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sexta-feira, 16 de junho de 2017

CASEBRES, SILÊNCIOS E SOLIDÕES

*Rangel Alves da Costa

Casebres, silêncios e solidões. Talvez poético demais para visões de uma realidade tão belamente entristecedora. Sim, pois nos silêncios e nas solidões dos casebres sempre um misto de angústia e encantamento.
Conheço um mundo assim, paisagens assim, tudo assim tão silêncio e tão solidão. Um mundo nas beiradas das estradas, nos afastados dos caminhos e até no meio da mataria. Sempre um casebre tão silencioso quanto solitário.
De passagem em transporte ou mesmo a pé, nas vezes que de chinelo no pé eu vou trilhando os caminhos do meu sertão, não demora muito e logo avistando um casebre que nunca parece que tem morador. Sempre a porta e a janela fechadas, sempre ausências.
Do amanhecer ao anoitecer sempre assim. Raramente se avista uma janela entreaberta ou uma porta escancarada e com sinal de presença humana. Comumente a solidão e o silêncio emoldurando as humildes, rústicas, rotas, carcomidas e tristes moradias sertanejas.
Por vezes, tudo acaba se mostrando em nudez realista. Logo vem a informação de que aquela família arribou no meio do mundo depois da seca medonha, duradoura demais para suportar sem ter nem comida pra gente e muito menos para o bicho. A lástima da pobreza.
Em situações assim, onde não há mais como tirar nem da terra nem do tanque o tiquinho tão necessário à sobrevivência, então não há o que se fazer senão dar adeus ao chão amado. Então os casebres vão ficando para trás enquanto as famílias e farrapos se vão.
Diz-se, então, que há não só o silêncio e a solidão como um luto forjado no sofrimento em vida. Casebres que eram a vida e o leito de tantos, mas tendo que ser abandonados e deixados aos desvãos. E do que fica somente as sombras de tantas histórias e de tantas lutas.



Noutras situações, os silêncios e as solidões são na presença de vidas, daquelas pessoas e daquelas famílias que jamais arredaram o pé do lugar. Tudo aparenta abandono, ausência de qualquer morador, mas ali vidas nos seus pequenos afazeres cotidianos.
João, Maria, Lúcia, Dasdores, Juquinha, Lucrécia, Guiomar, Balinha, Tiziu, Beraldo, Filismina, Fabiano, Dorinha, Zefinha, Peloco, nomes e nomes, pessoas e pessoas, vidas tão dignas como empobrecidas, naquelas paredes de barro e cipó repousando suas vidas sofridas.
Lá dentro, dentro das quatro paredes, quase um mundo aberto e sem nada, ao desvão, na desvalia. Ali somente o pote de barro, a moringa de barro, o alguidar de barro, a vida de barro. Ou ainda a mesinha de tosca, o tamborete de tronco de pau, a cama de duro varal.
Vidas de fogão de lenha, de quintal com pouca galinha, de pilão de pisar café e todo grão surgido, de pé de mastruço, de purrão para juntar água numa chuva de sorte que caia, de varal de roupa velha, de pedra de amolar facão, de mamoeiro que nunca dá um só fruto.
Tudo tão pouco e quase inexistente que as vidas lá de dentro parecem nem existentes. Apenas quando alguma fumaça de toucinho sobe pelos ares é que se imagina a existência de morador por trás daquelas portas e janelas fechadas. Desde a aurora ao negrume é assim.
Dificilmente as portas e as janelas são avistadas abertas. Também difícil encontrar uma cadeira de balanço debaixo de um pé de pau ou mesmo qualquer pessoa sentada em tamborete defronte aos casebres. De vez em quando um menino corre atrás de um calango.
Lugares de calangos igualmente solitários, de preás tão solitários quanto suas locas de pedras. Depois do anoitecer, então o grilo começa a entoar sua repetitiva canção como se querendo ser ouvido de qualquer jeito. Um vaga-lume acende sua luz, um candeeiro se apaga.
Assim as vidas nos casebres tristes e abandonados, assim a existência nos casebres silenciosos e solitários. Assim o viver de muitos pelas beiradas dos sertões e mata adentro. Pessoas que vivem como se não existissem. Existências que se escondem dentro do próprio viver.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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