A morte do
cangaceiro Pau-Ferro gerou uma vingança cangaceira tamanha que até hoje as
cruzes da estrada de Curralinho testemunham aquele troco de sangue, tendo por
vítima os solados Tonho Vicente e Sisi.
Tudo começou na Fazenda Quiribas, em Poço Redondo. Um grupo de cangaceiros, dentre os quais Corisco, Mariano e Zé Sereno, repousa tranquilamente nos arredores de um riacho quando é avistado pelo soldado Miguel Feitosa, ali apenas de passagem. Retornando imediatamente, o militar avisa ao comando sobre o ocorrido.
Um pequeno agrupamento militar é formado e segue em direção ao coito. Ao chegar ao local, logo percebe que o pequeno número de soldados sequer pode assustar aquele grande numero de cangaceiros. Então decide recuar. Recuou, mas já distante - e fora do alcance da cangaceirama - dois soldados resolvem atirar na direção dos cangaceiros. Um tiro acaba acertando e matando o cangaceiro Pau-Ferro.
Foi a motivação para que a fogueira se tornasse em odiosa labareda. A
cangaceirama correu no encalço da soldadesca, porém sem alcançar. Mas a
vingança estava jurada, não demoraria muito para que os homens da caatinga
farejassem os culpados pela morte do companheiro e dessem o troco merecido.
Mas a vingança foi feita em dois que sequer haviam participado daquele episódio. Os soldados Tonho Vicente e Sisi destacavam na povoação de Curralinho, naqueles idos de 1937 um lugarejo ribeirinho próspero e porto principal da chegada e partida de todo tipo de mercadoria daqueles sertões de Poço Redondo, então distrito de Porto da Folha, quando de lá partiram na companhia de outro soldado, Miguel Feitosa, aquele mesmo que havia informado sobre a presença do bando.
Chegando de canoa de Propriá, Miguel Feitosa certamente desembarcaria no porto de Curralinho e logo tomaria a estrada normal, sempre utilizada por todos, para chegar a Poço Redondo. Contudo, imediatamente foi avisado que daquela feita não fosse de jeito nenhum pela conhecida estrada, pois a cangaceirama estava por todo lugar. E foi por isso que buscou a companhia protetora dos soldados Tonho Vicente e Sisi.
Tomaram outros caminhos, recortaram veredas, e tudo para evitar aproximação com o bando cangaceiro. Chegaram, enfim, a Poço Redondo. Chegado na paz da proteção dos amigos soldados, Miguel Feitosa, contudo, cometeu a maior das injustiças para com os dois, pois em nenhum momento comentou sobre o motivo de não utilizar a conhecida estrada de Curralinho nem que os dois evitassem de por ela retornar.
Segundo relata Alcino Alves Costa (Lampião Além da Versão - Mentiras e Mistérios de Angico, pág. 293 da 3ª edição), no capítulo intitulado “Vingança dos Cangaceiros - Mortes de Tonho Vicente e Sisi”:
“Em local ermo e deserto a cabroeira faz as trincheiras. Não tem certeza se os ‘macacos’ irão aparecer e nem tampouco quantos poderão estar vindo com os feirantes. Pelo sim e pelo não estão prevenidos, preparados para vingar a morte de Pau-Ferro. Na beira da estrada se encontram cinco perigosos e famosos chefes de bando, cangaceiros de uma fama ilimitada. Ali estão: Corisco, Mariano, Mané Moreno, Pancada e Criança. A emboscada está feita. Se aparecer algum policial o mesmo será trucidado”.
Sem saber de nada, no dia seguinte, segunda-feira, Tonho Vicente e Sisi se prepararam para retornar e, dessa feita junto com alguns feirantes, pela estrada normal. Na segunda-feira, dia após a feira na povoação, muitos feirantes seguiam aquela estrada para embarcar em Curralinho em busca de novas mercadorias. Os primeiros que foram passando foram logo presos pela cangaceirada à espreita. Não lhes interessavam estes, pois simples sertanejos, mas sim os soldados que pudessem aparecer.
E não demorou muito para que as expectativas dos cangaceiros se confirmassem. Logo surgem perante aqueles olhares ávidos por vingança. A confirmação de que se tratava de soldados surgiu da troca de sinais, mas de repente se percebe que um estranho está em meio aos dois militares. Este foi poupado, mas não Tonho Vicente e Sisi. O primeiro, baleado, correu e foi alcançado em seguida. Já o segundo, depois de preso, amarrado e interrogado, também não teve destino diferente.
Ainda hoje, duas cruzes marcam o local da emboscada e onde foram enterrados os dois soldados. Quem segue pela estrada de Curralinho, do lado direito de que vai em direção ao rio, facilmente avista o retrato póstumo daquela vingança cangaceira. E além das duas cruzes, também avistará outro retrato impressionante: a devoção atual pelos dois soldados mortos.
Com efeito, muitos moradores chegam ali adoentados, desesperançados, aturdidos pelas consequências da vida, e se entregam a orações e promessas. E os ex-votos estão ao redor das cruzes para ninguém duvidar. Cabeça em madeira, pé e mão, fitas, rosários, dádivas da crença de um povo, ainda que nem sempre saiba dos fatos que originaram a atual devoção.
Escritor
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