos, inclusive Manoel Neto, na fazenda São Silvestre e, como não existiam rádios e as vestimentas eram idênticas, atiraram uns nos outros. Diante disso, Lampião aproveita-se e parte em retirada com seus homens.

Lampião ordena que transportem o cangaceiro morto, nessa versão só um ‘cabra’ morreu, e, manda que cortem seu pescoço, escondendo a cabeça em outro local distante. O corpo desse cangaceiro é encontrado, porém, não pode ser reconhecido por não ter a cabeça.

É nesse momento que a cobiça humana mostra-se através da vaidade do tenente Optato Gueiros. O tenente, quebrando a hierarquia militar, comunica diretamente ao governado do Estado de Pernambuco, através de telegrama, de que o corpo encontrado na mata da caatinga na região do semiárido sertanejo era do famigerado cangaceiro Lampião, e que o mesmo tinha sido morto no combate das Caraíbas. Tudo em busca de uma promoção em sua carreira.

O danado é que vários Jornais escritos da época, único meio de comunicação em massa existente, publicam a morte do cangaceiro: o “Jornal Pequeno”, em 13 de fevereiro de 1926, o “Diário de Pernambuco” em 14 de fevereiro de 1926, em sua página de número 3, ambos da cidade do Recife, PE, e o “Jornal do Commercio”, de Fortaleza, CE, em 15 de fevereiro de 1926.

“(...) Optato Gueiros, que então era tenente, doido por uma promoção, assegurou aos superiores que o corpo encontrado sem cabeça era de Lampião. No Recife, o Jornal Pequeno apressou-se em publicar o que chamava de “uma das notícias mais alvissareiras”, dizendo que havia posto em campo a sua reportagem para que pudesse dar ao público “notícias oficiais absolutamente verídicas”, de fonte insuspeita. A “fonte insuspeita’ era o tenente Optato Gueiros. A “notícia alvissareira” foi dada também pelo Diário de Pernambuco, do Recife, e pelo Jornal do Commercio, de Fortaleza(...).” (Lampião – a Raposa das Caatingas – IRMÃO, José Bezerra Lima. 2ª Edição. Pg 187. Salvador, BA. 2014)

Esses mesmos vespertinos, ou periódicos, viriam, no mês seguinte, março de 1926, noticiarem o encontro entre Lampião e Padre Cícero, na cidade de Juazeiro do Norte, CE, onde o chefe bandoleiro recebe a patente de Capitão. Fato que comentaremos em outra oportunidade.

Fonte Obs Cts.
Foto As Cruzes do Cangaço” – SÁ, Marcos Antonio. E FERRAZ, Cristiano Luiz Feitosa. 1ª Edição. Floresta, PE. 2016
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